sábado, 25 de dezembro de 2010

Não mude





Natal é amor, paz, família, solidariedade. Natal é falsidade, hipocrisia, tristeza, desespero. O Natal é todas essas coisas e muito mais. O que dizer de uma espécie que, ao menos no lado ocidental de seu planeta de origem, precisa de um feriado oficial para que seus membros coloquem a mão na consciência e busquem pensar em outras coisas que não si próprios? E o que podemos concluir ao percebermos que, para a grande maioria das pessoas, esse é um exercício basicamente inútil, redundando em nada mais do que alegria postiça, celebrações vazias e corações partidos?

Isso porque, ao contrário dos filmes e telenovelas, não há mudança que ocorra da noite para o dia. A decência, a honestidade, a compaixão, são características que precisam ser exercitadas. Como músculos, atrofiam pela falta de uso. Você passou o ano todo alternando entre comer, dormir e se conformar e agora acha que em um final de semana caminhando na praia vai estar pronto para tirar a camisa na praia? Não vai estar. Não é assim que funciona, não com seu corpo, nem com sua mente e muito menos com seu espírito. Se você é um sedentário moral, não adianta prometer a si mesmo que o próximo ano vai ser diferente. Não vai ser.

Mas a mudança pode vir. Aos poucos, paulatina. Existe uma série de exercícios que podem te ajudar nessa tarefa. Comece flexionando sua sinceridade. Sem ela, qualquer outra atividade que você fizer só vai te deixar dolorido no dia seguinte e não apenas você. Afinal de contas, exercitar o espírito é, dificilmente, uma atividade solitária. Não se engane jamais. O seu termômetro de decência sempre será o outro. Tratar o próximo como um ser humano é apenas o primeiro passo. É o básico. Sem isso, todo o resto desmorona, flácido, sob o peso do nosso próprio egoísmo, essa gordura que se acumula em nossas almas e que, creia, é tão ou mais visível do que aquela que se encontra em nossos abdomens e cinturas.

E é preciso querer mudar, de verdade. É necessário se policiar, todos os dias e em todos os momentos, buscando sempre ser melhor, mais do que ontem, um pouco menos do que amanhã. Atletas de fim de semana não são atletas de verdade. Seu corpo e seu espírito não aguentam o esforço desacostumado e, em protesto, param. A única diferença é que um coração que desiste pode significar o fim derradeiro de todas as angústias dessa vida. Um espírito quebrado é apenas o começo de um sofrimento sem fim e o pior é que muitas vezes nem percebemos a alma fraturada. Mas ela está lá. Os seus cacos patéticos estarão para sempre dentro de você, te cortando profundamente, te causando dor, te fazendo sangrar e, ao contrário do que você pode pensar, todos poderão enxergar as cicatrizes.

Não mude. Comece uma mudança.


O Blog da Reclamação deseja um Feliz Natal a todos os leitores, pedindo a compreensão dos mesmos para o fato de que nem só de risadas pode viver um blog de comédia.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Pernambuquês II

Como eu havia falado no post anterior, é simplesmente expressão e gíria demais para um texto só. Contando com a ajuda dos amigos leitores, consegui mais alguns verbetes para este dicionário, tudo feito no espírito de cooperação de pessoas desejosas de terem seu pernambuquês melhor compreendido lá fora.


Frango – Incrível ter deixado essa passar. Pior que quem me lembrou foi a amiga e leitora Henna, lá do Ceará e que, até onde eu sei, nunca morou por aqui. Frango, além da ave, também se refere ao homossexual masculino, obviamente de maneira bastante chula. De fato, em Pernambuco não se come frango. Quer dizer, se come, mas geralmente camuflado ou depois de uma passadinha lá na Metrópole. Se você estiver em uma mesa de restaurante cheia de pessoas das mais variedades origens e, por algum motivo, quiser saber se tem algum pernambucano presente, basta chamar o garçom e pedir em voz alta “Moço, eu queria mesmo era comer um franguinho agora”. Se alguém se enfiar debaixo da mesa na tentativa de esconder uma risada estúpida e fora de controle, então ele é conterrâneo de Chico Science. Se estiver visitando o Recife, faça um favor a si mesmo e peça um galeto.

