sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Promoção: Show da banda Golou o Ovo!




E, como prometido na semana passada, lá vai a novidade do Blog da Reclamação: em parceria com a Banda Golou o Ovo, estamos realizando uma promoção que vai premiar o vencedor com um par de convites para o show que acontecerá no dia 18 de Agosto, no UK Pub, Boa Viagem, a partir das 21:00 Hs!
“Tá, Fred, muito legal, mas que diabos de banda é essa?”, você me pergunta. A Golou o Ovo é um projeto musical que reúne sete músicos de incompetência inquestionável, mau gosto exacerbado e QI abaixo da média, porém cheios de paixão e romantismo, tocando o melhor (ou o pior) do brega e de tudo o que for rasgadamente piegas, em versões suingadas, dançantes, borbulhantemente sensuais e numa pegada muito rock n’ roll de clássicos irrelevantes da MPB! Preparem-se para um show cheio de performances absurdamente engraçadas e um repertório desavergonhadamente cafona, sempre com muito bom humor, malícia e embrulhado em um figurino simplesmente ridículo. Vai ser o show mais divertido do ano e para comparecer sem botar a mão no bolso é fácil!
Basta que você envie para o e-mail do Blog uma imagem qualquer, dessas do google mesmo, mas com uma legenda engraçada e reclamativa. Tipo assim: 




Cacete, já falei que esse não é o meu ângulo de beleza! Como assim, eu não tenho ângulo de beleza?


Simples, né? A legenda pode conter mais de uma frase ou até um diálogo, desde que seja enviada em um documento do Word, com fonte Arial, tamanho 8 e espaçamento 1,5. A legenda não pode ultrapassar duas linhas, senão, bom, vira texto ilustrado. Todas serão publicadas em posts individuais e a mais comentada leva os convites. Mas atenção! Não valem comentários de autores repetidos e nem de, lógico, anônimos ou não seria lá muito justo. A promoção é válida até a meia-noite da terça-feira, dia 17. O resultado será divulgado no dia seguinte, até o meio-dia, quando o vencedor será informado acerca dos procedimentos para a retirada do prêmio. Lembrando: é necessário enviar tanto a imagem quanto a legenda por e-mail, em anexo, em arquivos separados. Quem enviar vírus ou correntes estará automaticamente desclassificado da promoção e ainda corre o risco de receber, em casa, todos os integrantes da banda Golou o ovo, armados com paus, cacos de vidros e pequenos mamíferos.
Então é isso, pessoal, mãos a obra! Comecem a enviar seu material que ele será postado no Blog da Reclamação para que as pessoas comentem. Então, falem do Blog pros seus amigos, vizinhos, amantes, desafetos, enfim, todo mundo e peça para comentarem no seu post, aumentando assim o risco, digo, as chances de ganhar o prêmio!
E se quiser dar uma olhadinha no blog da Golou o Ovo, sigam o link e aguardem mais novidades!
Boa sorte a todos e participem!

