Todo mundo tem ou já teve um amigo gordo. E se você não tem ou nunca teve, azar o seu, porque amigo gordo é ótimo. Costumam ser os mais engraçados, escrotos, cretinos e divertidos dos companheiros. Tem gente que diz que é para compensar a aparência, que todo gordinho tem problemas de autoestima, etc e tal. Para mim, isso é puro preconceito. É dizer que o cara tem sempre que justificar o bom-humor com o excesso de peso. Conversa. Prefiro pensar que o gordo, através de uma dieta composta de bacon, manteiga, sarapatel e outras comidas felizes, alcançou uma espécie de conhecimento humorístico elevado e sobrenatural, negado ao resto de nós. Alegria lipídica, que o amigo gordo espalha generosamente aonde quer que vá, fazendo as pessoas gravitarem ao seu redor, atraídas pelo magnetismo daquele coração enorme e safenado. Chega a despertar a inveja alheia, aquela inveja malhada, sarada, vitaminada, anabolizada, dos atletas de academia, que por não saberem conversar, dialogam apenas com máquinas de metal e pesos de chumbo, deixando os músculos falarem sem nada dizer. São esses que perdem a namorada para o gordinho safado que nunca pisou em uma academia e se perguntam o que ele tem, afinal de contas, para conseguir com um sorriso em camadas o que eles não conseguem com horas de caretas suadas. Faltou bom-humor. Faltou inteligência. Faltou sem-vergonhice. Faltou amizade.
Quando crianças nós tínhamos, lá na rua, o nosso amigo gordo cujo apelido, vejam só, era Gordo. O Gordo nunca estava triste. O sorriso que se espalhava pela cara larga era tão presente e sincero que irritava. Acolchoado por camadas de gordura bem localizada, o Gordo ria quando apanhava e batia quando queria, impondo respeito em meio a gargalhadas que estremeciam a pança vasta e branca. O Gordo não tinha limites e te fazia rir cinco minutos depois de você voltar do enterro da sua avó. O Gordo não tinha instinto de autopreservação e escrotizava impiedosamente o síndico, o filho do síndico, a mulher do síndico e ainda era bem-quisto por toda a vizinhança. O Gordo não jogava nada de futebol, mas era disputado a tapa pelos times, porque sem ele a pelada não tinha graça. O Gordo era romântico, distribuindo caixinhas de presente recheadas de baratas, traumatizando as mesmas meninas que mais tarde levaria ao cinema, braços dados e risadas incessantes incomodando os vizinhos de poltrona. O Gordo era conhecido por todo o bairro e até os desafetos queriam ser seus amigos.
Um dia, encontraram o Gordo cabisbaixo, sentado na calçada em frente ao prédio onde morava. A meninada, desacostumada de ver o amigo tão sorumbático, perguntou o que havia acontecido. Havia acabado de chegar do médico com sua mãe. Interrompeu-se para suspirar tristemente e os amigos, já esperando o pior, o encorajaram a continuar. Criando coragem, o Gordo explicou que a mãe já não aguentava mais. Não tinha mais forças. Havia levado o filho a um especialista, que receitou uma dieta infalível combinada com exercícios para o garoto.
- Vou ficar magro! – Desabafou, por fim, o Gordo.
As outras crianças sentaram-se ao seu lado, cabisbaixas. A vizinhança já não seria mais a mesma. Naquela mesma semana, metade dos moradores do prédio se mudou para outro bairro.
O primeiro a partir, lágrimas nos olhos, foi o síndico.
Uma singela homenagem do Blog da Reclamação no Dia do Amigo, lembrando uma época em que amizade era comemorada todos os dias e não apenas quando a Internet precisa nos lembra da importância das pessoas especiais que escolhemos ter ao nosso lado.