Vôte! – Também uma das minhas favoritas. Pernambucaníssima, essa interjeição é utilizada para demonstrar espanto, estranheza, desconfiança ou descontentamento. A origem, bastante peculiar, remete ao engenheiro francês Louis Lérger Vauthier, contratado, no século XIX, pelo então governador da província de Pernambuco, o Conde Francisco do Rêgo Barros, para uma série de obras que permanecem até os dias de hoje, algumas delas se tornando cartões-postais do Recife como, por exemplo, o Teatro de Santa Isabel:






O Mercado de São José:






O casario da Rua da Aurora:






Entre outras intervenções na paisagem urbana local. Depois de ter feito tanta coisa legal por aqui, você deve estar se perguntando por que diabos o sobrenome do cara é associado à tanto sentimento ruim, de uma forma quase supersticiosa, pelos recifenses. Acontece que Vauthier, fazendo jus à fama dos franceses, era considerado um pé no saco. Chato, arrogante, intratável e dado a pitis intermináveis, o cara era considerado insuportável por 95% das pessoas com as quais interagia. Os outros 5% nem falavam, já chegavam descendo o cacete mesmo. Numa dessas, ele acabou decidindo que era melhor, para a sua saúde, voltar para a França. Mas não antes de ter o desprazer de ver seu sobrenome se transformar em expressão de desgosto na boca do povão. Vôte!

Um cheiro! – Mais uma imperdoável. Pernambucano não manda beijo, manda cheiro. E se você não sabe que cheiro é melhor que beijo é porque nunca levou um, muito menos de um pernambucano ou de uma pernambucana. Além de demonstração de afeto, também pode ser uma mostra de coragem, caso a outra pessoa tenha acabado de chegar da pelada dominical ou passou o dia tratando peixe para a Caldeirada com a família. A dica veio da amiga e leitora Fátima Germana.

Pirraia – A amiga, leitora e prima Alice, dona do blog IDENTIDADE PESSOAL, foi quem lembrou essa. Corruptela de “pirralho”, serve para designar crianças. Também é demonstração de carinho e afeto, principalmente entre as camadas mais humildes da sociedade pernambucana. Se você nunca foi chamado de “Meu pirraia” é porque não é daqui ou então é um esnobe.

Massa – Mais uma enviada por Fátima Germana. O mesmo que “legal” ou “muito bom”. Também é gíria para maconha. Falar “Que massa, doido!” no meio de um show de reggae no Recife Antigo pode te render uns tragos da erva cultivada na Zona da Mata pernambucana, segundo os entendidos a melhor do Brasil. Também pode resultar num cacete por parte da polícia local, é tudo uma questão de oportunidade.

Pirangueiro – Uma instituição de Pernambuco. O pirangueiro é o famoso unha-de-fome, mão-de-vaca, amarrado, avarento, enfim, o desgraçado que atravessa o Capibaribe a nado com um Sonrisal na mão sem desmanchar. Dá origem ao verbo “pirangar” e ao substantivo “pirangagem”. 

Passar o xêxo – Foi Mauro, o galhofeiro, quem me lembrou dessa. Passar xêxo é o mesmo que fazer um trambique, do tipo “comprou, mas não pagou”. Se seu nome está no SPC ou no Serasa, é porque você deu o vacilo de passar o xêxo em alguma empresa, em vez de se limitar apenas aos amigos e parentes mais próximos. Dá origem ao adjetivo “xexêro”.

Pai – O amigo Chico Fagundes lembrou essa daí. Não sei a origem e não faz o menor sentido, mas algumas pessoas, geralmente um tanto mais humildes, tratam umas as outras dessa forma. Expressões como “Bora, pai” e “Te fode, pai” são bastante populares.


Sei que ainda não cheguei nem perto de cobrir todas as expressões e gírias usadas pelo povo pernambucano, mas agora já é possível, para os de fora, terem ao menos uma leve noção de pernambuquês. Pratique com seus amigos e chegue aqui fluente.

