sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Sugestão de blog: Small Fashion Diary e Beijos e Textos

Mais uma vez o Blog da Reclamação traz aos seus leitores conteúdo de qualidade de outros autores. Dessa vez, extraordinariamente, falamos de dois blogs diferentes, o Small Fashion Diary e o Beijos e Textos, ambos de autoria de Carol Burgo.








O primeiro, como o nome indica, é realmente um pequeno diário de moda, onde a autora exibe suas composições, dá dicas para quem quer ficar estiloso e ainda facilita a vida dos preguiçosos, deixando lá o preço de cada peça e onde compra-las. Quem protagoniza a maioria das fotos é a própria Carol, então não espere ver muita coisa de moda masculina. O que para mim não é problema nenhum. Apesar de não entender muito do assunto, toda a ala masculina da equipe do Blog da Reclamação (incluímos o faxineiro e o segurança) prefere muito mais ver as belas pernas e o sorriso da Srta. Carol Burgo estampando as imagens do que um bando de machos muito mais bonitos que nós e que, pior, ainda sabem se vestir. Francamente, isso é competição desleal. Fizemos uma reunião aqui no escritório do Blog e decidimos que vamos continuar contando com nossas mães para nos vestir, de maneira que o Small Fashion Diary está perfeito do jeito que está.








Já o segundo não tem nada a ver com moda e sim com palavras, coisas com as quais possuo mais familiaridade. Nele, Carol mostra seu lado mais lírico, com textos e poemas que abordam os mais variados assuntos, como relacionamentos, esperanças, decepções, alegrias e mágoas. E algumas reclamações também. E falando nisso, Carol gentilmente permitiu que o Blog da Reclamação reproduzisse aqui um dos seus textos, apropriadamente falando do Réveillon e a absurda quantidade mandigas gerada pelas comemorações de fim de ano. Está logo aí embaixo, então aproveitem esse que provavelmente é o último post de 2010. Aproveitando o ensejo, toda a equipe do Blog (menos Clodoaldo, o estagiário, que foi demitido ontem por me servir vitamina de abacate) gostaria de desejar um excelente Ano Novo para todos os seus leitores. Foram muitos e muitos textos e, esperamos, outros mais virão. Tentamos fazer vocês rirem, esquecerem seus problemas por alguns minutos e, quem sabe, até refletir um pouco. Para aqueles que vão começar 2011 na fila dos desempregados porque foram pegos pelo chefe enquanto liam o Blog da Reclamação no trabalho, desejamos boa sorte e avisamos que a vaga de Clodoaldo continua aberta.

Mas nada de vitamina de abacate, beleza?

Texto de convidado: Mandingas de Reveillon






O ano está acabando e meu otimismo habitual em relação ao ano seguinte, vai se transformando numa angustiante espera que o ano finalmente acabe mesmo, de verdade, e sem suspense. Todo final de ano é a mesma coisa. Eu sempre penso que no ano seguinte uma mudança drástica na minha vida vai acontecer e, aí sim, todos os meus sonhos vão ser realizados e eu vou ser a pessoa mais rica feliz do mundo e consequentemente tudo vai dar certo, e eu vou ser positiva novamente, e o mundo é cor de rosa, e uns passarinhos vão cantar na janela da minha futura mansão. Mas isso é só ano que vem tá? Enquanto o ano se arrasta e não acaba, meu humor é péssimo e a última semana do ano é quase uma TPM.

Para que tudo isso (a felicidade extrema) aconteça, eu sempre insisto em apostar algumas mandingas/superstições de final de ano que, sinceramente, nunca vi funcionar para ninguém, mas que não custa tentar dar uma ajuda ao destino, ainda que essa ajuda seja completamente baseada em lendas inventadas pelas nossas avós ou ainda aqueles deuses todos africanos que todo mundo decide acreditar quando chega o Réveillon.

Calcinha colorida: vermelha pra paixão, amarela para dinheiro, branca para paz. Cada cor de calcinha serve para um desejo pro ano seguinte e, sinceramente, eu quero uma calcinha arco-íris, com todas as cores  mesmo por que eu tô precisando de tudo e até uma mudança de opção sexual não pode ser descartada num momento destes.

Roupa branca: porquê mesmo a gente veste roupa branca? Purificação ocidental ou velório indiano? Sempre consigo perceber que duas coisas podem acontecer por vestirmos a roupa branca. Uma delas é celebrar literalmente a morte de mais um ano e por isso o início de uma nova vida e blá blá blá essa coisa toda Hare Krishna. A outra é você acabar a noite com o vestido todo cagado de mousse de maracujá e vinho tinto.