Sexta-Feira dos convidados: Cearês




Vida de quem escolheu se dedicar a passar em um concurso não é fácil. Disso todo mundo já sabe. O que acontece, no entanto, é que as pessoas normalmente associam a dificuldade da vida de concurseiro somente à fase anterior a aprovação. Muitos acham que, a partir daí, tá tudo resolvido: é só começar a juntar dinheiro, casar, fazer aquela viagem etc. Pra quem pensa desse jeito, sinto informar, mas não é bem assim. É verdade que a época que antecede o sucesso nos concursos é muito angustiante, cheia de incertezas e exige muita dedicação. Mas a fase pós-aprovação, predominantemente no início, pode se tornar um outro desafio, pois é preciso estar disposto a se adaptar. Especialmente se o candidato tiver que morar em outras cidades ou até em outros estados, como é o meu caso.
Foi assim que em abril deste ano vim morar na bela Fortaleza, no Ceará. A distância da família e dos amigos tem sido o meu maior problema de adaptação até aqui, apesar de Fortaleza e Recife estarem há apenas uma hora de vôo. Tenho encontrado, porém, um outro problema de adaptação que não esperava: a comida. Não a comida em si, mas a forma como as pessoas, aqui, se referem à comida. Logo nos primeiros dias fui a um restaurante meio fuleiro. Era um desses em que você apanha os acompanhamentos e depois escolhe um pedaço de carne. Enfim, dirigi-me direto pra fila e servi-me de arroz feijão etc. Quando cheguei na última etapa uma moça me perguntou:
-          O que o senhor quer para mistura?
-          Nada.
Veio na minha cabeça aquela gororoba de presídio. Não tinha perigo de eu comer qualquer mistura nesse restaurante.
-          O senhor não quer mistura?
-          Não quero, não.
-          Tem certeza?
-          Absoluta.
Pensei logo: isso provavelmente é uma mistura de comida que não vendeu, de ontem, batida no liquidificador e deve tá uma merda. Por isso que tão insistindo tanto. A moça me olhou com cara de estranheza e disse: - Então tá. Próximo!
Sentei na mesa esperei, esperei, e nada de passar a carne. Chamei o garçom e perguntei:
-          Amigo, como faço pra comer carne nesse restaurante?
-          A carne é ali, naquela moça.
-          Mas aquela moça só me ofereceu mistura e isso eu não quero!
-          Mas, Senhor, é isso mesmo que ela está oferecendo.
Conclusão n º 1: aqui no Ceará, carne e mistura são a mesma coisa. Voltei lá, com a cara de mané, e peguei a minha mistura: um pedaço de frango e um pedaço de maminha. Voltei pra mesa e pedi um refrigerante pro garçom:
-          O senhor pode me trazer uma coca?
-          KS?
-          Coca.
-          KS?
Pensei: ou esse cara é maluco, ou ele tá tirando uma onda com a minha cara ou, como eu achei que fosse, ele tá tentando me empurrar um desses refrigerantes escrotos aqui do Ceará, tipo Cajuína, Ypiocola etc 
-          Amigo, eu quero COCA-COLA! Tá me entendendo? COCA-COLA!
-          Entendi. Eu só quero saber se o senhor quer KS.
Já estava pra mandar o cara enfiar a KS no cu. Mas vai que ele era doido. Além do mais, estava em terra estranha. Enfim, admiti que perdi aquela batalha e, resignadamente, disse:
       -    Ok amigo, traga KS mesmo.
Pra meu espanto o cara me aparece com uma coca-cola geladinha na bandeja. Aí eu pensei: o doido na verdade era um escroto e tava tirando uma da minha cara. Não me conformei, agora era uma questão de honra, só saia dali se tomasse uma KS. Então, esbravejei:
-          Cadê a minha KS, cacete?
-          Olha aqui.
-          Tá pensando que eu sou doido meu amigo? Isso aqui é coca-cola, a bebida que eu queria desde o início, e o senhor insistindo em trazer KS...
-          Pois é. Se o senhor quisesse em lata, eu tinha trazido, mas disse que queria KS então eu trouxe KS.
Conclusão n º 2: no Ceará, KS e garrafa são a mesma coisa (mas só pra refrigerante, ok? Já tentei pra outras coisas e não funciona).
Finalmente, após terminar a minha refeição - acompanhamentos com misturas na brasa e Coca-Cola KS -, pedi a conta ao garçom.
-          Já vou trazer a conta, mas o senhor quer alguma coisa pra merendar mais tarde?
Conclusão n º 3: essa foi a mais fácil. Como todos sabemos, merendar é o mesmo que lanchar. Só que a última vez que fiz uma merenda ou que falei essa palavra foi na hora do recreio ou “hora da merenda”, na Escola Ativa, quando tinha uns seis anos. Achei engraçado, paguei a conta e fui embora. Depois vi que, aqui, ninguém lancha, merenda.

Por isso, se quiserem visitar Fortaleza, vão treinando o seu Cearês.


Por Saulo Toscano

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O cabeludo e a freira, Parte 2


