sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Sexta-feira dos convidados: Recusa [ou Refusal]





Antes eu vivia em paz. Ela acabou quando o Sr. Toscano me pediu que escrevesse um texto para o seu Blog da Reclamação. Porque no início ele pediu, humildemente. Com o tempo, como se eu tivesse feito um juramento solene de que atenderia, passou a me exigir o texto com crescente intransigência.

            Serviu-se para tanto de todos os mails ao seu alcance. Não bastasse isso, atulhou-me de recados no Orkut e no Facebook, mensagens no Twitter e no MSN. Era onipresente na internet. Eu só podia pensar que dedicava o dia inteiro a me exigir o que eu não tinha prometido, o que definira singelamente como uma breve reclamação, o relato de uma situação em que eu tivesse me dado mal.

            Entretanto, só comecei a ficar preocupado de verdade quando no lugar dos anúncios pornográficos e pop-ups de promoção passei a ver a imagem de Fred, ou melhor, do Sr. Toscano com o indicador voltado na minha direção e aquele olhar de inquisidor que até seus desconhecidos conhecem, sucedida pelo relampejar das seguintes palavras na tela: “João, cadê meu texto?”

            No dia em que assisti Inception, notei que as pessoas olhavam pra mim na rua como se eu fosse um elemento exógeno, um alienígena disfarçado, o oitavo passageiro. Uma delas, ao esbarrar em meu ombro, chegou a sussurrar de forma agressiva: “João, cadê meu texto?”, depois do que piscou os olhos como quem retorna de um transe, pediu desculpas e prosseguiu.

            Ainda bem que o filme não foi Matrix, ou eu teria passado a ver em todo mundo o abominável rosto do meu próprio Mr. Smith, a saber, o Sr. Toscano – não se deixe enganar pelo ar de simpática franqueza da foto no topo do blog –, me perguntando “Onde está o meu texto, Sr. Parisio?”. Desconfiei que ele, que foi meu colega no ensino médio e ainda se passa por meu amigo, tivesse se tornado uma espécie de Big Brother, entidade supra-humana capaz de infiltrar-se em nossas intimidades e vergar nossas vontades a suas decisões, como um certo personagem da Bíblia.

            Sempre achei que a ranzinzice de Fred, digo, do Sr. Toscano – um rematado reclamão, como ele mesmo agora reconhece, mas não sem reclamar antes –, fosse o disfarce de um complexo de auto-idolatria que o faz ver tudo à sua volta como sendo pérfido, espúrio e inferior. Não é improvável que ele tenha vendido a alma ao Diabo em troca de uns parcos poderes demoníacos.

            Era possível, contudo, que eu estivesse apenas sonhando, o que me levou à óbvia conclusão de que nesse caso o Sr. Toscano estaria tentando implantar nas profundas de meu subconsciente a semente da ideia de que eu devia e precisava escrever um texto para o seu aclamado Blog da Reclamação.

            Vou comprar uma carrapeta – aquilo não é um pião, seu burro [suspeito que essa tenha sido uma inserção do próprio Sr. Toscano] – pra fazer o teste, mas se eu verificar que tudo isso não passa de um sonho do qual ainda não acordei, quero avisar ao Sr. Toscano que com respeito ao famigerado texto agora é que eu não escrevo mesmo, nem que isso me custe cair no limbo do esquecimento, o inferno que assola os pesadelos de todo escrivinhador.



Por João Paulo Parisio, sem acento, escritor e editor da revista literária Pensamento. Quando não está sendo perseguido por mim em seus sonhos, também atualiza seu blog. Bem de vez em quando.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Um dia bom





Estava contrariado. Havia chegado ao Shopping, na Zona Sul, depois de mais uma vez ter sido quase atropelado por um motorista que não considera os ciclistas como membros integrantes da raça humana. Saíra de casa após outra das frequentes brigas que costumo ter com minha mãe. Havia ido ao banco, na tentativa de sacar uma quantia muito necessária naquele momento, apenas para passar mais de uma hora na fila e descobrir que, afinal, havia algo errado com o meu cartão e eu não poderia ter acesso ao meu dinheiro naquele dia. Meu MP3 Player jazia morto no bolso da minha calça surrada, me abandonando ao convívio entre sons e ruídos que invadiam meus ouvidos e tinha, então, todos os meus sentidos agredidos pela balbúrdia civilizada dos centros de compras, a tagarelice das pessoas ao meu redor se acumulando à minha volta, substituindo o oxigênio necessário à vida e me sufocando em um mar de palavras vazias e frases desconexas.