Peru: tender, chester ou até galeto, seja o que for que tenha asas e penas parece ser uma das opções culinárias mais tradicionais para se comer num Réveillon com toda a pompa e formosura, mesmo que você roa o osso. A única coisa infame que posso dizer disso tudo é que farofa no dos outros é recheio. Eu prefiro bacalhau.

Champanhe: qualquer bebida espumante que não seja fabricada na região nordeste da França, conhecida como Champagne-Ardenne não é champanhe. Você acha mesmo possível realizar algum desejo de ano novo tomando alguma coisa diferente do champanhe tradicional? Você acha mesmo que brindar com espumante Cereser vai fazer a providência divina/Iemanjá (?) achar que você é digno e merecedor de desejos de Réveillon extras, além de todos aqueles que você pede comendo uvas-passas?

Uvas-passas: são 12 uvas-passas que temos que comer no Réveillon para garantir que cada mês do ano seguinte seja repleto de coisas boas, o que me leva à conclusão de que existe uma incongruência nesse procedimento, levando em consideração que, para mim, o que estraga o arroz à grega é a uva-passa, o que estraga o bolo de frutas secas é a uva-passa e que o que estraga a uva é o fato dela se transformar em passa.

Trevo de quatro folhas: é sempre bom andar com um para garantir sua sorte o ano inteiro e quiçá a vida toda. Mas bom mesmo é você aprender a desenvolver as técnicas de cultivo necessárias para que, ao crescer sob uma temperatura média de 25º centígrados com bastante chuva e pelo menos 8 horas diárias de escuridão, o trevo desenvolva essa incrível anomalia de se dividir em quatro folíolos ao invés dos habituais três. Isso sim, é garantir sua sorte para toda a vida e uma vida de agonia para um trevo. Seguindo a máxima da lei do retorno, do “aqui se faz, aqui se paga”, dos ditados “quem com ferro fere, com ferro será ferido” ou outra qualquer filosofia de buteco que sugira que o que vai, volta, eu prefiro manter o trevo com três folhas, de preferência plantadinho na terra, em vez de trancado dentro da minha carteira. Vai que né...

Fitinhas do Nosso Senhor do Bonfim da Bahia: esse pedacinho de pano enrolado no pulso onde todos os anos, há muitos anos, eu deposito todas as minhas esperanças em relação ao meu futuro papel na sociedade. Três nós e três desejos que todos os anos eu peço exatamente a mesma coisa: me formar, casar, ter filhos. Meus desejos são bem rasos e eu nunca pedi o fim da violência ou a paz no mundo o que me leva a crer que sou meio egoísta há uns 25 anos. O problema dessas fitinhas é que você não pode tirar. Elas têm que se desgastar e arrebentar sozinhas e, acho que por isso, meus desejos nunca se realizaram completamente. Sempre rolava um casamento pra ir e a pulseira estragava minha roupa de princesa o que me fazia ter que arrancá-la ainda no primeiro trimestre do ano. Resultado: até hoje só me formei mesmo e por que fui muito teimosa e isso me dá a oportunidade de, em 2011, pedir outro desejo diferente do da formatura. Eu vou pedir riqueza já que o dólar na minha carteira não está funcionando.

Um dólar na carteira: por falar em dólar, alguém inventou que andar com um dólar na carteira atrai dinheiro. Na verdade a única coisa que faz é nos dar a sensação psicológica de que ainda tem dinheiro na carteira quando, na verdade, você tem no máximo 25 centavos pra dar pro flanelinha. O dólar na sua carteira tem a função de fazer você achar que é próspero e achando isso você está “mais próximo” de ser do que aquele que se acha um miserável. Uma linha de pensamento maravilhosa que dá certo até o momento em que você quer comer uma coxinha, ou pegar um ônibus por que seu carro quebrou e não tem 1 real sequer pra pagar. No final das contas o que faz de você rico e próspero no Brasil é ter vários reais (moeda corrente do país) na carteira, ao invés de dólar.