As pancadas na porta reverberam por todo o corpo de Pedro. Considerou seriamente a possibilidade de simplesmente sair correndo dali, pular o muro da escola e nunca mais voltar. Depois disse a si mesmo que estava sendo ridículo. Ele iria conversar com uma freira idosa que, por acaso, era a Diretora da escola onde ele estudava por mais tempo do que os seus pais estavam casados. Ela iria pedir para que ele cortasse os cabelos, ele iria negar-se e a coisa ficaria por isso mesmo. O que ela poderia fazer de tão terrível, afinal?
- Entre. – soou uma voz rouca de dentro da sala.
Pedro empertigou-se e abriu a porta lentamente. Encontrava-se em um recinto escuro e abafado. Percebeu que as paredes estavam cobertas de imagens afixadas em pesadas molduras de madeira trabalhada. A grande maioria representava Jesus Cristo em algum momento de intenso sofrimento durante seu calvário, em detalhes vívidos e perturbadores. Nas prateleiras pesadas havia livros que Pedro não conseguiu identificar, grandes volumes encadernados em couro. Também haviam algumas estatuetas de santos católicos, todos mártires sendo mostrados no momento do seu sacrifício. Ali estava São Sebastião, coberto de flechas como um alfineteiro, exibindo uma expressão de intensa agonia. Viu São Pedro sendo crucificado de cabeça para baixo, a dor estampada em seus olhos, mas formando uma imagem que, para Pedro, era até um pouco cômica. Havia outras figuras do cristianismo que ele não conseguiu identificar. Não viu sinal de plantas ou qualquer tipo de ornamento. Finalmente, seu olhar se fixou na enorme escrivaninha à sua frente. Também estava coberta de livros antigos e imagens de pessoas sendo horrivelmente torturadas, o que levou Pedro a pensar que ser um santo da religião católica deveria ser um péssimo trabalho, já que a aposentadoria parecia consistir, basicamente, de sofrimento extremo e mortes grotescas. Atrás da mesa, encontrava-se a Diretora. Pedro reprimiu uma exclamação de espanto, mas não teve certeza se teve sucesso.
Era uma mulher devastada pela idade avançada, cujos anos pareciam ter sido talhados á faca por todo o rosto, a única parte do seu corpo, além das mãos, visível no hábito que lhe cobria por inteira. Era baixa e corcunda e trazia as mãos esqueléticas cobertas de veias protuberantes, verdes e azuis. O rosto murcho era marcado por incontáveis rugas, mantendo sua face petrificada em uma eterna expressão de desgosto. Além disso, usava um par de óculos cuja lente direita era totalmente escura, evidenciando que a mulher havia perdido uma visão. Seu nome era Irmã Bondade. De alguma forma, isso parecia deixar sua figura ainda mais sinistra.



 
- Sente-se. - crocitou a mulher, observando Pedro fixamente com seu olho são. O rapaz obedeceu rapidamente, acomodando-se em uma cadeira baixa e desconfortável, que o deixava em um plano inferior ao da religiosa à sua frente. Ela desviou o olhar para alguns papéis na escrivaninha, folheando-os vagarosamente. Voltou a atenção para Pedro, olhando-o como se ele fosse algum tipo de invertebrado, que havia inadvertidamente entrado em sua sala, talvez arrastando-se por debaixo da porta. Perguntou, os olhos fixos e a voz baixa: 