Afinal, o carnaval está chegando.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Pernambuquês




Dia desses fui tomar uma cerveja com minha amiga Eva, dona do Blog Ladeira Chic (que aliás, anda meio parado. Evinha, olha o serviço, cacete!) e os colegas do trabalho dela, um pessoal muito gente boa e quase todos de fora de Pernambuco. Na misturada tinha carioca, gaúcho, paulista, baiano e outras nacionalidades que não lembro agora. Como é natural, em uma mesa onde há ao menos um pernambucano e pessoas de qualquer outro lugar que não seja Pernambuco, o tema da conversa logo passou para bairrismo, no caso, o do tipo extremado que se pratica por aqui. 

Deus me defenda de tentar mudar a imagem do pernambucano que, aliás, deve ser o único no Brasil que se sente totalmente confortável com seus estereótipos. Chame um baiano de preguiçoso, um paulista de chato ou um carioca de folgado e eles vão bater na mesa e berrar, cada um com seu sotaque particular “Peraí, meu rei/mano/maluco, não é assim não!”. Chame um pernambucano de bairrista extremado, chato e megalomaníaco e um sorriso insano de satisfação vai se espalhar pelo rosto dele, o que vai te forçar a acrescentar “doido de pedra” na sua lista de pré-conceitos. E com razão. 

Para mostrar que o pernambucano, apesar da má fama acima justificada, também pode ser legal, simpático, acolhedor, contido e, até certo ponto, mentalmente são, resolvi aproveitar a nova onda de desenvolvimento do estado, que vem atraindo cada vez mais gente de fora (“gente de fora”, olha o preconceito!) e bolar um pequeno dicionário de expressões de uso corrente em Pernambuco, tendo em vista facilitar a comunicação entre os daqui e os de lá (mais preconceito), evitando assim mal-entendidos, confusões, bate-bocas, confrontos físicos, desespero, morte. 

Lembrando que todas as expressões devem ser pensadas e praticadas com o sotaque típico daqui, então nada de “dji” ou “tchi”. Pernambuco é um dos poucos estados do Brasil que ainda resiste à sanha homogeneizante das novelas da Rede Globo (desculpem Bahia e Ceará), então por aqui ninguém fala “Você assistchiu o últchimo capítulo de Tchi Tchi Tchi?” e nem usa artigo definido antes de nome próprio. Com a parte fonética acertada, vamos às expressões. Não estão em ordem alfabética, deixe de ser chato e leia mesmo assim.


Tabacudo – Uma das minhas expressões locais favoritas. Tabacudo é aquele ser que fala besteira com uma frequência preocupante, mas geralmente não chega a ser muito ofensivo. Todos podemos ser tabacudos de tempos em tempos, especialmente quando o nível alcoólico no organismo começa a atingir níveis alarmantes.

Mamão – No caso, não é a fruta. Mamão equivale a tabacudo, sendo um pouco mais condescendente e, portanto, ofensivo. Geralmente vem com acompanhamento. Por exemplo “Cala a boca, mamão!”.

Zé – Versátil, equivale ao mané dos cariocas. É o otário, o ingênuo, o cara despreparado para a vida. Permite diversas complementações diferentes, com variados níveis de ofensa pessoal. Exemplos: Zé Mané, Zé Culé, Zézo e, preferido entre as massas, Zé Buceta. Esse último faz referência, claro, ao homem virgem, que por nunca ter comido ninguém, acaba sendo esculachado com um apelido que junta o Zé com aquilo que, supõe-se, ele nunca experimentou na vida. O maior sociólogo que o Brasil conheceu, o pernambucano (lógico) Gilberto Freyre, explica que na patriarcal sociedade açucareira de Pernambuco, só era homem quem conhecia as delícias dos favores femininos e quanto antes melhor. Daí os garotos dos seus doze ou onze anos, ainda na época da escravidão, já começarem a se esfregar nas mucamas e, pouco mais tarde, exibirem as cicatrizes da sífilis aos amigos, como uma espécie de medalha de honra e atestado de masculinidade.

Donzelo – Ver Zé Buceta.

Besta, abestalhado e alesado – Ver Tabacudo.

Véi – Corruptela de “velho”. Pronome de tratamento altamente informal e massificado, especialmente na capital, Recife. Costuma vir acompanhado de outra expressão, também muito popular, criando o absurdo, porém bastante difundido, "Meu irmão, véi”. 

