sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Blecaute I









Cheguei em casa exausto do trabalho. Tirei a roupa, tomei banho, comi uma bobagem qualquer e fui até o computador checar meus e-mails antes de dormir. Respondia uma mensagem distraidamente quando, de repente, o computador sumiu da minha frente. Sabia que ele estava lá, pois ainda sentia as protuberâncias regulares do teclado sob meus dedos, mas não o enxergava. Também não podia ver nada ao meu redor e o quarto foi invadido por um estranho silêncio quando o ventilador parou de funcionar. Compreendendo o que estava se passando, respirei fundo e, tentando acalmar a mim mesmo, falei em voz alta:

- Putamerda! Faltar energia agora? Sério? 

A falta de luminosidade em si não me incomodava tanto, já que estava pronto para dormir mesmo. O problema era o calor. É de conhecimento público que, no Recife, em caso de blecaute noturno, existem apenas duas opções: insônia ininterrupta ou o rápido alívio do suicídio. Sem o auxílio de ao menos um ventilador, vários pernambucanos já haviam tirado as próprias vidas, não mais suportando a privação de sono combinada com a temperatura de ebulição das noites recifenses. Eu sabia que estava prestes a entrar para as estatísticas da polícia e dos programas de TV populares, então tratei de me acalmar. Disse a mim mesmo que aquela era uma situação passageira, logo a energia voltaria e o doce zumbido do ventilador voltaria a embalar meu sono perdido. Nesse momento, ouvi um barulho na garagem do prédio. Era o síndico, diligente, já se prontificando a resolver o problema. Como um cão que observa o galeto girando no forno, iniciei uma vigília na janela da sala, acompanhando de ouvido os movimentos que aconteciam no térreo. Depois do que pareceu uma eternidade, ouvi a voz distante do síndico comentando com um interlocutor invisível:

- Rapaz...sei não...acho que hoje, só amanhã.

Meu coração afundou. Nem tanto pela frase em si, que apresentava graves problemas de lógica, mas por entender que provavelmente passaria a noite sem o ventilador mantendo a temperatura a níveis humanamente suportáveis. Imediatamente, senti como se houvessem ligado um aquecedor no apartamento. Sabia que era um efeito psicológico, mas não conseguia evitar a sensação de abafamento que parecia se espalhar lenta e inexoravelmente por toda a casa.

Experimentei deitar na cama, fechar os olhos e tentar forçar o sono. Inútil. O calor me envolvia, era um embrulho ao redor do meu corpo suado, brilhante como uma vendedora de acarajé do centro da cidade. Me livrei do último vestígio de roupa que me restava, a cueca, em uma vã tentativa de diminuir a temperatura corporal. Uma gigantesca mancha de sudorese começava a se espalhar no lençol ao meu redor, ameaçando engolfar toda a cama. Sabia que não conseguiria dormir naquelas condições, então apelei para os velhos truques dos insones. O problema é que a maioria deles não funciona quando não existe nenhum tipo de luminosidade. Peguei um livro para ler, mas não podia enxergar as palavras. Tudo ao meu redor era um negror total, o calor quase uma entidade onipresente. 

Desesperado, comecei a pensar em possibilidades absurdas. Uma hora, me levantava para assistir televisão enquanto a energia não voltava e apenas ao tentar ligar o aparelho percebia a falta de lógica daquela proposta. No momento seguinte, deixava a cama para checar a Internet rapidamente, para passar o tempo enquanto não havia luz. Horrorizado, comecei a perceber que meu cérebro febril já não estava funcionando normalmente. Lembrei das estatísticas, dos suicidas suados e dos programas populares e meu terror aumentou, logo se transformando em um pânico incontrolável. 

O calor estava evaporando minha sanidade.

Continua...

2 comentários:

  1. O pior são as malditas muriçocas que teimam em voar bem pertinho do ouvido!
    Ahh, malditas!

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  2. Ah, espero que vc ainda esteja vivo pra terminar de contar a história do blecaute kkkk

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Vai, danado, reclama!