sábado, 3 de abril de 2010

Semana Santa I




Só digo uma coisa: Semana Santa é foda. Ou você acompanha o ritmo de quem viajou, cerca de 87% da população da cidade, ou fica perambulando por uma metrópole vazia. Se você já assistiu Extermínio ou Eu sou a Lenda, sabe bem do que tô falando. É praticamente a mesma coisa. Sem os zumbis correndo atrás de você, certo, mas isso só deixa a coisa toda ainda mais monótona. Na moral, não sei por que tanta gente vai embora do Recife na Semana Santa. Porra, a gente tem a praia de Boa Viagem! A gente tem o Recife Antigo! A gente tem Luiz Pimentel fazendo o papel de Cristo pela 87ª vez consecutiva, cacete! E ele se garante. Jesus, aquele amador, foi crucificado uma vez e morreu logo. Pimentel tá aí, carregando a cruz dele, firme e forte, por quase um século e ainda não dá sinais de que vai estilar. Se Jesus, quando morreu, tivesse a idade de Pimentel, tenho certeza que os soldados romanos teriam pegado mais leve com ele. Porra, alguém ia acabar associando o cara ao bisavô, né possível. Imagina, crucificar um velhinho centenário? Seria mais ou menos como pregar Arraes ou Dercy Gonçalves na cruz, quando ainda eram vivos. Em qualquer época da vida deles. Arraes e Dercy Gonçalves nunca foram jovens. Mas eu divago, o que quero dizer é que todo esse êxodo regional na época da Semana Santa só pode significar uma coisa.
Recife é um cu nessa época do ano.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Cinema do inferno



Quarta-feira é dia de cinema barato. O bom, lógico, é a economia que você faz. O ruim, é que nunca se sabe que tipo de gente vai estar com você na sala. Claro, pessoas insanas podem aparecer no cinema qualquer dia da semana. Isso aqui é uma democracia, caralho! Mas em dia de promoção, a coisa piora um pouco. A loucura começa já na fila. Atrás de mim, um senhor todo vestido com roupas da marca Puma, como se tivesse acabado de vir de uma maratona. Talvez ele fosse garoto-propaganda dos desportistas da terceira idade ou algo assim. Não faço idéia da ocupação dele, mas uma coisa era certa: era doido. De vez em quando, do nada, o desgraçado quebrava o relativo silêncio da fila com uma risada escandalosa, tipo “HAHAHAHA!”. As pessoas olhavam apreensivas pra ele, eu mais do que todo mundo, que tava de costas pro maluco. Ele lançava um olhar constrangido pras pessoas e parava. Por 5 minutos. Depois mais uma vez “HAHAHAHA!”. E assim continuou, até que o funcionário do cinema, misericordioso, liberou a entrada pra sala. Eu ia andando de lado, pronto pra ser atacado por trás a qualquer momento.
O ataque não veio, graças a Deus. Tratei de escolher uma poltrona junto do corredor. Sabe, pra facilitar minha fuga em caso de incêndio, enchente ou natureza humana. Nunca se sabe. O maluco da Puma senta lá atrás. Passa o filme todo soltando risadas, nos momentos mais absurdos do filme que, aliás, não era uma comédia e sim um thriller pós-apocalíptico cheio de morte e sofrimento onde, de maneira geral, todo mundo se fode o tempo todo. Se ele tava rindo das atrocidades cometidas na tela ou talvez se divertindo trocando piadas com alguma voz incorpórea dentro de sua cabeça, jamais saberei. E nem consigo decidir qual das opções é a mais perturbadora.
Começam a chegar mais pessoas. Aparece um cara gordo, camisa regata com marcas de suor no suvaco, tipo vendedor de picolé mesmo. Começa a subir com sofrimento todo o espaço que o separa da fileira onde ele vai sentar. 4 degraus com cerca de 3 dedos de altura. O suplício do gordo era triste de se ver. Cristo subindo a Gólgota. Em vez da cruz, ele carregava a barriga. Quando finalmente chegou, resfolegava feito um cavalo depois de uma corrida através do país. Achei que ele ia sofrer um ataque cardíaco ali mesmo, cair e sair rolando degraus abaixo. Eu ia ter que sair correndo igual à Indiana Jones naquela cena do primeiro filme, O Templo da Perdição. O que seria estranhamente apropriado, já que estávamos dentro de um cinema. Ele finalmente desaba na poltrona logo atrás de mim. Lógico. Passa o filme respirando pesadamente, abrindo sacos de batata-frita com estardalhaço e fazendo comentários inoportunos, em voz alta, em cenas-chave do filme. E não tinha ninguém sentado com ele.
E aí, chegam os outros integrantes do zoológico. A família carioca que não para de brigar entre si, ligando o carioquês no máximo, porque estão em Pernambuco e precisam mostrar de onde vieram. O empresário solitário, resolvendo a vida inteira pelo celular, como se estivesse em seu escritório. O grupo de adolescentes tagarela, que não faz idéia da temática do filme e nem se importam, desde que haja pessoas ao redor as quais eles possam exibir toda a sua rebeldia de butique. O casal de idosos comentando, em voz alta, o tanto de cenas violentas, meu Deus, por que foi mesmo que nós viemos assistir esse filme?
A fauna era extensa e complexa, mas consegui parar de prestar atenção nela pela maior parte da película. Sobrevivi à sessão e, surpresa, consigo até me lembrar da trama do filme e dos personagens. Considerando tudo, foi um dia bom pra se ver filme no cinema.
Ao menos dessa vez não jogaram catchup em mim.