Tás onde? – Essa é bem óbvia. Contudo, até onde eu sei, apenas por aqui se procura saber a localização de uma pessoa, geralmente ao celular, utilizando-se essa expressão. “Cadê tu, véi?” é uma variação completamente aceitável.

Doido – Ver Véi.

Carai – Corruptela de “caralho”. Serve para se referir ao órgão sexual masculino ou, como é mais comumente usado, para enfatizar uma colocação ou indicar intensidade. Por exemplo: “Meu irmão, véi, bicha feia do carai!”.

Visse? – Usado para se confirmar a compreensão de uma informação. Pode ser usado em praticamente qualquer situação e possui uma variação famosa, o “Tá ligado?”, que costuma irritar pais e pessoas mais velhas em geral. Muita gente simplesmente não consegue terminar uma frase sem disparar um “Tá ligado?” no final.

Virado – Significa transformado em algo, dando a entender que a pessoa em questão encontra-se, momentaneamente, fora do seu juízo perfeito. Variações comuns são “Virado na porra”, “Virado no carai” e o enigmático “Virado no mói de coentro”.

Te fode! – Variação local do popular “Foda-se”, praticado no resto do Brasil. Admite complementos, como “Te fode, doido” ou “Te fode, véi”.

Se garante – Alguém que é competente em alguma coisa, mesmo que seja uma coisa ruim. Por exemplo: “Ela se garante na chatice, visse?”.

Acochar – Significa, literalmente, apertar. Serve para descrever, em termos grosseiros, uma relação física entre duas pessoas, quando uma acocha a outra e, se tudo der certo, é acochado de volta.

Amolegar – Significar mexer em algo ou, dependendo do contexto, passar a mão no órgão sexual alheio, preferencialmente com concordância previamente estipulada.

Balaio-de-gato – Uma situação confusa. Não se sabe quem está certo e quem está errado, muito menos que é o dono dos gatos ou como eles foram parar naquele balaio, para início de conversa.

Pegar bigu – O mesmo que pegar carona, mais utilizado no interior do estado. Não há conotações sexuais nessa expressão.

Couro-de-pica – Algo que não se resolve, vai e volta, lembrando o movimento do órgão sexual masculino durante o ato.

Pegar ar – Ficar nervoso, perder a calma ou a paciência em relação a alguma coisa.

Fuleiro – Significa algo de baixa qualidade, inclusive amizades. O fuleiro é a pessoa com a qual não se pode contar para nada, seja para dar uma ajuda no trabalho ou mesmo para aparecer para uma cervejinha com os amigos. Dá origem ao verbo “fuleirar”.

Farrapar – Ver fuleirar.

Cair um baque – Tropeçar e cair no chão, geralmente de forma patética e com pessoas apontando e rindo de você.

Arrancar o samboque – Tropeçar e, no processo, perder a pontinha do dedo do pé.

Vou chegar – Vou embora. Ninguém sabe muito bem qual a origem dessa expressão, mas até eu admito que não faz o menor sentido. Aceita variações como “Vou chegar nessa” e “Vou lavrar”.


Além dessas existem muitas outras. Lembrando que há também aquelas que são comuns ao Nordeste como um todo, como "Eita", “Oxente”, “Ôxe”, “Vixe Maria”, “Galego” e outras mais. Muitas delas, apesar da resistência das mayaras da vida, se popularizaram por todo o Brasil. Difícil é encontrar alguém hoje em dia, mesmo na lonjura das fronteiras gaúchas ou no coração de São Paulo, que não fale o seu “Vish” ou “Afe”, corruptelas dos originais nordestinos. Seria impossível acrescentar todas em um único post e muitas não me vêm à cabeça no momento, por isso peço aos leitores, de Pernambuco ou não, que deixem na seção de comentários suas contribuições para esse dicionário, visando assim melhorar a comunicação entre o pernambucano e o resto do Brasil. E você, que é de fora, vá praticando. Pernambuco está de portas abertas para você.

Mas faz aí um esforçozinho para aprender a falar nossa língua antes de vir, vai.