Flores pra Iemanjá: Réveillon no Brasil é mesmo lindo. Todo mundo reza suas orações cristãs e depois corre pra praia pra jogar algumas flores pra Iemanjá, deusa do mar, orixá do candomblé, rainha pagã dos mares, na imensidão da praia de Boa Viagem, unindo duas religiões que, em tempos de Inquisição, com certeza ia ter gente ardendo numa pira escandalosa. E o que se faz quando se jogam as flores? Se fazem pedidos de novo. Por que o Réveillon é uma grande oportunidade de encher as instâncias superiores de pedidos inatendidos. Mas ao invés de flores você pode jogar outras coisas no mar, como: latinhas de cerveja, copo plástico, rolhas do espumante Cereser que não vai te garantir pedidos, sacos plásticos de Bompreço da farofa que você levou pra praia ou pedaços do isopor que seu tio bêbado sem noção quebrou quando decidiu cair sentar em cima.

Pular 7 ondinhas: por que em Boa Viagem você pode pular ondinhas ou dejetos daquela que é a noite mais nojenta da praia em Recife e ainda fazer mais alguns desejos, de preferência pedir pra não pegar nenhuma doença depois de molhar seus lindos pezinhos de unhas feitas na imundície da água que Iemanjá vai sofrer pra limpar. Daí as ondas né, uma tentativa frustrada da rainha do mar de devolver para terra as oferendas indesejadas que mandaram pra ela.

Então o ano está acabando e eu tenho que me preparar para o ritual das mandingas que nada têm feito para mudar a minha vida a não ser a de, todos os anos, dar uma guinada de 180º na minha existência o que dá para perceber, se você alguma vez prestou atenção nas aulas de geometria, que eu sempre vou e volto pro mesmíssimo ponto. 180º. Com certeza devem existir outras simpatias de final de ano, fora aquelas de tomar banhos de várias espécies, mas este ano, só mais uma vez, pode ser que eu tome banho, corajosamente, na praia de Boa Viagem, pule 7 ondinhas, jogue flores para Iemanjá, brinde o ano novo com espumante Cereser, recoloque meu dólar na carteira, procure incansavelmente um trevo de quatro folhas, me vista de branco, compre uma calcinha amarela, coma 12 uvas-passas e amarre, de novo, aquela fitinha do Bonfim amarela fluorescente que eu sei que agora mesmo em janeiro, vou ter que desamarrar. Mais uma amiga vai casar.


Por Carol Burgo

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Patetas


Bairrista como sou, preciso admitir que existe uma coisa que eu detesto no Recife: a maneira como as pessoas dirigem. O motorista nativo parece ter sido treinado na autoescola do inferno. Para o recifense médio, carros são verdadeiras armas de destruição em massa enquanto pedestres não passam de quebra-molas ambulantes e um pouco mais escandalosos. Todos sabem da sensação de poder trazida pela direção e ela é diretamente proporcional ao tamanho do carro. Donos de Fuscas e Pálios costumam ser pessoas mais tímidas, até certo ponto apegadas às leis do trânsito. Desconfie dos motoristas de grandes veículos, como Pajeros e caminhonetes tipo D-20. São maníacos ao volante, esperando apenas a oportunidade de esfregar sua pretensa superioridade na sua cara, de preferência utilizando o para-choque do veículo. Some-se a isso o agravante da regra geral da proporção inversa acerca da genitália do motorista e têm-se aí a mais perfeita receita para um desastre: agressividade, arrogância e falos de dimensões ridículas.

O conceito de direção defensiva é inexistente enquanto a faixa de pedestre não passa de uma semiesquecida lenda urbana. Sinais amarelos não significam “Diminua” e sim “Acelere antes que o urso pule pela janela do seu quarto”. O sinal de troca de faixa só é dado depois que a manobra foi realizada, uma forma de esculachar ainda mais o motorista que acabou de ser trancado, mas que faria a mesma coisa se tivesse a oportunidade. A única forma de comunicação é a buzina, ininterrupta, invasiva, seja para a velhinha que atravessa a rua penosamente, seja para o coletor de lixo fazendo seu trabalho durante as quentes madrugadas recifenses. O trânsito, por si só caótico, assume um ritmo decididamente insano graças aos motoristas locais. E a tendência é piorar.

Buscando mostrar aos leitores como funciona o tráfego da capital pernambucana, porém sem expor os mesmos aos seus perigos constantes, me deparei com um velho vídeo que mostra que o problema é antigo, muito antigo. Parece, mesmo, que não é exclusividade do Recife. E o desenho animado, sincero como todo desenho animado deve ser, mostra bem que, atrás da direção de um carro, somos todos uns patetas mesmo.









Não seja um pateta. Deixe seu carro em casa. 

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Moço...

