sexta-feira, 11 de março de 2011

Especial carnaval: multicultural




Durante o carnaval, assim como no resto do ano, as pessoas tendem a se segregar em diferentes tribos, geralmente espelhando suas preferências, preconceitos e idiossincrasias. São geralmente bem fáceis de identificar e seguem padrões tão rígidos que é possível prever que forma vão se comportar ou até mesmo que tipo de fantasia vão usar.


Os bombados

São os débeis-mentais que passaram o ano investindo mais da metade do salário em anabolizantes equinos e sessões de halterofilismo durante a madrugada. Costumam andar em hordas musculosas e cobertas de óleo, para dar aquele brilho especial. São comumente vistos embriagados no final da folia, levando ré da moça do espetinho. Podem ser facilmente identificados pela voz aguda e total ausência de genitália funcional.

Fantasias: Bebê, Cupido, Adão, Banhista, Índio, Salva-vidas, Naturista, Vítima de violência sexual no presídio ou qualquer outra coisa que exija o mínimo de vestuário. 


As piriguetes

O sábio já dizia: toda mulher quer dar. Talvez não nesse exato momento e muito menos para você, seu incompetente. Mas que quer, quer. As piriguetes também, só que com muito mais urgência, afinal o carnaval dura apenas quatro dias. Como fica difícil exibir a mercadoria quando se está fantasiada de repórter da Al Jazira, as piriguetes costumam ser bem mais desinibidas em seus trajes. Podem ser vistas saindo dos becos escuros de Olinda, lançando um olhar de desapontamento para algum bombado eternamente engajado em uma luta vã contra sua própria disfunção erétil.

Fantasias: Bebê, cupido, Eva, Banhista, Índia, Miss Borracharia, BBB, ex-BBB, Chacrete, Dançarina de axé, Dorminhoca de camisola ou Bruna Surfistinha.


Os pirraias

É a meninada quase impúbere que não faz a menor ideia do significado do carnaval, não conhece nenhuma das suas músicas ou danças e acha que usar fantasia é a maior queimação. Com poucas diferenças perceptíveis, meninos e meninas basicamente competem com seus amigos no número de ficadas por dia. E quando dizemos “ficadas”, na verdade queremos dizer “beijo rápido sem língua em um indivíduos avulso e sem nome”. Dificilmente alguém come alguém, para o alívio dos pais assustados com as terríveis e infundadas histórias de orgias sexuais carnavalescas que ressurgem todo ano. Durante a folia, é normal ouvir gritos de felicidade e êxito, como “Dezessete! Ganhei!” ou “Peguei num peitinho! Peguei num peitinho!”. Costumam passar as semanas pós-carnaval padecendo de papeira, pano-branco ou alguma outra doença desagradavelmente superficial.

Fantasias: Nenhuma. É coisa de velho.


Os cafuçus

É a mundiça, a massa de desvalidos e financeiramente prejudicados que perfaz a maior parte da multidão mal-ajambrada do carnaval. Uma boa quantidade deles compareceu a festa para tirar um trocado mesmo e ver se finalmente consegue terminar de pagar aquele celular ching-ling que comprou do vizinho traficante. Estão em todo lugar, vendendo espetinho de carne felina, água mineral de torneira e cerveja Schin. Os que não demonstraram empreendorismo o suficiente para improvisar um negócio temporário qualquer costumam ser os mais animados, pulando, dançando, se esfregando uns nos outros incessantemente e misteriosamente surgindo em todos os polos de folia, aparentemente vindos de lugar nenhum.

Fantasias: Blusa do Recifolia, mortalha usada do carnaval da Bahia, camisa do Santa Cruz, A La Ursa, vendedor de qualquer coisa.


Os MESCs (Movimento Eu Sou Cabeça) 

São os intelectuais, que vão atrás do lado cultural e lírico do carnaval, fingindo que não estão nem aí se ninguém entende qual é a fantasia deles ou se chegam à quarta-feira de cinzas sem pegar nem uma gripe. Costumam encarnar na mesma esquina ano após ano, vestindo uma expressão blasé que bem poderia ser uma máscara, de tão rígida que é. Tentam demonstrar seus conhecimentos de cinema, literatura, quadrinhos, TV e música através de seus trajes.

