Dia desses fui tomar uma cerveja com minha amiga Eva, dona do Blog Ladeira Chic (que aliás, anda meio parado. Evinha, olha o serviço, cacete!) e os colegas do trabalho dela, um pessoal muito gente boa e quase todos de fora de Pernambuco. Na misturada tinha carioca, gaúcho, paulista, baiano e outras nacionalidades que não lembro agora. Como é natural, em uma mesa onde há ao menos um pernambucano e pessoas de qualquer outro lugar que não seja Pernambuco, o tema da conversa logo passou para bairrismo, no caso, o do tipo extremado que se pratica por aqui.
Deus me defenda de tentar mudar a imagem do pernambucano que, aliás, deve ser o único no Brasil que se sente totalmente confortável com seus estereótipos. Chame um baiano de preguiçoso, um paulista de chato ou um carioca de folgado e eles vão bater na mesa e berrar, cada um com seu sotaque particular “Peraí, meu rei/mano/maluco, não é assim não!”. Chame um pernambucano de bairrista extremado, chato e megalomaníaco e um sorriso insano de satisfação vai se espalhar pelo rosto dele, o que vai te forçar a acrescentar “doido de pedra” na sua lista de pré-conceitos. E com razão.
Para mostrar que o pernambucano, apesar da má fama acima justificada, também pode ser legal, simpático, acolhedor, contido e, até certo ponto, mentalmente são, resolvi aproveitar a nova onda de desenvolvimento do estado, que vem atraindo cada vez mais gente de fora (“gente de fora”, olha o preconceito!) e bolar um pequeno dicionário de expressões de uso corrente em Pernambuco, tendo em vista facilitar a comunicação entre os daqui e os de lá (mais preconceito), evitando assim mal-entendidos, confusões, bate-bocas, confrontos físicos, desespero, morte.
Lembrando que todas as expressões devem ser pensadas e praticadas com o sotaque típico daqui, então nada de “dji” ou “tchi”. Pernambuco é um dos poucos estados do Brasil que ainda resiste à sanha homogeneizante das novelas da Rede Globo (desculpem Bahia e Ceará), então por aqui ninguém fala “Você assistchiu o últchimo capítulo de Tchi Tchi Tchi?” e nem usa artigo definido antes de nome próprio. Com a parte fonética acertada, vamos às expressões. Não estão em ordem alfabética, deixe de ser chato e leia mesmo assim.
Tabacudo – Uma das minhas expressões locais favoritas. Tabacudo é aquele ser que fala besteira com uma frequência preocupante, mas geralmente não chega a ser muito ofensivo. Todos podemos ser tabacudos de tempos em tempos, especialmente quando o nível alcoólico no organismo começa a atingir níveis alarmantes.
Mamão – No caso, não é a fruta. Mamão equivale a tabacudo, sendo um pouco mais condescendente e, portanto, ofensivo. Geralmente vem com acompanhamento. Por exemplo “Cala a boca, mamão!”.
Zé – Versátil, equivale ao mané dos cariocas. É o otário, o ingênuo, o cara despreparado para a vida. Permite diversas complementações diferentes, com variados níveis de ofensa pessoal. Exemplos: Zé Mané, Zé Culé, Zézo e, preferido entre as massas, Zé Buceta. Esse último faz referência, claro, ao homem virgem, que por nunca ter comido ninguém, acaba sendo esculachado com um apelido que junta o Zé com aquilo que, supõe-se, ele nunca experimentou na vida. O maior sociólogo que o Brasil conheceu, o pernambucano (lógico) Gilberto Freyre, explica que na patriarcal sociedade açucareira de Pernambuco, só era homem quem conhecia as delícias dos favores femininos e quanto antes melhor. Daí os garotos dos seus doze ou onze anos, ainda na época da escravidão, já começarem a se esfregar nas mucamas e, pouco mais tarde, exibirem as cicatrizes da sífilis aos amigos, como uma espécie de medalha de honra e atestado de masculinidade.
Donzelo – Ver Zé Buceta.
Besta, abestalhado e alesado – Ver Tabacudo.
