sábado, 10 de julho de 2010

O horror, o horror


Ônibus cheio. Eu lá atrás, perto da porta de desembarque, em pé e tendo que me segurar nas barras do teto para não cair por cima das pessoas. Uma mulher se aproxima penosamente, espremendo-se entre os outros passageiros, praticamente sendo parida mais uma vez, até ficar bem na minha frente. Lentamente ergue os braços em busca de apoio, procurando manter-se estável no sacolejo perene do coletivo. É então que algo terrivelmente bizarro acontece. Da axila manchada de suor da mulher surge um inseto. Preto, lustroso, enorme. Arrastando pesadamente sua carapaça quitinosa.
A mulher tinha um besouro no sovaco.                 




AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!


Não chego a dizer que sofro de pavor de insetos. Consigo segurar soldadinhos em minhas mãos com razoável desenvoltura. Embuás não me assustam. Mas qualquer outro animal, seja ele insetóide ou aracnídeo, me causa uma repulsa primitiva quase incontrolável. Mas não é medo, já disse. Eu acredito apenas que insetos, em geral, são aberrações enviadas por Deus para castigar a humanidade por sua descrença, iniqüidade e mal gosto musical. A barata, que se enquadra em uma categoria a parte, nada mais é do que o arauto escolhido pelo anticristo para anunciar sua vinda antes de se manifestar na Terra. O ser que havia brotado da axila daquela pobre mulher não chegava a ser esse pesadelo kafkaniano, mas era parecido o suficiente. Além de estar muito, muito perto de mim. Olhei ao redor. Não havia saída. Uma massa de corpos suados formava uma sólida barreira em torno de mim, da mulher, seu sovaco e o besouro. O pequeno animal seguia caminhando lentamente. Esperançoso, imaginei que ele poderia entrar na blusa daquela senhora e se aconchegar, talvez, em seu sutiã.
Assim que eu acabei de formar esse pensamento, o bicho parou. Começou a girar, devagar, sobre o próprio eixo, suas pequenas antenas estalando. Procurando. De repente, parou, virado na minha direção. Um terror gélido começou a se formar na boca do meu estômago. Tentei dizer a mim mesmo que, afinal, ainda havia uma certa distância entre mim e aquele sovaco, de maneira que eu estaria seguro até o final da viagem. Quase que imediatamente, o motorista do ônibus entrou em mais uma via esburacada do Recife. Logo, o coletivo e todos os seus passageiros iniciaram uma dança profana, cuja cadência era marcada pelas inúmeras crateras que se espalhavam pela rua. Corpos se balançavam como pedaços de carne em um caminhão frigorífico sem refrigeração. Tentando manter-se firme, a mulher rodopiava loucamente, seu sovaco passando cada vez mais perto do meu rosto lívido. Sempre que isso acontecia, eu podia ver o besouro resolutamente me encarando, seus olhos repartidos como pequenos espelhos transparecendo apenas ódio, malícia e trevas. Teria gritado, se não achasse que assim estaria correndo o risco de acabar engolindo a criatura. O inseto, cavalgado aquela amaldiçoada axila, se aproximava cada vez mais. Batia as patas e agitava as asas em macabra antecipação. Era o fim. Fechei os olhos e procurei pensar em tudo de bom que eu havia vivido até ali. Resignado, pedi por um fim rápido.
Até que, repentinamente, o ônibus parou. Um grande número de passageiros desceu, outros sentaram, uns tanto levantaram e a mulher sumiu por alguns segundos. Quando reapareceu em meu campo de visão, exibia um sovaco marcado por antigas e amareladas manchas de sudorese, porém misericordiosamente livre de insetos. Aliviado, senti minhas forças retornando. O inseto, afinal, devia ter migrado para um outro hospedeiro e, possivelmente, já estava bem longe dali àquela altura. Relaxei e me permiti até mesmo rir um pouco da pavorosa situação vivenciada apenas alguns segundos atrás. Estava seguro, afinal de contas.
A não ser que...
A não ser que o besouro houvesse realmente encontrado uma nova montaria: eu. Naquele momento, ele poderia estar se arrastando pelos recessos mais suados do meu corpo, arranhando minha pele com suas patas pontiagudas.
Baixei a cabeça, amaldiçoei as axilas alheias e permiti que o desespero invadisse meu ser até o final da viagem.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O caso do cachorro cagão







