quarta-feira, 12 de maio de 2010

Recife e o Inverno deslocado


Acordo lentamente e percebo, de imediato, que algo está errado. Talvez “errado” não seja a palavra correta, porém alguma coisa está, definitivamente, diferente. Passo as mãos pelo colchão e não consigo detectar a familiar sensação pegajosa do suor acumulado pela noite toda. O quarto, dominado por uma estranha penumbra, já não parece irradiar pelas suas paredes as microondas cancerígenas com as quais eu já havia me acostumado. Intrigado, caminho até a janela, abro a cortina e me deparo com essa paisagem:

Não, eu não fui transportado por ladrões de órgãos até São Paulo durante o sono. Acontece, mas não foi isso. O que eu estou vendo é simplesmente um dos aspectos mais insanos do Verão daqui: o Dia de Inverno Temporário. Não é simplesmente uma chuva de Verão, que se evapora tão logo toca o asfalto fervente e imediatamente se transforma no mormaço que invade nosso sistema pulmonar e conspira, junto com as microondas das paredes, para encurtar ainda mais nossas existências confusas. Não, esse é um dia seqüestrado diretamente da estação normal de Inverno. O céu permanece nublado, atapetado de nuvens escuras de chuva, que descarregam seu aguaceiro durante a maior parte do dia. Por essa cobertura tempestuosa, o sol não consegue passar. A temperatura cai e os recifenses, animados, tiram dos armários seus embolorados casacos jeans e botas de couro. Aqueles mesmos pelos quais pagaram rios de dinheiro e só usam durante 4 dias no Festival de Inverno de Garanhuns, todo ano. Como crianças, andam pelas ruas alegres e encapotados, coletivamente desejando que aquele dia mágico demore a acabar e fazendo com que a cidade, como um todo, adquira um leve cheiro de naftalina. Se possível, encerram a noite dentro de um cinema ou qualquer outro lugar dotado de um forte ar-condicionado. Os mais sofisticados ensaiam fazer fondue e tomar chocolate quente em casa. Se tivessem lareiras em suas salas, acenderiam.
No dia seguinte, tudo volta a ser como era. Um dia normal de Verão recifense, impregnado de todos os odores, texturas e fluidos corporais que costumam acompanhá-lo. Os casacos e botas voltam para dentro de seus tristes armários de onde só sairão dali a vários meses. As pessoas se arrastam pelas ruas, levando suas vidas medíocres e cobertas de suor, se perguntando se o dia anterior havia de fato existido ou se foi apenas um sonho bom, talvez uma alucinação causada pelo calor. Gostaria de poder dizer que há uma solução para esta situação, mas a verdade é que não existe tal coisa. São dias raros e aleatórios, quando Deus decide brincar com os corações e mentes recifenses, dando-lhes uma medida de esperança no meio do Verão.
Simplesmente aproveite o dia, mas não se acostume.

3 comentários:

  1. Aproveitar o dia? Fala sério!
    Eu estou morrendo de calor. Sem falar que seria suicídio colocar um casaco neste momento já que eu não desejo evaporar e depois ser apontada de promover mais chuvas - Evaporação condensação e todo esse babado do processo físico. Por fim, ainda ser culpada da causa de alagamentos na cidade, já que as galerias de esgoto são meramente um item de decoração urbanístico.

    Obs.: Recife só têm duas estações do ano meu querido, que são:
    *Calor Da Peste - Aqui, ao se esconder dos raios solares, em baixo de um coqueiro, em busca de uma pequena faixa de sombra, você ouve a água do coco borbulhar
    *Calor Do Inferno - Bom...Esse eu não preciso nem comentar.

    Cheiro pra tu, visse!

    ResponderExcluir
  2. ainda tô rindo do Festival de inverno.......

    até que hj n vi muita gente na rua com botas não,mas casacos ,vi até mais que sombrinhas...

    ResponderExcluir
  3. Levei foi uma chuva do caralho. Um CHUVARALHO. Fiquei ensopado de água, depois de sair de um treino onde fiquei ensopado de suor. Tomara que eu não fique doente.

    Ass.: Mauro, o rei da galhofa molhado.

    ResponderExcluir

Vai, danado, reclama!