Olhava ao redor em uma fúria muda, um câncer que crescia a partir da boca do estômago e forçava minhas artérias, fazendo com que meu coração batesse louco, espalhando os tentáculos da ira por todo o meu corpo. Crispei as mãos, enfiando as unhas na carne das palmas, sentindo a dor aguda ser abafada pela revolta. Queria gritar. Queria avançar nas pessoas, ensandecido, cuspindo impropérios, agredindo, causando dor. Queria tirar a raiva de dentro de mim e entrega-la às pessoas que falavam e falavam sem parar dentro do Shopping.

- Psiu.

Virei-me, raivoso, disposto a descontar em quer que fosse os sentimentos que me tomavam o raciocínio naquele momento. Na minha frente, segura atrás de um cercado colorido, uma menininha se agarrava à grade que separava a creche das pessoas que passavam pelo corredor, apressadas. 

- Psiu. Moço! Ei, moço!

Me aproximei, carrancudo, da garotinha trepada na cerca, ignorando as outras crianças e sendo por elas ignorada, concentradas que estavam em suas brincadeiras infantis.

- O que é? – Perguntei, grosseiro. Devia ter cerca de seis ou sete anos de díade. Tinha longos cabelos castanhos e enormes olhos amendoados. O narizinho era marcado por manchas de sardas. Ela me olhou compenetrada, quase adulta e respondeu:

- Moço. Se o senhor quiser, quando eu crescer, eu namoro com o senhor.

Ela sorriu um sorriso banguela e me soprou um beijo através da grade de metal. E então, como se já tivesse descartado do pensamento aquele homem rude e mal-educado à sua frente, virou-se e correu a brincar entre as outras crianças, perdendo-se em uma floresta de brinquedos coloridos e risadas agudas.

E subitamente, a raiva que crescia dentro de mim parou seu avanço. Retrocedeu e resumiu-se em nada, como se jamais houvesse existido e nunca pudesse retornar. Retornou, muitas e muitas vezes depois, mas naquele momento, aquela oferta inocente feita pela garotinha desconhecida pareceu anular todos os absurdos, todas as injustiças mesquinhas as quais me sentia submetido todos os dias e naquele mais do que todos os outros. Atordoado por aquele beijo efêmero, soprado à minha bochecha através do cercado da creche, me dirigi à saída, não mais preocupado com os motoristas homicidas ou com os caixas eletrônicos reticentes. A vida, afinal, devia ter lá o seu sentido. Não sabia bem qual, mas devia ter. Em um instante, fugidio, cheguei muito perto de descobrir. 

Sorri. Um sorriso besta, atarantado, ilógico. Sorri para mim mesmo, sorri para quem precisava e sorri até para quem não merecia. Sorri apenas. Aquilo me bastava e bastava ao mundo.

Uma semana depois, voltei ao Shopping e procurei a creche, buscando ouvir a zoada das crianças e suas risadas infantis. Mas não havia mais nada. O cercado colorido havia desaparecido e se retirado do espaço que anteriormente ocupava, levando consigo a alegria das crianças e um pedaço do meu sorriso.

Esse pedaço eu nunca mais recuperei.


segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Especial Dia do Sexo: O limite de um homem




Essa história, acredite se puder, é verdadeira. Ou quase.

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O casal cheio de tesão consegue chegar até o quarto com as roupas mais ou menos intactas. O homem sussurra algo no ouvido da companheira, que sorri e se ajoelha. O rapaz fecha os olhos em expectativa enquanto a garota se aproxima, abre a boca e nela coloca uma pastilha. Havia lido, em algum lugar, que aquele procedimento causaria um frêmito de prazer inédito no parceiro e logo procedeu a uma sessão de sexo oral. Enquanto labutava, lançava olhares de esguelha ao rosto do homem, bem acima de sua cabeça, tentando adivinhar-lhe a disposição. 