Véi – Corruptela de “velho”. Pronome de tratamento altamente informal e massificado, especialmente na capital, Recife. Costuma vir acompanhado de outra expressão, também muito popular, criando o absurdo, porém bastante difundido, "Meu irmão, véi”.
Tás onde? – Essa é bem óbvia. Contudo, até onde eu sei, apenas por aqui se procura saber a localização de uma pessoa, geralmente ao celular, utilizando-se essa expressão. “Cadê tu, véi?” é uma variação completamente aceitável.
Doido – Ver Véi.
Carai – Corruptela de “caralho”. Serve para se referir ao órgão sexual masculino ou, como é mais comumente usado, para enfatizar uma colocação ou indicar intensidade. Por exemplo: “Meu irmão, véi, bicha feia do carai!”.
Visse? – Usado para se confirmar a compreensão de uma informação. Pode ser usado em praticamente qualquer situação e possui uma variação famosa, o “Tá ligado?”, que costuma irritar pais e pessoas mais velhas em geral. Muita gente simplesmente não consegue terminar uma frase sem disparar um “Tá ligado?” no final.
Virado – Significa transformado em algo, dando a entender que a pessoa em questão encontra-se, momentaneamente, fora do seu juízo perfeito. Variações comuns são “Virado na porra”, “Virado no carai” e o enigmático “Virado no mói de coentro”.
Te fode! – Variação local do popular “Foda-se”, praticado no resto do Brasil. Admite complementos, como “Te fode, doido” ou “Te fode, véi”.
Se garante – Alguém que é competente em alguma coisa, mesmo que seja uma coisa ruim. Por exemplo: “Ela se garante na chatice, visse?”.
Acochar – Significa, literalmente, apertar. Serve para descrever, em termos grosseiros, uma relação física entre duas pessoas, quando uma acocha a outra e, se tudo der certo, é acochado de volta.
Amolegar – Significar mexer em algo ou, dependendo do contexto, passar a mão no órgão sexual alheio, preferencialmente com concordância previamente estipulada.
Balaio-de-gato – Uma situação confusa. Não se sabe quem está certo e quem está errado, muito menos que é o dono dos gatos ou como eles foram parar naquele balaio, para início de conversa.
Pegar bigu – O mesmo que pegar carona, mais utilizado no interior do estado. Não há conotações sexuais nessa expressão.
Couro-de-pica – Algo que não se resolve, vai e volta, lembrando o movimento do órgão sexual masculino durante o ato.
Pegar ar – Ficar nervoso, perder a calma ou a paciência em relação a alguma coisa.
Fuleiro – Significa algo de baixa qualidade, inclusive amizades. O fuleiro é a pessoa com a qual não se pode contar para nada, seja para dar uma ajuda no trabalho ou mesmo para aparecer para uma cervejinha com os amigos. Dá origem ao verbo “fuleirar”.
Farrapar – Ver fuleirar.
Cair um baque – Tropeçar e cair no chão, geralmente de forma patética e com pessoas apontando e rindo de você.
Arrancar o samboque – Tropeçar e, no processo, perder a pontinha do dedo do pé.
Vou chegar – Vou embora. Ninguém sabe muito bem qual a origem dessa expressão, mas até eu admito que não faz o menor sentido. Aceita variações como “Vou chegar nessa” e “Vou lavrar”.
Além dessas existem muitas outras. Lembrando que há também aquelas que são comuns ao Nordeste como um todo, como "Eita", “Oxente”, “Ôxe”, “Vixe Maria”, “Galego” e outras mais. Muitas delas, apesar da resistência das mayaras da vida, se popularizaram por todo o Brasil. Difícil é encontrar alguém hoje em dia, mesmo na lonjura das fronteiras gaúchas ou no coração de São Paulo, que não fale o seu “Vish” ou “Afe”, corruptelas dos originais nordestinos. Seria impossível acrescentar todas em um único post e muitas não me vêm à cabeça no momento, por isso peço aos leitores, de Pernambuco ou não, que deixem na seção de comentários suas contribuições para esse dicionário, visando assim melhorar a comunicação entre o pernambucano e o resto do Brasil. E você, que é de fora, vá praticando. Pernambuco está de portas abertas para você.
Mas faz aí um esforçozinho para aprender a falar nossa língua antes de vir, vai.