Antes eu vivia em paz. Ela acabou quando o Sr. Toscano me pediu que escrevesse um texto para o seu Blog da Reclamação. Porque no início ele pediu, humildemente. Com o tempo, como se eu tivesse feito um juramento solene de que atenderia, passou a me exigir o texto com crescente intransigência.
Serviu-se para tanto de todos os mails ao seu alcance. Não bastasse isso, atulhou-me de recados no Orkut e no Facebook, mensagens no Twitter e no MSN. Era onipresente na internet. Eu só podia pensar que dedicava o dia inteiro a me exigir o que eu não tinha prometido, o que definira singelamente como uma breve reclamação, o relato de uma situação em que eu tivesse me dado mal.
Entretanto, só comecei a ficar preocupado de verdade quando no lugar dos anúncios pornográficos e pop-ups de promoção passei a ver a imagem de Fred, ou melhor, do Sr. Toscano com o indicador voltado na minha direção e aquele olhar de inquisidor que até seus desconhecidos conhecem, sucedida pelo relampejar das seguintes palavras na tela: “João, cadê meu texto?”
No dia em que assisti Inception, notei que as pessoas olhavam pra mim na rua como se eu fosse um elemento exógeno, um alienígena disfarçado, o oitavo passageiro. Uma delas, ao esbarrar em meu ombro, chegou a sussurrar de forma agressiva: “João, cadê meu texto?”, depois do que piscou os olhos como quem retorna de um transe, pediu desculpas e prosseguiu.
Ainda bem que o filme não foi Matrix, ou eu teria passado a ver em todo mundo o abominável rosto do meu próprio Mr. Smith, a saber, o Sr. Toscano – não se deixe enganar pelo ar de simpática franqueza da foto no topo do blog –, me perguntando “Onde está o meu texto, Sr. Parisio?”. Desconfiei que ele, que foi meu colega no ensino médio e ainda se passa por meu amigo, tivesse se tornado uma espécie de Big Brother, entidade supra-humana capaz de infiltrar-se em nossas intimidades e vergar nossas vontades a suas decisões, como um certo personagem da Bíblia.
Sempre achei que a ranzinzice de Fred, digo, do Sr. Toscano – um rematado reclamão, como ele mesmo agora reconhece, mas não sem reclamar antes –, fosse o disfarce de um complexo de auto-idolatria que o faz ver tudo à sua volta como sendo pérfido, espúrio e inferior. Não é improvável que ele tenha vendido a alma ao Diabo em troca de uns parcos poderes demoníacos.
Era possível, contudo, que eu estivesse apenas sonhando, o que me levou à óbvia conclusão de que nesse caso o Sr. Toscano estaria tentando implantar nas profundas de meu subconsciente a semente da ideia de que eu devia e precisava escrever um texto para o seu aclamado Blog da Reclamação.
Vou comprar uma carrapeta – aquilo não é um pião, seu burro [suspeito que essa tenha sido uma inserção do próprio Sr. Toscano] – pra fazer o teste, mas se eu verificar que tudo isso não passa de um sonho do qual ainda não acordei, quero avisar ao Sr. Toscano que com respeito ao famigerado texto agora é que eu não escrevo mesmo, nem que isso me custe cair no limbo do esquecimento, o inferno que assola os pesadelos de todo escrivinhador.
Por João Paulo Parisio, sem acento, escritor e editor da revista literária Pensamento. Quando não está sendo perseguido por mim em seus sonhos, também atualiza seu blog. Bem de vez em quando.
Parisio não tem acento, desgraçado!
ResponderExcluiragora sim... caramba, meu texto já teve 2 comentários...
ResponderExcluirQUER MELHOR RECLAMAÇÃO DO QUE RECLAMAR DO SR.TOSCANO?
ResponderExcluirPARABÉNS PELO TEXTO SR.PARISIO
(3 COMENTARIOS) rsrsrsrsrs
huahuahuahua
ResponderExcluirFiquei até com medo...vou logo preparar o meu texto, então!