Em algum lugar do passado, namorei um cara que tinha uma fazenda em Gravatá, onde criava um pastor alemão. Depois de mudar para uma casa, ele resolveu levar o cachorro para morar em Recife; dar mais atenção e carinho - já que a fazenda era só pros finais de semana, e olhe lá. Tentando fazer tudo certinho, consultamos um veterinário sobre "como levar o cachorro em um carro comum". Aparentemente, meio calmante resolveria nossos problemas e executaríamos a tarefa com facilidade. Claro, aparentemente, porque pra mim nunca é fácil. Chegamos à fazenda com o único objetivo de levar o cachorro. A orientação era dar o calmante e esperar até duas horas pra fazer efeito. Assim que o cachorro dormisse, colocá-lo no carro e voltar pra casa.
            Foi o que tentamos fazer. Dar o calmante já foi trabalhoso, porque o cachorro comia tudo ao redor, mas conseguia deixar o calmante intacto. Depois resolvemos abrir o remédio e misturar com carne de churrasco. Aí o cachorro endoidou e comeu sem critério mesmo. Esperamos 30 min., 1h, 1h e 30min... 2h... só pra garantir, mais uma hora, e nada do cachorro piscar, bocejar, sentar... quanto mais dormir.
            “Ok, acho que é porque ela é muito grande, vamos dar a outra metade!”
             Mais um pedaço de carne, mais duas horas, e nem sinal de sonolência. O cachorro parecia até ter um ar de riso.
            “Puta merda! Dá mais um inteiro logo, que esse negócio não faz efeito!”
            Feito! Mas nada de sono no cachorro.
            Resolvemos, depois de 6h de tentativas frustradas, levar o cachorro acordado mesmo. Baixamos o banco de trás e amarramos a coleira de forma que mantivéssemos o animal o mais longe possível do volante, pra evitar possíveis sustos. Seguimos, então, para os 8km de buracos até chegar à BR. Nos primeiros minutos da viagem, estranhamos o fato de que o cachorro fazia questão de ficar em pé, se sustentando desajeitadamente como quando estamos num ônibus em movimento sem lugar pra segurar.
            15 minutos depois de sairmos da fazenda, um barulho de engasgo e um cheiro azedo. Olhamos pra trás e o cachorro tinha vomitado.
            "Eeeeeeeeeeca, na alcatifa do carro!"
            “Fazer o quê, né? Só dá pra limpar quando chegar em casa.”
            Diante do ocorrido, nada de ar condicionado, abrimos as janelas e seguimos viagem.
            Mais alguns minutos e ruídos depois, percebemos que a cachorra - tinha dito que era fêmea? - teve uma fortíssima dor de barriga - possivelmente causada pelo excesso de remédio ( e sono que é bom, nada!). Seguiram-se mais vômito, mais cocô e mais vômito e mais cocô até chegarmos à BR. A essa altura, o cachorro já tinha ingerido uma boa parte da mistura e o que sobrava o fazia escorregar pelo carro. Muitas vezes ele meteu as patas empapadas de cocô e vômito nos vidros de trás na tentativa de se manter em pé.
            Acho que não é preciso dizer que o cheiro, então, já se tornara insuportável e nós precisávamos alternar o perfume de carro - provavelmente tóxico, mas um verdadeiro alívio - nos nossos narizes. Um dos momentos mais críticos e definitivamente o mais constrangedor da viagem foi ter que parar no posto de gasolina. O frentista fez questão de chamar os amigos e outros clientes pra mostrar duas pessoas na merda e um cachorro - agora sim - sonolento.
            Ao chegar em casa, fomos tomar uma longa série de banhos para tirar o cheiro impregnado nas nossas peles, roupas, narizes e principalmente, memórias. Vale lembrar que o carro, mesmo depois de muitas lavagens caras e profissionais, foi vendido pouco tempo depois, ainda com odores estranhos, que não sei se eram reais ou decorrentes do trauma mesmo.


Por Andréa Nobre.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

O Blog do Paraíba











Reclamar não é exclusividade do Blog da Reclamação. O publicitário e fotógrafo Gustavo Carvalho prova que é bom na arte de se queixar no seu Blog do Paraíba. Vocês devem lembrar de Gustavo como o cara que bateu a foto da nova logo do Blog da Reclamação e também como um dos sócios da agência Curinga de Comunicação. Em seu blog, ele senta o pau nas grandes empresas, desancando produtos e serviços consagrados e revelando a verdade por trás do péssimo atendimento dispensado ao consumidor, ou seja, todos nós. Visitem o Blog do Paraíba, descubram a origem do nome, conheçam o trabalho do cara e se juntem ao "SAC geral e genérico" que pode, um dia, te ajudar.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Dia de jogo