Comprando livro




Vamos reclamar do analfabetismo! Do brasileiro, que é um iletrado! Os americanos lêem 10 livros por ano em média, os franceses lêem 7 e os brasileiros usam os livros pra calçar a mesa de jantar, que tá tronxa. Haha! Achou engraçado? Eu não. É um merda isso, até porque é cultural. Ou seja, mesmo que toda a população brasileira fosse alfabetizada, isso não ia significar que a gente ia passar a ler mais livros. Saber ler e querer ler são coisas bem diferentes. E ter condições de ler, mais ainda. Tu gosta de ler? Eu adoro. Quanto tu gasta com livros por ano? Eu não sei quanto eu gasto, mas posso afirmar que é menos do que eu gastei ano passado. Fui hoje na Livraria Saraiva, ali no shopping recife. Achei um livro sobre a História do Japão. Autor quase desconhecido, edição nacional, umas 250 pra 300 páginas, papel de qualidade mediana, capa simples. Pensei “vão ser R$ 35,00 bem investidos”. Passo o livro na máquina de leitura. Meu coração pula uma batida. R$ 87,00. Não, sério. Atordoado, pego um livro sobre a alimentação no Brasil que parece interessante. Mesmas características do anterior, sendo que um pouco mais fino ainda. R$ 47,00.
Não levei nenhum.
Não compro mais livro. Não compro mais CD. Nem DVD. Jogos de computador, nem pensar. Gibi, parei faz tempo. Revista, só leio na livraria, ainda bem que lá tem poltrona e ar-condicionado. E por aí vai. Baixo tudo o que posso, pasifudê. Ah, aí é foda, assim o mercado editorial vai morrer! O mercado musical e de filmes vai morrer! Todos os mercados do mundo vão morrer! E por SUA causa, Fred, seu porco egoísta!
Foda-se. Um dia, tudo morre. Miguel Arraes morreu. Porra, até Dercy Gonçalves morreu. Mas com esses preços que tão praticando por aí, as lojas tão virtualmente escrevendo na etiqueta dos seus produtos “Não seja otário. Não compre, baixe.” Apologia à pirataria da minha parte? Não, revolta quanto aos preços abusivos. Quer ler um livrinho, véi? Se fudeu, vai ter que desembolsar o equivalente a uma passagem aérea na baixa estação. Agora tente convencer um adolescente adquirir o nobre hábito da leitura desse jeito. Com 87 contos, meu amigo, o pirraia passa a noite no rebolation, tomando uísque com redbull e no final da noite, ainda pega um motelzinho, talvez até mesmo com tua irmã mais nova. Ainda bem que só tenho irmãos. Dentro de uma realidade tão absurda como essa, só nos resta uma coisa.
A televisão.
O primeiro que me der um tiro na cabeça ganha um saco de xaxá, do amarelo.

