quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Primeira vez, parte I





Os anos 90 no Recife foram de muita efervescência cultural, especialmente em relação à música. Era o auge do Mangue Beat (ou Bit), movimento pernambucaníssimo que reunia artistas locais em uma valorização ou reencontro com ritmos regionais, tais como o maracatu e o cavalo-marinho, com roupagens mais modernas e pesadas, misturando tradição e flertes com o eletrônico e muito rock n’ roll. Foi nessa época que surgiram grandes bandas pernambucanas, tais como a Nação Zumbi, que viria a perder, cedo demais, seu vocalista e um dos líderes do Movimento Mangue, Chico Science, em um acidente de automóvel na cidade de Olinda. Além da Nação, vieram ainda a Mundo Livre SA, Banda Eddie, Sheik Tosado, Devotos do Ódio, Mestre Ambrósio e muitas outras, que ficaram pelo meio do caminho ou se metamorfosearam ainda em outros projetos musicais, influenciando bandas mais novas como a Mombonjó ou artistas como Karina Buhr, que seguem levando a tradição da moderna música pernambucana, sempre com um olhar no horizonte distante.

Muitas dessas bandas tocaram seus primeiros acordes no bairro do Pina, zona sul da cidade, mais precisamente no bar alternativo Soparia, capitaneado pelo maluco beleza Roger de Renor. Lá circulavam figuras carimbadas da música local, gente como Fred 04, China, Canibal, Siba e outros, que quando não estavam dando uma canja no acanhado palco do bar, se dedicavam as famosas sopas de Roger, bebiam uma cerveja gelada ou iam fazer a cabeça nos arredores. Espremida entre as palafitas da comunidade ribeirinha de Brasília Teimosa e os arranha-céus da beira-mar de Boa Viagem, a Soparia funcionava mais ou menos como uma terra de ninguém, onde os frequentadores, além de ouvir boa música, podiam fazer uso de drogas ilícitas leves praticamente sem a intervenção das autoridades públicas, que sabiam bem o que se passava, mas não tinham muitos recursos ou disposição para fazer algo a respeito. E foi aí que eu, imbuído pelo espírito libertário local, decidi que havia chegado a hora de passar por mais uma fase no desenvolvimento de um adolescente recifense normal: ficar muito doido de maconha.



O estágio seguinte é sobreviver a um caminhada na praia de Boa Viagem.



Eu via aqueles artistas andando para cima e para baixo, geralmente com alguma gatinha alternativa do lado e pensava que, se eu não sabia cantar, assobiar e conseguia ter dificuldades para encontrar o tom certo até tocando apito, ao menos eu podia fazer a balaca puxando um fumo de leve junto com os músicos. Ruim não podia ser, já que tinha tanta gente fazendo. Externei meu plano para dois amigos que prontamente contactaram um grupo de confiança para patrocinar minha primeira experiência no mundo das drogas ilícitas. E quando falo “grupo de confiança”, na verdade quero dizer “bando de desconhecidos de aspecto suspeito e prováveis antecedentes criminais”. Todos juntos, fomos para um beco perpendicular à via principal onde se encontrava a Soparia, lotadíssima em um sábado à noite. Naquela época, além de nunca ter experimentado maconha eu também era virgem e tinha a distinta sensação que ambos os fatos estavam tatuados na minha testa, possivelmente com a palavra “retardado” escrita embaixo. A bem da verdade, eu preferia estar caminhando para o meu primeiro coito (não com aqueles caras, obviamente), mas minha lógica juvenil determinava que uma coisa fatalmente levaria a outra. Eu iria queimar um baseado, ficar muito louco e, automaticamente, alguma gostosa local ia querer dar para mim, talvez ali mesmo, meio que brotando da terra. Eu já me imaginava no futuro, compartilhando a fantástica história com hipotéticos netinhos.



"Opa, essa também é neta? Mal aí."



Chegamos à viela escura e malcheirosa. Senti aquela adrenalina boa de quando sabemos que estamos fazendo algo errado, mas temos a razoável certeza de que vamos nos safar no final. Um dos malucos sacou a seda do bolso e começou a enrolar a erva com destreza. Tentando aparentar normalidade com aquilo tudo, eu buscava pensar em todas as mulheres que inescapavelmente passariam a frequentar a minha cama depois daquela noite. Como uma ereção poderia ser bastante mal interpretada naquela situação, eu prontamente passei a me concentrar na minha coleção de quadrinhos. A ereção aumentou. Já mencionei que eu era virgem? Nessa fase, até um pudim de tapioca consegue deixar um menino de pau duro. De qualquer forma, o cara terminou de confeccionar o cigarro, acendeu e deu uma longa baforada. Depois prendeu a respiração como se estivesse segurando um peido dentro de um elevador lotado. Como ninguém nunca tinha me explicado a parte teórica da coisa, eu tentava ir memorizando a movimentação e construindo uma espécie de tutorial mental, tudo isso tentando não fazer cara de donzelo. Era mais difícil do que se pode imaginar. Devido a alguma predestinação cósmica ou simplesmente por conta da meu semblante de mamão criado por vó, acabei sendo o último da roda a dar o pega. Isso era bom, porque me permitia estudar todos os outros participantes e tentar não fazer qualquer besteira que evidenciasse minha tabacudice e colocasse em risco meu prognóstico de sexo interminável.

O problema é que a natureza comunitária do ritual estabelecia que eu seria o último a botar a boca no baseado, dessa forma compartilhando saliva, pelos, suor e, provavelmente, doenças venéreas com todos os participantes, a maioria dos quais parecia ter passado um tempo considerável morando embaixo de algumas das inúmeras pontes do Recife. O medo de contrair uma espécie de gonorreia bucal não me deteve e segui em frente quando me estenderam o embrulhinho aceso, todo amassado e úmido. Respirei fundo, dei uma última olhada ao redor e coloquei o bagulho na boca. Senti o jantar voltando pela garganta imediatamente. Usando toda a minha força de vontade, engoli de volta a refeição semi-digerida, sem dúvida acrescentando um pouco de inhame com charque à mistura de fluidos corporais acumulados na ponta do cigarro. Respirei fundo e, demonstrando presença de espírito, lembrei de não soltar a fumaça imediatamente. Como eu não sabia que deveria segurar a névoa de cannabis nos pulmões, acabei prendendo a baforada nas bochechas mesmo, liberando-a aos poucos pela boca enquanto os outros participantes me encaravam incrédulos.

- Lá no Janga, onde eu me criei, a maloqueragem faz assim. – declarei, surpreendendo a mim mesmo com minha agilidade mental e firmeza na voz.

Comecei a relaxar um pouco mais e já estava chegando a conclusão de que a coisa, afinal de contas, não era um bicho de sete cabeças.

E foi nesse momento, evidentemente, que as coisas começaram a dar em merda.


8 comentários:

  1. AHAHAAHAHAHAHAHAHAH
    não sabia dessaaaa!!

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  2. Desse jeito eu vou parar na UTI de tanto rir! Kkkkkk

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  3. Hahuhauhauhua. Gênio... mas preciso das cenas do próximo capitulo!

    =**

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  4. "E quando falo “grupo de confiança”, na verdade quero dizer “bando de desconhecidos de aspecto suspeito e prováveis antecedentes criminais”."

    Selecione mais os seus amigos, Fred! hauahuahau

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  5. O pior na Soparia era quando rolava tiros e a gente tinha que se esconder atrás dos carros estacionados. Bons tempos que não voltam...

    Ass: Mauro, o galhofeiro saudoso.

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Vai, danado, reclama!