quarta-feira, 20 de julho de 2011

Amigo gordo





Todo mundo tem ou já teve um amigo gordo. E se você não tem ou nunca teve, azar o seu, porque amigo gordo é ótimo. Costumam ser os mais engraçados, escrotos, cretinos e divertidos dos companheiros. Tem gente que diz que é para compensar a aparência, que todo gordinho tem problemas de autoestima, etc e tal. Para mim, isso é puro preconceito. É dizer que o cara tem sempre que justificar o bom-humor com o excesso de peso. Conversa. Prefiro pensar que o gordo, através de uma dieta composta de bacon, manteiga, sarapatel e outras comidas felizes, alcançou uma espécie de conhecimento humorístico elevado e sobrenatural, negado ao resto de nós. Alegria lipídica, que o amigo gordo espalha generosamente aonde quer que vá, fazendo as pessoas gravitarem ao seu redor, atraídas pelo magnetismo daquele coração enorme e safenado. Chega a despertar a inveja alheia, aquela inveja malhada, sarada, vitaminada, anabolizada, dos atletas de academia, que por não saberem conversar, dialogam apenas com máquinas de metal e pesos de chumbo, deixando os músculos falarem sem nada dizer. São esses que perdem a namorada para o gordinho safado que nunca pisou em uma academia e se perguntam o que ele tem, afinal de contas, para conseguir com um sorriso em camadas o que eles não conseguem com horas de caretas suadas. Faltou bom-humor. Faltou inteligência. Faltou sem-vergonhice. Faltou amizade.

Quando crianças nós tínhamos, lá na rua, o nosso amigo gordo cujo apelido, vejam só, era Gordo. O Gordo nunca estava triste. O sorriso que se espalhava pela cara larga era tão presente e sincero que irritava. Acolchoado por camadas de gordura bem localizada, o Gordo ria quando apanhava e batia quando queria, impondo respeito em meio a gargalhadas que estremeciam a pança vasta e branca. O Gordo não tinha limites e te fazia rir cinco minutos depois de você voltar do enterro da sua avó. O Gordo não tinha instinto de autopreservação e escrotizava impiedosamente o síndico, o filho do síndico, a mulher do síndico e ainda era bem-quisto por toda a vizinhança. O Gordo não jogava nada de futebol, mas era disputado a tapa pelos times, porque sem ele a pelada não tinha graça. O Gordo era romântico, distribuindo caixinhas de presente recheadas de baratas, traumatizando as mesmas meninas que mais tarde levaria ao cinema, braços dados e risadas incessantes incomodando os vizinhos de poltrona. O Gordo era conhecido por todo o bairro e até os desafetos queriam ser seus amigos.

Um dia, encontraram o Gordo cabisbaixo, sentado na calçada em frente ao prédio onde morava. A meninada, desacostumada de ver o amigo tão sorumbático, perguntou o que havia acontecido. Havia acabado de chegar do médico com sua mãe. Interrompeu-se para suspirar tristemente e os amigos, já esperando o pior, o encorajaram a continuar. Criando coragem, o Gordo explicou que a mãe já não aguentava mais. Não tinha mais forças. Havia levado o filho a um especialista, que receitou uma dieta infalível combinada com exercícios para o garoto.

- Vou ficar magro! – Desabafou, por fim, o Gordo.

As outras crianças sentaram-se ao seu lado, cabisbaixas. A vizinhança já não seria mais a mesma. Naquela mesma semana, metade dos moradores do prédio se mudou para outro bairro.

O primeiro a partir, lágrimas nos olhos, foi o síndico.



Uma singela homenagem do Blog da Reclamação no Dia do Amigo, lembrando uma época em que amizade era comemorada todos os dias e não apenas quando a Internet precisa nos lembra da importância das pessoas especiais que escolhemos ter ao nosso lado.

6 comentários:

  1. Pois é. Grande parte da culpa de nos afastarmos uns dos outros é a falta de tempo, esse mal moderno que só prejudica as relações. Por isso que a gente consegue ser mais feliz com nossos amigos quando somos crianças, cheias de tempo livre pra tudo.
    Um abraço a todos o bons amigos. Como diz uma música de Frejat: "Meus bons amigos, onde estão? / Notícias de todos, quero saber..."
    P.S.: Esse amigo Gordo fazia muitas peripécias, inclusive com indefesos frascos de xampu.
    Ass: Mauro, o galhofeiro amigo.

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  2. Amigos, não importa se gordos, feios, virtuais ou não humanos, são o presente que nós damos a nós mesmos durante a vida. Sorte de quem tem bons amigos. Particularmente, eu tenho os melhores.

    Beijos, Fred. Feliz dia do amigo atrasado.

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  3. Ou, que lindo!! Eu tb tive um aigo gordo!! ^^

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  4. Fred,
    Que bom que você retomou os posts com força. Adorei o texto e que saudades do Gordo...ô tempo bom! Tudo que Fred disse é verdade. Quem já não foi vítima das escrotices do gordo& Todos nós fomos em algum momento, mas ninguém se importava. Muito pelo contrário, era um privilégio ser escrotizado pelo Gordo. Quem nunca foi, perdeu. Abraço aos amigos e, em especial, ao nosso amigo Gordo, homenageado do post.
    Abraço

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  5. Fred, não te conheço propriamente, vi teu blog pelo facebook de Diana Nobre, brodage.
    Escolhi um post pra ler aleatoriamente, e caiu nesse que achei muito do caralho. E se encaixou em várias pessoas lindas da minha vida! Acabei de mandar para uma em especial por email teu texto, e caiu num momento que ela ta precisando, foi uma sincronia massa. Valeu! Irado o jeito que tu escreve, vou dar um saque em outros posts depois.
    Bjo!

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Vai, danado, reclama!