terça-feira, 30 de março de 2010

Na vaga




Reclamação-relâmpago
Vejam essa foto aí em cima, tirada lá na UFPE, e respondam: o que leva um ser humano a estacionar o carro de forma PERPENDICULAR ao sentido da vaga, atrapalhando totalmente os outros veículos, só pra poder ficar na sombra? Seria por que...
a)    ...o motorista é o reitor e, afinal, quem manda na porra da Universidade é ele mesmo?
b)    ...o motorista estacionou certo, os idiotas da sinalização é que pintaram errado as faixas amarelas?
c)    ...o motorista, econômico, queria deixar espaço pra outro carro estacionar ali, na mesma vaga?
d)    ...o motorista é um escroto do caralho, que não tá nem aí pras regras e tá pouco se fudendo se vai atrapalhar os outros, desde que ele consiga a merda da sombra dele?
Não sei qual é a resposta, mas de uma coisa tenho certeza.
Foi muita sorte a sombra não estar batendo na vaga de deficientes. O motorista escroto não perdoa, estaciona.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Vovó sempre vence



Casa de avó funciona mais ou menos como uma máquina do tempo. Você vai pra lá e tá tudo a mesma coisa de 20 anos atrás. Os mesmos móveis, a mesma louça, a mesma decoração, as mesmas fotografias amareladas nos mesmos porta-retratos e a mesma coleção de LPs do Nelson Gonçalves. O que é massa, porque Nelson Gonçalves botava pra fuder, pra você que não sabe. Mas então, fica tudo a mesma coisa, parece que a modernidade dá meia-volta quando chega na porta. Imagino que Cuba seja meio que uma grande casa da avó. E se a de vocês for mais ou menos como a minha, ela tem dificuldades enormes em aceitar coisas que fujam da realidade já cimentada no inconsciente dela. Minha avó me conhece há 28 anos, há 28 anos que ela me oferece vitamina de abacate e há 28 anos que eu recuso. Não adianta. Ela tá velha, mas não desiste fácil.
Minha avó: Meu filho, quer uma vitaminazinha de abacate?
Fred: Não, vó, brigado.
Minha avó: Não quer?
Fred: Não, vovó, brigado.
Minha avó: Mas não quer por quê?
Fred: Porque eu não gosto, vó.
Minha avó: Mas não gosta por quê?
Fred: ...porquê...por q...não sei vovó, não gosto. Mas brigado, viu?
Minha avó: Mas faz bem.
Fred: Eu sei vó.
Minha avó: Quer quantos copos?
Fred: Oi?
Minha avó: Da vitamina, quer quantos copos?
Fred: Não, eu...eu já dis...vó, não quero, brigado, de verdade.
Minha avó: Mas por quê?
Fred: ...eu..vó, eu...sério. Não quero. Brigado. De verdade. Eu não gosto. Eu. Não. Gosto.
Minha avó: Mas faz bem.
Fred: Eu sei que faz! A senhora já fal...certo, olha, vovó...eu não quero vitamina de abacate. Eu não vou tomar vitamina de abacate. Essa possibilidade não existe. Juro. Pode confiar. Se eu tomar essa vitamina de abacate, eu pipoque.
Minha avó: Tá bom, meu filho, vou guardar então.
Fred: Tá bom, vó. Brigado viu?
Minha avó: De nada, meu filho. Tome tudo viu?
Fred: Tomar tudo o que...?
Minha avó: A vitamina que tá aí no seu copo, não deixe nada. Vitamina de abacate faz bem, sabia?
Fred: ...
Minha avó: Quer mais?
Derrotado, eu tomo tudo, obediente. Minha avó vai embora, cuidar da cozinha, um sorriso de vitória nada inocente nos lábios. De que adianta recusar a porra de vitamina por 28 anos se, no final, eu acabo tomando mesmo? Besta sou eu, que ainda teimo. Esperta ,ela sabe que sempre vai vencer. Ela tem vencido por 28 anos e não vê motivo pra que isso mude agora. E dessa forma, a realidade como vista pelos olhos de nossas avós é construída. Formada por velhos relógios de parede, enciclopédias que ainda mostram a União Soviética em seus mapas, pequenas vitórias e inescapáveis vitaminas de abacate.