- Nome...
- Pedrinho. Hmm, Pedro. Pedro Luís dos Santos.- acrescentou rapidamente, como se houvesse marcado um ponto.
- Ah, sim, o cabeludo. - murmurou a freira, fingindo recordar do caso apenas naquele momento e franzindo os lábios como se acabasse de proferir um palavrão e sentisse a boca suja por isso.
- Sou eu mesmo...- respondeu em voz baixa Pedro, pressentindo que o sobrenome não iria ser de grande ajuda.
A diretora fez uma careta de asco, entrelaçando os dedos antes de continuar:
- Então você é o famoso cabeludo do Santa Maria, não é? O que não possui respeito algum pelas regras deste colégio, base da educação de tantas personalidades ilustres desta nossa cidade. - Pedro abriu a boca para protestar, mas a freira interrompeu-o.         
- Boca fechada enquanto eu falo rapaz! Pensa que eu não o conheço? Acha que eu não sei o tipo de gente que você é? Sempre se rebelando, tentando subverter as regras estabelecidas pela sociedade. Eu conheço você bem demais.
- Peraí – protestou Pedro, sem conseguir se conter mais - a senhora não me conhece, não sabe nada da minha vida, não s...
 - Pedro Luís dos Santos, – começou a religiosa, elevando a voz acima da do rapaz, que calou-se imediatamente - filho de Maria Pereira dos Santos e de José Ricardo dos Santos, filho único, nascido em dez de outubro de mil novecentos e noventa e quatro, tendo, portanto, quinze anos de idade. Rendimento escolar apenas satisfatório, pouca participação em sala de aula, bom aluno de Educação Física, representante de turma no ano passado e retrasado. Gosta de música estrangeira de qualidade duvidosa, jogos de computador violentos e de ir ao Shopping Center, praticamente todos os dias, apenas para vadiar com outros colegas. Também todos os dias, vai à cantina do seu Júlio, sempre no segundo intervalo, geralmente após ir ao banheiro. Compra uma coxinha, mais um copo de refrigerante, dirige-se à quadra de esportes e aguarda, enquanto come, a sua vez de jogar futebol. Terminada a aula, espera que o seu pai ou sua mãe venha busca-lo na porta do colégio, onde fica jogando conversa fora com os mesmos amigos que você irá, fatalmente, encontrar mais tarde no Shopping Center. Esqueci alguma coisa?
 - Não...- respondeu Pedro, assustado com os conhecimentos da religiosa e chocado ao se dar conta do quanto a sua vida era resumível.
 - Então, como pode ver, rapazinho, eu conheço você. Eu-conheço-você-bem-demais. Enfatiza a freira, sorrindo maldosamente. A essa altura da entrevista, Pedro já começava a sentir algo muito parecido com pânico. Como pretendia cursar Direito, como o pai o fez, resolveu apelar para legalidades e tentar, pelo menos, confundir a religiosa.
- Não sei se a senhora sabe, mas a constituição garante, democraticamente, à todas as pessoas, o direito de ir e vir, de expressar suas opiniões e de se vestir como quiserem também. - Despejou Pedro, contente de ter decorado a sua parte no trabalho de História sobre as leis brasileiras.
- Isso é lá fora.
- Como as...
- Isso é lá fora. Dentro do MEU colégio, EU faço as regras, EU escrevo a constituição e EU sou, de uma só vez, os poderes executivo, legislativo, judiciário e, principalmente, religioso!
- Mas...mas...mas isso não é jus...
- O que não é justo, moleque, é haver tanta gente aí fora, sem ter onde morar, passando fome, sem poder estudar e você a ponto de jogar fora este privilégio porque quer deixar esse cabelo crescer!
- Jogar fora...?Então, a senhora quer dizer...
- Eu quero dizer - completou a freira, um sorriso sádico se abrindo em seu rosto encarquilhado - que o estatuto do colégio prevê e condena qualquer comportamento e/ou vestuário que fuja dos padrões pré-estabelecidos, aí incluindo-se namoros dentro e nos limites externos da escola, brincadeiras violentas ou viciosas, acessórios femininos sendo usados por rapazes e, é claro, garotos de cabelos compridos. Em outras palavras, cabeludo, você não fica neste colégio. É claro que você pode, se quiser, optar por deixar a escola. É seu direito inalienável e - acrescentou maldosamente - democrático.
Silêncio. Pedro mantinha os olhos pregados ao chão, enquanto a irmã Bondade deixava o mal-estar causado pelas suas palavras carregar o ambiente, sufocando a sua presa, ali em pé, quase abatida. Pedro saboreava a derrota quase sem ter lutado. Sentia que aquilo estava errado. Sabia que era vítima de prepotência, despotismo e  autoritarismo, ainda que não encontrasse bem o sentido daquelas palavras e lhes adivinhasse apenas vagamente o significado. Sentia, sem saber, o cansaço dos lutadores, que tentam ir contra os poderes do mundo e parecem nadar, sempre, contra as ondas de um mar sem fim, a qualquer momento prestes a se afogar e este momento, para ele, havia chegado, mal havia posto os pés na água. Mas não podia ser assim. Não deveria ser assim. E não seria. Lutaria, ainda que sem esperanças. Começou a pensar, a martelar seu cérebro furiosamente, buscando em sua cabeça alguma coisa, qualquer informação que, se não o salvasse da tirania, ao menos fizesse com que as pessoas, no futuro, passassem por ele e dissessem “Ali vai um bravo. Perdeu, mas com certeza lutou e não se entregou antes do fim.”
Antes de tudo, deveria erguer a cabeça e encarar o seu destino como um homem. Começou, lentamente, a levantar o olhar do chão de mármore escuro e assim foi subindo, até encarar de frente seu algoz, a terrível Irmã Bondade. Tentou sustentar o olhar, mas vacilou sem conseguir sustentar-se em face da horrenda expressão de triunfo monocular da religiosa. Repugnado, subiu um pouco mais o olhar e foi só então que, distraído como era, percebeu, na parede atrás da freira, um pouco acima do espaldar da cadeira, uma pintura de Jesus Cristo. Fixou o olhar naquela gravura, passando os olhos pelo rosto inexplicavelmente alvo, as gotas de sangue porejando sua testa, os cabelos compridos. Cabelos compridos? Era verdade, havia esquecido daquele fato, Jesus Cristo possuía cabelos compridos. O filho de Deus era cabeludo, como ele! Aliás, muito mais do que ele, já que o Salvador exibia, naquela gravura, uma cabeleira de causar inveja à muitos dos seus ídolos musicais. 