Ia começar às 11:00. Acordei tarde demais, às 10:20 e tomei o banho mais rápido da minha vida, praticamente lavando apenas o rosto e os sovacos, jogando desodorante por cima de tudo e rezando para que, na animação da partida, ninguém notasse. Escovei metade dos dentes, coloquei uma roupa qualquer e saí desabalado com minha fiel bicicleta pelas ruas enlouquecidas de Setúbal. O bairro, por vezes quase bucólico, exibia um tráfego frenético, quando todos os habitantes da região pareciam ter finalmente percebido, ao mesmo tempo, que o Brasil ia jogar dali a meia-hora. Havia combinado de assistir o jogo na casa de amigos, não muito longe, apenas 15 minutos de bicicleta em um dia normal. O que, evidentemente, não era o caso.
Motoristas ensandecidos formavam filas imensas com seus veículos, todos usando suas buzinas incessantemente, verdadeiras vuvuzelas tupiniquins. Desesperado, resolvi invadir a calçada, na esperança de ganhar alguns minutos a mais na corrida contra o tempo. Ingenuidade minha. A coleção de buracos presente em 97,43% do calçamento recifense transformou minha idéia genial em um passeio de Mountain Bike nas trilhas do inferno. A cada solavanco que maltratava meus testículos eu dava adeus a um filho em potencial. Faltavam, naquele momento, 12 minutos para o início da partida. Lembrei que precisava levar um refrigerante e praticamente me joguei de encontro ao expositor de galeto da padaria que surgiu à minha esquerda. Inocente que só eu mesmo, imaginei que seria o único irresponsável tentando comprar alguma coisa àquela hora. Chorei lágrimas de desespero quando vi o tamanho da fila já formada no caixa. Peguei o refrigerante e me posicionei no último lugar. A operadora da registradora, possuída por algum espírito selvagem, passava as compras com uma velocidade e competência totalmente incompatíveis com o que exibia no seu dia-a-dia. A fila andava rápido, mas empacou, claro, na senhora que estava logo na minha frente. Era uma velha de aspecto centenário, semblante cansado e cadeado no peito. Não, não estou querendo escrever poesia aqui. Por algum motivo, a desgraçada andava por aí com um cadeado no decote da blusa.

 
Na moral, eu nem sei bem o que comentar sobre isso.


Pois é. Perturbador. Talvez Deus, em sua sabedoria, tenha decidido que os homens devem ser preservados da visão de certos horrores ancestrais, condenando aquela pobre senhora a vagar pelas ruas do Recife sem jamais exibir aquilo que se ocultava dentro do seu sutiã. Por esse pequeno milagre, eu sou grato. A estranha mulher finalmente terminou de contar suas moedinhas de 1 centavo, pagou pelas suas compras e partiu. Passei o refrigerante rapidamente, olhando para o relógio a cada 10 segundos. 5 minutos para começar o jogo. Peguei minhas compras, saltei na bicicleta, terminando de assassinar toda a minha futura prole e pedalei loucamente. Pessoas corriam e gritavam pelas ruas, carros subiam pelas calçadas e eu rezava não pela minha segurança no meio daquele caos urbano, mas sim para que o juiz engolisse o apito e precisasse de cuidados médicos, atrasando assim o início da partida. 3 minutos. Escutei um ronco de motor e subitamente minha velocidade aumentou. Olhei para trás assustado e vi que um motoqueiro, impaciente, havia encostado na traseira da minha bicicleta e me empurrava para frente. Como não havia mesmo o que fazer, resolvi aproveitar a carona. Quase na esquina da casa do meu amigo, virei para a direita e ergui a mão em agradecimento ao piloto da motocicleta. Ele retribuiu erguendo o dedo médio e assim permaneceu enquanto se afastava na distância. Venci os últimos metros que me separavam do jogo, prendi minha bicicleta de qualquer maneira e cheguei, finalmente, no apartamento onde meus amigos me esperavam ansiosos. A partida começou. Sentei no sofá, abri o refrigerante e comecei, finalmente, a assistir o jogo que eu havia sofrido tanto para conseguir ver a tempo.
Nesse dia, o Brasil foi eliminado da Copa.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Mal aê IV

Pessoal, por motivos técnicos, o Blog não foi atualizado ontem e hoje. E quando falo problemas técnicos, quero dizer que meu computador está na assistência e aqueles desgraçados ficam me enrolando. Tudo bem, eu me vingo. De formas sádicas, violentas, criativas e, por que não, eróticas. Não perguntem. Mas enquanto isso não acontece, fiquem com a foto do bebê panda, contem até 10 e se acalmem.





















Na foto: O anticristo. Ou algo parecido o suficiente.


Pois é. Essa coisa aí em cima é um bebê panda. Achou fofinho? Leva pra tua casa. Mas dorme de porta trancada, tá?

As vezes, a natureza é uma escrota mesmo.

domingo, 4 de julho de 2010

Domingo é dia de enquete!




Mais um domingo, mais uma enquete encerrada! E dessa vez, a vencedora foi a opção 4, aquela que indicava a presença de uma entidade misteriosa tentando invadir, pela retaguarda, o espaço pessoal dos usuários de ônibus. Sem dúvida, um problema gravíssimo, tornado ainda mais perturbador pelo fato de tanta gente sofrer com a experiência. Ou não. Aposto que existem pessoas que pegam o coletivo só para procurar esse cara. Gosto não se discute. E falando em gostar, espero que todos tenham curtido o texto do amigo galhofeiro Mauro Rossiter. Lembrando que sexta que vem sai o texto de outra convidada, a escritora, professora e azarada Andréa Nobre!
Por enquanto, fiquem com mais uma enquete!