sábado, 8 de maio de 2010

Calor do cão II




Recife é quente em todo lugar, mas dependendo de onde você mora, a coisa piora. Quando se vive em um apartamento na beira-mar de Boa Viagem, no 35º andar e tem-se a brisa marinha invadindo os cômodos e o azul do mar sem fim como proteção de tela da sua varanda, o calor é bem mais manejável.
Não é o meu caso.
Moro num conjunto formado por dois prédios de três andares cada um, na beira-canal, um endereço um tanto quanto menos nobre do que o citado acima. Aqui,a gente reza pro vento não vir do lado do Oeste. Quando isso acontece, é preciso abandonar o apartamento às pressas ou recorrer a máscaras de gás. O nome do meu prédio é Feitor. Fica ao lado do edifício Escravo. Não, é sério. Sério. Caralho, já falei que é sério. Não tem elevador, de maneira que sair de casa é sempre um exercício. Foi visitar um amigo ali perto? Descer escada, subir escada, banho. Vai comprar pão na esquina? Mesma coisa. Esqueceu a carteira na padaria? Se fudeu, já levaram, melhor nem sair de casa mais.
O conjunto é virado para o Norte, com o nosso apartamento no lado poente. O calor se acumula nas paredes durante a tarde e irradia pelos quartos durante a noite, em forma de microondas. Tenho certeza de que já estou estéril. Pra escapar, só indo para o janelão da sala. Que vai dar direto na lavanderia do vizinho do edifício Escravo. Nada como ter cuecas sujas e alheias como paisagem. A cozinha toda é um forno só. Não precisa usar o fogão, basta deixar a comida fora da geladeira que fica tudo pronto, espontaneamente. Demora mais um pouco, mas funciona, já testei. O quarto de empregada é considerado fora dos limites de habitabilidade humana. Nada pode viver lá, com a exceção de alguns poucos microrganismos que prosperam em temperaturas inaceitáveis para criaturas pluricelulares. Não sei se alguém já viveu nessa estufa maligna, mas às vezes, nas noites mais quentes de Verão, tenho a impressão de ouvir barulhos estranhos e lamentos sobrenaturais vindos daquele quarto. Alguma empregada já  bateu as botas ali. E não perdoou. Possivelmente, derreteu até a morte e seu ectoplasma fundiu-se ao cimento das paredes. Por isso que esse apartamento saiu tão barato.
Mas enfim, chega de reclamar. Falemos de soluções. Até porque, eu prometi. Bem, é evidente que o calor seria ao menos medianamente dissipado caso houvesse vento circulando no apartamento. O problema é que, por motivos além da minha compreensão, as correntes de ar desviam daqui. Sério. Elas passam pelo lado de fora da janela e vão pra outros lugares. Ou voltam por onde vieram. Ou ficam apenas lá, observando, de sacanagem mesmo, sem nunca entrar. É por isso que desenvolvi o hábito de dormir ajoelhado em uma cadeira encostada na janela, com a cabeça e os braços jogados pra fora, ao alcance da brisa. Admito que existe uma série de problemas de ordem ortopédica e de segurança em relação à esse posicionamento. Pode ser desconfortável quando chove. Às vezes acordo cagado de pombo. Mas entre isso e cozinhar em meu próprio suor, vou pela primeira opção. Porém, só por segurança, se for fazer isso na sua casa, amarre uma corda na sua perna e conecte-a à sua cama.
Vai que tu é sonâmbulo.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Calor do cão