 
Rock n’ Roll!


Sentiu o coração batendo mais forte. Não havia mais dúvidas, ele sabia exatamente o que falar. Sorriu, e ao fazê-lo, destruiu o sorriso que deformava o rosto da freira. Jogou os cabelos para trás com as mãos, fazendo com que a irmã Bondade agarrasse o crucifixo em seu pescoço e murmurasse algo entre os dentes cerrados.
- Não vou cortar o cabelo.
- ...como?
- Isso mesmo que a senhora escutou. Não vou cortar o cabelo.
- Ah, não vai? - Ameaçou a diretora, tentando esconder o seu choque.
- Não. E a senhora sabe por quê?
- Por quê?-Perguntou a freira, a voz tremendo de raiva.
- Porque eu não preciso. A senhora falou que era errado usar cabelo comprido neste colégio, mas Jesus Cristo, que a senhora jurou obedecer e servir, ele que é o filho do nosso Senhor, que morreu pelos nossos pecados, ele tinha cabelos compridos!
Silêncio.
- Se o chefe da senhora, ou melhor, o filho do chefe, usava cabelo comprido, por que é que eu não poderia usar? - Insiste Pedro, sentindo, pela primeira vez na vida, o prazer de esmagar o espírito de um inimigo mortal.
Mais silêncio. Calmamente, a freira retirou os antiquados óculos de aro grosso, limpou a lente esquerda, transparente, com uma flanela que extraiu de algum bolso, recolocou-os e então encarou o cabeludo.
- E você sabe por que Jesus Cristo possuía cabelos compridos? - Perguntou calmamente.
- Não...-Respondeu Pedro, um tanto confuso.
- Porque Jesus Cristo nunca estudou no Colégio Santa Maria! Porque se tivesse estudado, eu já teria mandado ele cortar aquela juba! No meu colégio, valem as minhas regras, pode ser filho de Deus ou do cão! E o senhor vai me aparecer aqui na segunda-feira bem cedo, antes da aula, de banho tomado, dente escovado e cabelo cortado, entendeu?
Silêncio.
A turma do Shopping estranhou a ausência de Pedro, que era capaz de faltar o treino de futebol, mas não deixava de encontrar com os amigos. Porém naquela tarde de sexta-feira, ele não apareceria.
Havia ido cortar o cabelo.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O cabeludo e a freira, Parte 1




