sexta-feira, 11 de junho de 2010

Constrangimento sanitário




 




O ser humano, dotado de uma inteligência superior, que o separou dos outros animais, sempre passou sua existência criando. Criando ferramentas para facilitar sua vida, roupas para se proteger dos elementos, armas para enfrentar seus inimigos. Inventou linguagens, leis e regras sociais e no meio disso tudo acabou, inadvertidamente, desenvolvendo o sentimento mais predominante entre os relacionamentos interpessoais, não importando de qual tipo: o constrangimento.
A vida, sabemos, não passa de uma estranha, cômica e irritante sucessão de constrangimentos, geralmente bastante públicos. As mesmas regras sociais que facilitam nossa relação com outras pessoas são as mesmas que nos expõem ao ridículo e conduzem a situações tão embaraçosas que tivemos que criar um profissional específico apenas para aprender a lidar com elas e o trauma deixado pelas mesmas; o psicólogo. Mesmo assim, o constrangimento jamais cessa, pode apenas ser contido e trabalhado, na maioria dos casos. Não nos enganemos. Viver é se constranger. E dentre as, literalmente, milhares de situações constrangedoras vividas por um ser humano, poucas possuem tanto potencial de embaraço quanto o ato de ir ao banheiro.
Uma necessidade extremamente básica, mas que assume uma enorme complexidade quando colocada em contexto com a convivência com outras pessoas. A verdade é que vamos ao banheiro para satisfazer uma necessidade biológica, mas também para ter um momento apenas nosso. Dentro daquele recinto fechado, pequeno e azulejado, temos tempo para nos concentrar em nós mesmos, nossas deficiências, falhas de caráter e desvios de personalidade. O fato de estarmos enclausurados com nossos dejetos, ainda que por poucos minutos, nos força a, literalmente, encarar um lado nada bonito de nós mesmos. Mas é também um momento de nos sentirmos mais conectados com o resto do mundo, ao realizar um ato comum à toda humanidade. Realizar as necessidades já unia as pessoas muito antes do advento da Internet. Nem todos possuem a oportunidade de esquiar nas neves de Bariloche, escalar o monte Everest, mergulhar nos mares cristalinos do Caribe ou se deliciar com uma tapioca observando o pôr-do-sol na Sé de Olinda.
Mas todo mundo caga.
Pois é. Todo mundo caga. Você leitor, caga. Sua avó, caga. Gisele Bündchen? Caga. David Beckham? Nem queria saber. Sua namorada? Adora dar uma barrigada. Sabe aquele boysinho que você pegou na balada? Tinha acabado de arriar o barro. Todo mundo, em algum momento, precisa brincar de jogar uns amigos na piscina. É normal, é natural, é básico. É humano. Mas apenas falar sobre isso já é o suficiente para deixar a maioria das pessoas insuportavelmente constrangida. E é por isso que a maior parte de nós prefere satisfazer essa necessidade perfeitamente natural da forma mais isolada possível. Se pudéssemos, nos refugiaríamos em bunkers subterrâneos, só para fazer cocô em paz. Nesses locais herméticos e quase místicos, teríamos a oportunidade de passar em revista nossas almas, debatendo temas filosóficos com nossas próprias consciências e desvendaríamos os segredos do universo, tudo enquanto defecamos. Alheios ao mundo exterior e suas fúteis complexidades sociais, estaríamos livres para sermos nós mesmos, fazendo com que as máscaras do convívio caíssem e fossem levadas descarga abaixo, revelando nosso verdadeiro ser.
Mas tais lugares infelizmente não existem. Temos que nos conformar com nossos velhos banheiros, que mal conseguem conter dentro de seu exíguo espaço os sons, odores e embaraço intimamente ligados às necessidade fisiológicas que lá ocorrem. Assim, o ato de ir ao sanitário, especialmente quando não é o das nossas próprias casas, pode se tornar um suplício para muita gente. E na ânsia de tentar fazer com que estas ações permanecem íntimas e despercebidas, o ser humano pode chegar a extremos perigosos.
Muito perigosos.




2 comentários:

  1. Resumindo: tu pensou nesse post enquanto cagava.
    E sobre constrangimento, basta que eu diga que passei o último natal cagando (com uma diarreia que me fez perder uns 5 kg em uma semana) no banheiro da casa de minha noiva, Kathá. Não é lindo?

    Ass: Mauro, o rei da cagalhofa.

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  2. nunca vi tanto lirismo envolvendo o ato de cagar.

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Vai, danado, reclama!