Com o advento do celular, hoje em dia quase ninguém anda por aí com os velhos relógios de pulso. Não é que as pessoas usem o relógio para se comunicar, claro. Só quem faz isso é o Dick Tracy. 



 E com muito mais estilo do que você ou eu.



Elas utilizam o aparelho móvel como relógio mesmo. É por isso que os poucos anacrônicos que insistem em trazer as horas no punho acabam chamando uma atenção indevida. O ser humano parece possuir uma linha de comando impressa em seu DNA que o impele a perguntar as horas sempre que conseguir identificar um semelhante portando um relógio. Quando ando pelas ruas com o meu velho reloginho digital preto e laranja, comprado na Praça do Diário de um negociante de produtos escusos, costumo ser constantemente assediado por transeuntes que parecem não ter nada melhor para fazer do que perguntar “Moço, que horas são?”. Todo mundo pede as horas. O vigia da obra pede as horas. A mulher do vizinho pede as horas. O flanelinha da padaria pede as horas. O mendigo, que não tem horário para nada, pede as horas. E ainda se queda pensativo, em sua caixa de papelão de geladeira último modelo, depois de ouvir a resposta.

Dia desses, andava de bicicleta, atrasado para o trabalho quando uma velha senhora, descabelada e aflita como apenas as velhas senhoras conseguem ser, surgiu na calçada, braços abertos, berrando com voz rouca “Moço, moço!”. Desesperado, dei uma rabeada na bicicleta, capotei no meio-fio e desviei, por pouco, da panela de pamonha fervente da moça da esquina. Corri em direção à velhinha, ignorando a merda de cachorro que eu havia acabado de pisar, já preparado para prestar auxílio à pobre criatura.


- O que foi, minha senhora? É o coração? É a osteoporose? É o coração, meu Deus do céu?!

- Moço...

- Diga, mulher de Deus, diga!

- ...que horas são?

- ...


Sim, passei a defender a eutanásia de idosos depois desse dia. 



 Por esse e por outros motivos.



Mas não foi o único susto que eu levei por causa do relógio. Estava eu dirigindo, à noite, quando parei o carro em um cruzamento pouco movimentado. A falta de ar-condicionado no veículo e o calor sobrenatural do Recife sempre levam a melhor sobre meu instinto de autopreservação, de forma que costumo dirigir de janela aberta. Surgiu um motoqueiro ao meu lado. Tenso, estava a ponto de subir o vidro da porta quando o homem se voltou em minha direção, os olhos dentro do capacete faiscando. Apoiou-se na janela do carro e foi enfiando a cabeça para dentro do veículo. A meio caminho de borrar minhas calças, já ia contabilizando as minhas perdas, ao mesmo tempo em que pensava em formas de manter minha dignidade naquela situação adversa.


- Moço...

- Pelamordedeus, leve o que o senhor quiser, só não me mate! Minha mãe tá em casa prostrada numa cama, ela só tem a mim, o que já não é muita coisa, mas é melhor do que nada e se o senhor me matar, ela também vai morrer e vai ser duplo homicídio porque...

- ...que horas são?

- ...


Passei a odiar todo aquele que me perguntasse as horas. E muitas oportunidades para odiar me foram dadas. Caminhava para casa quando fui abordado por um sujeito de aparência suspeita, trajando o uniforme de alguma das torcidas organizadas da cidade. Tinha o aspecto sinistro daqueles que já não têm mais nada a perder.


- Moço...

- MOÇO É O CARALHO! É O RELÓGIO, NÉ? É A BOSTA DO RELÓGIO!

- O que é isso, moço?! Sou bandido não! Eu só queria saber...

- ...A HORA! QUERIA SABER A MERDA DA HORA, NÉ? POIS ENTÃO TOMA! SOCA ESSA PORRA NO CU! ENTENDEU? NO CU!

- Cremdeuspai, moço...

- TE FODE!


Joguei o relógio no peito do pobre homem e saí, transtornado, pela rua. Lançava olhares furiosos para as pessoas e as únicas coisas que passavam pela minha mente eram morte e destruição, de preferência envolvendo grandes relógios de parede. Do outro lado da via, uma mulher acenou desesperadamente. Senti meu sangue pulsando nos ouvidos e, tomado por pensamentos assassinos, me voltei em sua direção. Súbito, lembrei que havia me livrado do relógio amaldiçoado alguns minutos antes. Olhei para a mulher em prantos e, aliviado, verifiquei que era apenas a sua casa pegando fogo. 

Sorri o meu melhor sorriso, acenei alegremente e segui assoviando em direção à minha casa.