Ele mantinha os olhos cerrados, mordia os lábios e gemia suave e constantemente. Seu rosto começou a se contrair mais e mais, em uma careta mais ou menos cômica à qual ela já estava acostumada. A garota aumentou o ritmo, igualando-o ao dos murmúrios do seu par, que já começava a apresentar um tom avermelhado no rosto, transpirando abundantemente. Finalmente, ele estremeceu de maneira quase convulsiva e gritou, afastando a cabeça da garota:

- TÁ QUEIMANDO!

- Oi?

- AHHHHHHHH, TÁ QUEIMANDO!! QUE PORRA É ESSA?! – Berrou o rapaz transtornado, dobrando-se sobre o órgão afogueado.

- Opa...será que...será que foi o Halls preto? – Perguntou sua companheira, inocentemente.

- HALLS? TU CHUPOU UM HALLS ANTES? E PRETO?! QUE PORRA DE IDÉIA FOI ESSA? – O homem agora corria enlouquecidamente pelo quarto, a face adquirindo um estranho tom violáceo. Cego pelas lágrimas de agonia, esbarrava em todos os móveis do ambiente.

- Meu amor, calma! Pera que eu vou ajudar! – Dizendo isso, a mulher saltou agilmente por cima da cama e correu até o banheiro, retornando de lá com as mãos em concha e cheias d’água da torneira. Quando o namorado, ensandecido de dor, passou pela sua frente, ela atirou o líquido sobre o membro inflamado.

- AAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHH! PIOROU! PIOROU! – Urrou o rapaz, ao ter a região genital encharcada em umidade gélida. 

- Olha amor, tá caindo a pele toda! Eca!

Aquela visão foi demais para o rapaz. Sentiu as pernas fraquejarem e tombou no chão frio do quarto, inconsciente. Despertou na manhã seguinte, sobre sua cama e vestindo seu roupão. Súbito, a memória da noite anterior lhe veio à mente e ele tateou cuidadosamente entre as pernas. A sensação de ardor havia desaparecido, mas a área continuava sensível. Nem sinal da namorada. Tentava decidir o que fazer, quando a empregada, que possuía a chave do apartamento, entrou em seu quarto.

- O senhor tá bem?

- Hmm? Oi, tô, Zefinha...tô melhor.

- Graças a Deus. Sua namorada foi embora logo cedo, toda apressada. Mas ela me explicou o que aconteceu, viu?

- Ela...ela explicou, foi?

- Ela falou da cobra que apareceu.

- Oi, cobra?

- Por isso que tava essa bagunça o quarto. O senhor revirou tudo tentando matar a bicha! 

- Ah...foi. Foi. Isso mesmo, Zefinha. Uma cobra. Daquelas bem...daquelas bem grandes, sabe?

- Ah, o senhor não me engana não! Eu achei o couro dela no chão do quarto! Era uma cobrinha pequenininha, desde tamanhinho. Parecia mais uma minhoca, fazia até pena, rapaz.

- ...

- O senhor tá bem?


Naquele mesmo dia, acabou o namoro e demitiu a empregada. 


Afinal de contas, todo homem tem seu limite.


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Uma homenagem do Blog da Reclamação ao Dia do Sexo que, como quase tudo hoje em dia, tem até seu próprio site, patrocinado, compreensivelmente, pela marca de camisinhas Olla.

E você, gostou do texto? Pois então vá comemorar esse dia tão especial, saia da frente do computador e vá transar.

domingo, 5 de setembro de 2010

Domingo é dia de enquete!


Encerrando mais uma votação para escolher o melhor escritor convidado! Os resultados seguem abaixo:



1- O almoço e a não moça, por @Lucas_Emanuel. (20%)
 
 
2- O self-service que quase acabou em Buffet, por Mariana D'Emery (0%)
 
 
3- Cearês, por Saulo Toscano (70%)
 
 
4- Dízimo com quem andas e te direi se pago, por @Gustavo_C (10%)
 
 
 
Uma vitória esmagadora de Saulo Toscano, portanto. Sei não, algo me diz que ele teve uma pequena ajuda de, tipo, o estado do Ceará inteiro! Já ando pensando até em abrir um filial do Blog da Reclamação lá em Fortaleza, mas como dizem que não há muito o que reclamar da cidade, a sucursal ia acabar falindo.
 
Então é isso, já já sai a nova enquete e amanhã tem texto novo, não deixem de acompanhar!