Fundado no final da década de 50 no século passado, o Colégio Santa Maria é um dos mais antigos da Zona Sul e um dos mais tradicionais do Recife. É amplamente conhecido pelos ótimos resultados acadêmicos dos seus alunos, pelas mensalidades proibitivas e por seu implacável corpo de diretoria, formado por um grupo de freiras católicas famoso pelo conservadorismo extremo e absoluta falta de tolerância. Apesar disso, a instituição é bastante procurada pelos pais, que muitas vezes precisam inscrever seus filhos em listas de espera intermináveis, algumas vezes aguardando anos e anos para que surja uma vaga. Além da perspectiva de boas notas e um futuro acadêmico mais ou menos assegurado, muitos pais procuram o Santa Maria na esperança de que a famosa rigidez das Irmãs Católicas ponha um fim na rebeldia dos seus, por vezes incontroláveis, rebentos. No colégio não se permitem uniformes fora do padrão, velhos, gastos ou sujos. Meninas não podem usar maquiagem de nenhum tipo e nem pintar os cabelos de cores berrantes ou não-naturais, como rosa, verde ou fúcsia. O mesmo se aplica aos meninos que, além disso, não podem usar cabelos compridos, brincos ou qualquer acessório associado, pelas freiras, ao sexo feminino. A ninguém é permitido o uso de piercings de qualquer tipo, símbolos de outras religiões que não a católica ou tatuagens, visíveis ou não.
Foi nesse ambiente quase militar que Pedro se encontrou, depois de se mudar com a família para o bairro do Pina. Pertencendo a classe média alta, Pedro era um aluno razoável e não dava mostras de insatisfação familiar ou qualquer tendência revolucionária, dentro ou fora da escola. Era, como se diz, um bom rapaz, ainda que um tanto sem graça. Estava na escola há alguns meses e já havia feito um número considerável de amigos, poucos adversários e praticamente nenhum sucesso com o sexo oposto. Era verdade que Pedro, ainda que não fosse feio, simplesmente não possuía nenhuma característica que o fizesse se destacar dos seus pares. Era branco, de estatura mediana e magro, tinha cabelos curtos, lisos e de cor castanha. Assim como a esmagadora maioria dos seus amigos, colegas de sala e adolescentes das classes mais abastadas da cidade. Quase todos praticavam um ou mais esportes, como natação, judô ou futebol de salão. Falavam todos sobre os mesmos assuntos, olhavam para as mesmas garotas e se dividiam apenas na hora de torcer pelos três principais times do estado.
Depois de algum tempo, esse excesso de homogeneidade começou a incomodar Pedro. Não que fosse adepto a radicalizações, mas sentia que, por meio de algumas pequenas mudanças em seu visual, poderia obter um maior destaque entre o corpo discente do Santa Maria, principalmente sua metade feminina. Sendo um rapaz de pouca imaginação e desacostumado com a rigidez da educação exercida em um colégio religioso, Pedro decidiu por deixar seu cabelo crescer. Acreditava que as regras, que ele conhecia bem, acerca da aparência dos alunos eram mais um código de conduta do qualquer outra coisa, imaginando que o fato de ninguém desobedecer às normas vigentes se devia puramente à modéstia e ao conformismo dos estudantes. De maneira que simplesmente deixou de ir ao cabeleireiro e passou a economizar o dinheiro dado pelos pais com esse fim para comprar cigarros na banca da esquina e praticar para impressionar as meninas no final de semana, no shopping.
E assim as semanas passaram, as madeixas de Pedro crescendo lentamente, sem pressa, como se antecipassem toda a dor e angústia que causariam para seu dono e fizessem o máximo para poupá-lo, ao menos por um tempo, dos horrores que o aguardavam. Quando os fios começaram a encobrir suas orelhas, Pedro percebeu uma estranha mudança de comportamento entre os colegas. Os alunos de outras turmas lançavam lhe olhares estranhos. Meninos ou meninas, todos pareciam estar se reunindo sutilmente pelos cantos para comentar sobre algum assunto que Pedro não tinha certeza de qual era, mas que parecia monopolizar a atenção de todos. Estranhamente, seus amigos começaram a evitar sua companhia. Quando indagava os mais chegados se havia algo acontecendo ou mesmo se ele havia, inadvertidamente, feito algo errado, recebia como resposta apenas negativas nervosas, seus interlocutores parecendo ansiosos em terminar a conversa. Começou a ser ostracizado dentro do ambiente escolar, passando seus recreios absolutamente sozinho e sob a constante e incômoda sensação de que todos o observavam. Não conseguia atinar para o motivo dessa conspiração, mas estava começando a ficar farto do comportamento absurdo das pessoas ao seu redor. Até mesmo os professores evitavam dirigir-se à sua pessoa e em mais de uma disciplina, o educador havia simplesmente esquecido de anunciar seu nome na chamada.