Fantasias: David Bowie em sua fase Starman, Batman de Tim Burton, Mafalda, Clarice Lispector, Leminsky, Focault ou algum personagem de filme Indie, quanto mais obscuro melhor.


Os metaleiros

É somente durante o carnaval que essa sub-raça vagamente humana tem uma oportunidade de interagir com outros bípedes sem assustá-los com seu visual e opiniões extremadas. Se questionados quanto ao motivo de estarem em pleno Quatro Cantos de Olinda, cobertos de confete cor-de-rosa e pulando ao som de Alceu Valença, eles vão grunhir animalescamente e responder que só vieram para acompanhar a namorada que, aliás, saiu para comprar uma cerveja para ele já faz umas três horas e meia. Caso o interlocutor insista em pôr em dúvida a existência dessa mulher, o metaleiro fatalmente se tornará agressivo, despejando a fúria dos seus deuses pagãos sobre a cabeça do infiel.

Fantasias: Homem-das-cavernas, Mendigo, William Wallace, Guerreiro medieval ou Cavaleiro em busca da Santa Virgindade. Qualquer coisa que envolva cabelos compridos, barba desgrenhada e extrema aversão à higiene pessoal.


Os coroas

São a velha guarda da folia, já têm lá seus sessenta anos de carnaval nas costas e falam com saudade dos tempos em que lança-perfume era utilizado para perfumar mesmo. Costumam se restringir aos bailes fechados, mas ocasionalmente se juntam em bandos e saem às ruas de Olinda ou do Recife Antigo, para horror dos pirraias, que acham tudo a maior queimação. São saudados pelos outros foliões com sorrisos indulgentes e marchinhas que evoquem sua extensa experiência carnavalesca, tais como “Madeira do Rosarinho”, “Po po po po po po po po” e a imortal “A pipa do vovô não sobe mais”.

Fantasias: Somente as clássicas. Faraó, Presidiário, Pirata, Papa-angu e a mais realista de todas, múmia.


Os maloqueiros

Nem todo mundo vai ao carnaval com boas intenções. As multidões de foliões alcoolizados e distraídos são o terreno perfeito para a ação desses marginais, que se aproveitam da confusão para passar a mão nos pertences alheios. Nunca estão sozinhos e costumam trazer seus cabelos cortados estilo codorna de feira e pintados em cores aberrantes e não-naturais, como verde-limão e fúcsia.

Fantasias: Uniformes de torcidas organizadas, absolutamente qualquer coisa que envolva máscaras. 


Os turistas

Os gringos são fascinados pelo carnaval brasileiro. Olham para a massa fedorenta espremida pelas ruas a cantar e, em suas mentes primeiro mundistas se perguntam “como é que tanta gente pobre junta pode ser tão feliz?”. Encantados, se jogam na mundiça, fazendo a alegria dos maloqueiros, que triplicam suas arrecadações. Quando pertencentes ao gênero masculino, são invariavelmente encontrados nos braços de alguma mulata de medidas fartas e intenções suspeitas. Podem ser identificados pelas trancinhas rastafári e pele eternamente rosada.

Fantasias: Por motivos inescrutáveis para o nativo brasileiro, estão sempre vestindo camiseta florida, chapéu de pescador, bermuda e uma mochila incompreensivelmente grande nas costas. Costumam dançar sem mover os pés e apontando os dedos indicadores para o alto.


Pois é. O carnaval, especialmente o pernambucano, é verdadeiramente multicultural. Onde mais se poderia encontrar tanta gente diferente convivendo em harmonia?

Ao menos até a quarta-feira de cinzas.


3 comentários:

  1. Acho que os MESCs são aqueles que ficam em frente ao MAC (Museu de Arte Contemporânea) de Olinda, não? Inexplicavelmente com olhos vermelhos...

    Ass: Mauro, o galhofeiro.

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  2. Ao meu ver: os bombados = os descamisados = ECA. Um dia escrevo uma crônica sobre essa raça.

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Vai, danado, reclama!