quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Stay home, motherfucker








É inverno. O professor de inglês respira profundamente, já antevendo todos os problemas que essa estação do ano sempre acarreta em sua profissão. Sentado na sala de aula, aguardando os alunos, brinca com a ideia de que conseguirá passar mais alguns dias com sua saúde intacta. Uma noção ingênua, ele sabe, mas sempre existe a possibilidade de que os estudantes tenham o bom senso de se manter em casa, preferencialmente isolados em algum porão hermeticamente selado, enquanto se tratam de quaisquer das viroses que se multiplicam como hamsters sob o efeito de Viagra nessa época do ano. Professores costumam apresentar o próximo passo evolutivo em termos de sistema imunológico, já que passam seus dias em ambientes fechados, expostos aos mais vorazes e exóticos microrganismos presentes no planeta e, possivelmente, vindos do espaço sideral. É difícil encontrar uma moléstia que um educador não tenha enfrentado e vencido, ao menos depois da quinta ou sexta contaminação bacteriológica. A resistência desse profissional chega, algumas vezes, a alcançar níveis folclóricos. Dentro da profissão, comenta-se que, caso o mundo sucumba a um apocalipse nuclear, apenas as baratas e os professores sobreviverão, com ambas as espécies se acasalando depois de alguns anos de convivência forçada.

Com alguns minutos de tempo de aula já iniciados e ninguém a vista, o professor se permite relaxar. Está quase baixando suas defesas quando escuta um grunhido rascante, úmido e ritmado, como se uma porca epilética estivesse tentando dar a luz dentro de uma bacia cheia de maionese. Lentamente, a porta se abre e, para horror do instrutor, surge um aluno que mais parece ser o receptáculo de todas as doenças conhecidas pela humanidade, além de mais algumas ainda não divulgadas. Lentamente, a criatura deplorável se arrasta para dentro da sala, murmurando um “gudi bordin” engrolado. O professor de inglês fecha os olhos por alguns momentos. Entende que alguns alunos levam bastante a sério seu aprendizado e até aplaude o esforço dos mais comprometidos. Mas para tudo existe limite. Que espécie de lógica distorcida leva um ser vivo que deveria estar dando os últimos retoques no seu testamento a se manifestar em uma sala de aula, quando poderia estar em casa descansando e bebericando coquetéis de medicamentos? Seria algum tipo de obsessão psicótica? Promessa a Xangô? Possessão demoníaca? Ou simplesmente um apego desumano pelo valor investido nas mensalidades?

O aluno desabou pesadamente na banca, a coriza escorrendo incessantemente do seu nariz e formando uma espécie de cavanhaque ao redor dos seus lábios pálidos, os filetes de gosma se encontrando na ponta do queixo e derramando-se em uma goteira que deixava rastros desde a entrada da escola. Os olhos pestanejavam lentamente, quase imobilizados pela remela amarelada que se acumulava nas pálpebras inchadas. A tosse constante agitava o corpo da desgraçada criatura, que mal conseguia permanecer ereto em sua cadeira. O professor de inglês manteve distância. Talvez, evitando ao máximo o contato físico e terminando a aula um pouco mais cedo, fosse possível escapar dos germes que, naquele momento, pareciam prestes a se organizar em gangues. Respirou fundo e abriu a boca para iniciar a aula. Foi então que o aluno começou a exibir caretas medonhas, as feições distorcidas por algum mal não anunciado. O professor deu um passo para trás, assustado. O ser a sua frente parecia prestes a sofrer uma síncope, emitindo urros ritmados enquanto seu rosto se transformava em uma máscara convulsionada e rubra. O instrutor estava prestes a correr para a porta quando o aluno finalmente espirrou. Saliva, bactérias e, provavelmente, pedaços de pulmão foram parar em seu rosto lívido. 


- Sorry, teacher.


O professor limpou os olhos cobertos de meleca esverdeada e sentiu que algo dentro de si se partiu.


- Foda-se essa merda.

- Teacher?

- Foda-se essa merda! Não aguento mais! Nem insalubridade a gente ganha nessa porra! Vou procurar algum emprego mais seguro! E você, filho da puta, tomara que essa gripe vire uma pneumonia e que depois você caia num buraco e ainda morra queimado lá dentro! Queimado e com pneumonia! Tome no cu!


E saiu para nunca mais ser visto naquela escola. Dizem que hoje ele vive muito mais feliz e tranquilo em seu novo trabalho.

Se tornou policial no Rio de Janeiro.