O cabelo de Pedro agora quase ultrapassava suas orelhas, fazendo com que o garoto adquirisse o hábito compulsivo de jogá-los para trás quando os fios atrapalhavam sua visão. Esse movimento parecia horrorizar todos a sua volta, como se o rapaz estivesse fazendo algo profundamente grotesco ou mesmo obsceno. Passou a encontrar todos os lugares da sala reservados pelos colegas, sendo obrigado a sentar no fundo, muitas vezes com uma ou duas fileiras vazias o separando do resto da turma. Pedro começou a ficar paranoico, buscando uma resposta para o mistério, enquanto parecia ficar cada vez mais repulsivo para todos os seres humanos à sua volta. Sendo filho único e tendo pais que passavam muito pouco tempo em casa, não sabia ao certo com quem falar acerca do problema.
Um dia, estava fazendo o lanche, totalmente só, quando o fiscal de pátio, um homem de meia-idade, alto e obeso, de quem Pedro sempre gostou muito, se aproximou para falar-lhe. Já desacostumado de ter outra pessoa lhe dirigindo a palavra em ambiente escolar, Pedro quase engasgou com sua coxinha.
- Pedrinho...
- Gasp! Er...fala Tonhão! Tudo bom? Como você tá? Quanto tempo, heim? E o nosso Sport, será que sobe esse ano?
- Tá tudo...tudo indo, Pedrinho. Olhe, eu...eu não devia, mas... – e nesse ponto olhou ao redor, suspeitosamente. Assustado, Pedro imitou seu movimento.
- Fala Tonhão, o que foi?
- É que...veja bem. Eu quero saber se tá tudo bem com você. Tá com algum problema em casa? Pode me falar, Pedrinho.
- Oi? Problema em casa? Não, nenhum. Meu videogame quebrou, tirando isso...
- Não, não tô falando disso...é que...você tá diferente e... – Tonhão hesitou, sem encontrar as palavras e olhando fixamente para o topo da cabeça de Pedro, que automaticamente jogos os cabelos para trás. O homem mais velho estremeceu visivelmente.
- O que foi, Tonhão? – inquiriu Pedro, já um tanto nervoso com aquele estranho diálogo.
Tonhão abriu a boca para falar, mas foi interrompido pelo toque do aparelho de rádio que levava à cintura, usado para se comunicar rapidamente com a direção. O fiscal de pátio ficou lívido. Nenhum som saiu de sua boca e ele encarava Pedro, aparentemente sem saber o que fazer.
- Não vai atender, Tonhão? – perguntou Pedro, apontando para o cinturão do seu interlocutor. O aparelho tocou mais uma vez. Tonhão pareceu acordar de um transe e, lentamente, levou a mão ao transmissor. Suspirou profundamente, ofereceu um olhar aterrorizado para o garoto à sua frente e atendeu.
- Alô? Sim, senhora. Sim, senhora. Não, senhora. É, ele...ele se encontra aqui, na minha frente. Sim, senhora. Eu...sim...claro. Imediatamente, senhora. – desligou o rádio com dedos trêmulos e dirigiu sua face marcada pelo desespero para Pedro.
- Tonhão, tá tudo b...
- Pedro, por favor, queira me acompanhar até o escritório da Diretora. – essa última palavra havia sido pronunciada quase em falsete, traindo o medo abjeto que havia se apoderado do homem. Pedro já havia escutado histórias sobre a freira que comandava, há mais de três décadas, aquele colégio. Eram relatos de um horror quase sobrenatural os quais Pedro, pouco imaginativo que era, havia dado pouca atenção. Mas naquele momento, era como se o fiscal houvesse anunciado sua sentença, a pena capital por um crime que ele não estava certo de ter cometido.
- Vai Pedrinho, levanta. Eu vou..eu levo você até lá. Vem, pode se apoiar em mim, se quiser.
- Hmm...valeu, Tonhão, acho que vou andando sozinho mesmo.
- Pedrinho, você...você sabe que gosto muito de você, não sabe?
- Ahn...certo...
- Certo. Só...tudo vai ficar bem, tá bom? – assegurou o fiscal, de forma absolutamente não convincente. Seguiram caminhando em silêncio pelo pátio, os outros alunos encarando-o emudecidos. Ao olhar para os lados, Pedro viu que algumas meninas faziam cara de choro. Entraram no setor administrativo e passaram pelo que pareceu ser uma infinidade de corredores, até chegar em frente à sala da Diretora. Estacaram em frente a uma pesada porta de madeira escura, desprovida de qualquer tipo de adorno, salvo por uma enorme cruz que exibia a figura de Jesus, coberto de sangue e transparecendo um sofrimento inalcançável em seus olhos arregalados. Pedro engoliu em seco.
- Pronto, Pedrinho. Agora, você...é só...olha, você bate que a Diretora já tá te esperando, certo? Só me faz um favor e...e espera eu me afastar, tá bom? – mal completou a frase e o homenzarrão saiu apressadamente pelo corredor, esbarrando desajeitadamente na quina da parede e ainda assim sem diminuir a velocidade. Pedro voltou-se para a porta. Experimentava uma sensação inexplicável na boca do estômago, um mal-estar como nunca antes havia experimentado. Respirou profundamente, ergueu sua mão e bateu timidamente na porta.

Continua...


segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Se é na má-vontade...


Estava no calvário diário do ônibus quando vi o cartaz abaixo:




É uma campanha do governo contra a exploração do trabalho infantil durante as eleições. Sem dúvida, um objetivo bastante nobre, em qualquer época do ano. Mas eu me pergunto se não dava para terem feito uma arte melhorzinha. Geralmente, peças publicitárias do governo em nível regional são bem toscas, basta ver as histórias em quadrinhos constrangedoras que saem por aí em época de vacinação. Mas o pôster em questão chamou minha atenção por ser particularmente feioso.
E, até certo ponto, tenebroso. Alguém pode me explicar por que diabos, pra início de conversa, essas crianças não tem nariz? Eu, se visse uma horda de criaturas nanicas desprovidas de narinas se aproximando, metia bala. E depois escravizaria quem sobrevivesse. Além disso, esses garotos parecem sofrer de uma série de deformidades físicas e, possivelmente, mentais. Perceba que a menininha de traços asiáticos é a única olhando para um ponto totalmente diferente dos seus amigos, dando a entender que ela é, possivelmente, uma deficiente visual. Até aí tudo bem, mas não dava pra alguma das outras crianças ter soprado na hora da foto “Japa, vira pra direita, porra!”? Espero que o artista que criou o cartaz não tenha associado os olhos tipicamente pequenos dos asiáticos à cegueira, porque isso seria uma mostra grotesca de preconceito.
Mas ao menos a japinha consegue se locomover sem grandes problemas, mesmo sem enxergar um palmo diante do nar...enfim, sem ver nada. Já o garoto negro com tumores no lugar das orelhas e o menino índio não tiveram tanta sorte. O curumim possui apenas quatro dedos nos pés e todos parecem ser polegares. Já o pequeno afrodescendente simplesmente não tem dedo nenhum, os pés parecendo mais dois cascos uniformes. A garotinha branca, certamente desfigurada por alguma condição congênita, possui os olhos colados um ao outro, diferente dos seus companheiros. Os pais dela deviam ser primos. Mas esse aborto incestuoso ainda está melhor do que o indiozinho, que, por motivos que escapam à minha compreensão, veste uma bandeira de São João pra esconder a mandioquinha dele, ao mesmo tempo em que exibe uma medonha deformação na mão direita.



Sério, que porra é essa? Um sexto dedo? O nariz, que nasceu no lugar errado? Parece mais a minha mão, uma vez que eu me queimei com óleo quente e nasceu uma bolha, que mais parecia um mamilo.

 
Um pulso masculino com um mamilo. Se essa imagem te excita, denuncie a si próprio para a polícia. Agora.


Horripilante, sem dúvida. O que o Departamento de Arte da Prefeitura estava pensando quando lançou esse carnaval de horrores sobre a população permanece um mistério. Mas nada é tão horrendo que não possa ficar pior. Um exemplo disso é o seguinte vídeo, que mostra o retrato falado de um perigoso bandido.








Sério. Essa foi a reconstrução artística do meliante. A não ser que o criminoso seja uma versão masculinizada e doentia da Mônica, duvido que alguém consiga encontrar essa pessoa se baseando por esse desenho. Não sei que tipo de qualificações são necessárias para ser um artista da polícia na Bolívia, mas é provável que seja algo como “ter dedos nas mãos” ou “deficiência mental comprovada”. Pelo menos não foi aqui no Brasil, o único consolo nessa história . E no final de tudo isso, fica a mensagem que eu queria mandar desde o começo.
Se é pra sair malfeito, cacete, não faça.

domingo, 8 de agosto de 2010

Domingo é dia de enquete!



Mais um domingo, mais uma enquete encerrada! Confiram os resultados:



1- "Tipos de emprego" - Por Mauro, o galhofeiro. 25%

2- "O caso do cachorro cagão" - Por Andréa Nobre. 29%

3- "Se tem mais de quarenta, agüenta" - Por Alberto Penaforte. 12%

4 - "Irritando Diego Gouveia" - Por Diego Gouveia. 18%

5 - "A construção" - Por Evinha. 18%


De maneira que a vencedora é Andréa e sua aterrorizante história envolvendo ex-namorados, viagens longas e cachorros com desarranjos intestinais. O Blog da Reclamação parabeniza a escritora pelo primeiro lugar no pódio dos convidados reclamadores e convida a todos os que colaboraram que voltem a fazê-lo no futuro!

E já que estamos falando de votação, democracia e tudo isso, o Blog da Reclamação lança uma enquete politizada. Confiram aí ao lado e votem durante a semana!