Talvez nem todos vocês saibam, mas nas horas vagas eu faço experiências científicas com o objetivo de melhorar a qualidade de vida da humanidade de maneira geral e do povo do Recife especificamente. Ultimamente, venho me concentrando no problema que mais fustiga os espíritos já alquebrados dos pernambucanos da capital, uma bronca tão pesada que nem toda aquela bomba de cavalo que Cardinot injeta na virilha consegue resolver.
Se você chutou que esse problema é “calor do cão que me afoga em meu próprio suor a me faz ter vontade de assassinar pessoas aleatórias”, acertou. É exatamente isso. As altas temperaturas afetam de forma decididamente negativa a vida diária dos recifenses, obrigados a tomar uma média de 9 banhos diários, que fazem com que as pessoas desbotem feito aquelas camisas de R$ 5,99 que se compra na Cattan. Quer dizer, que vocês compram, eu não. Só compro no Mercado São José. E só adquiro minhas cuecas no brechó. Gosto que minhas roupas íntimas tenham uma história pra contar. Mas eu divago, eternamente. Sim, o calor. Calor este que desodorante nenhum dá vencimento. Cristo só morreu na cruz porque nunca teve que pegar ônibus no calor do Recife. Sorte dele, via crucis mesmo é agüentar o Candeias/Dois Irmãos do começo ao fim. Nessa quentura infernal, todos fedem. O motorista fede. O cobrador fede. O pedreiro gordo e suado, empanado em uma grossa camada de cal fede pra caralho. Aquela boysinha que estuda Direito na Católica, super gostosa, que você sempre quis pegar? Velho, na moral, espere o Verão acabar antes de chegar nela.
E ninguém tá nem aí, porque não há mesmo muito que se possa fazer. Ou será que tem? Nos próximos posts, tentarei oferecer soluções criativas para sobrevivência básica a esse mormaço assassino que toma conta da nossa cidade.
Fiquem ligados e não invistam num ar-condicionado por enquanto.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

A porta


Me levantei da banca e deixei a sala de aula. Lá dentro, o professor explicava, com seu sotaque quase cômico, que os artigos, em alemão, simplesmente não possuíam regras. Me pareceu a hora perfeita para usar o banheiro, uma vez que, ausente de regras, uma explicação torna-se um mero exercício de memorização. E isso podia esperar até que eu voltasse do sanitário. Caminhei pela fileira homogênea de armários de metal, passando pela banheiro feminino, buscando chegar ao seu equivalente masculino, em direção diametralmente oposta.
Nada.
Um tanto confuso, refiz meus passos até o inicio da galeria de armários. Encontrei o banheiro feminino e voltei pela direção oposta, agora mais lentamente. Mais uma vez nada. Apenas fileiras intermináveis de armários metálicos perfeitamente simétricos. Estéreis.
O banheiro masculinho simplesmente não estava lá.
Fiquei em pé, confuso, meu cérebro tentando formular explicações racionais para uma situação tão bizarra. Nenhum som escapava das salas de aula do CAC agora. Não havia o ruído de estudantes conversando ou de pés se arrastando pelos corredores. Envolto pela penumbra criada pelas velhas lâmpadas que se esforçavam, quase em vão, para expulsar a noite daquele local, meus ouvidos começaram a registrar aquele inusitado silêncio. Havia uma estranha imobilidade no ar, uma calmaria expectante. O olho do furacão. Ansiosos, os armários me observavam com seus cegos olhos de metal. Foi então que percebi. Estava bem na minha frente, todo aquele tempo. Me esperando.

Um armário, como todos os outros, e atrás dele, uma porta. Intrigado, afastei a peça de mobiliário, que ofereceu pouca resistência aos meus esforços. Parecia querer se mover e revelar o que escondia atrás de si. Era, de fato,a entrada para o sanitário masculino. Estaquei, em dúvida. Por que a porta do banheiro masculino estaria oculta daquela forma? Quem faria tal coisa? O silêncio ao meu redor havia evoluído para um pulsar cadenciado, reverberando em meus ouvidos. Um ritmo surdo, que se espalhava pela minha pele, ossos, sangue e coração. Estendi a mão suada e abri a porta.

Dentro, escuridão total. Uma réstia de luz corajosa ousava invadir aquele negror, revelando uma parte dos lavabos e o espelho na parede em cima deles. Meu reflexo parecia estranho, pouco definido. Não natural. Fitei meus próprios olhos, buscando conforto e familiaridade e encontrei apenas escuridão. O pulsar tornava-se mais alto, me impelindo a avançar em direção as trevas. Dei um passo para dentro. Mais outro. Com os olhos adaptados à ausência de luz, consegui identificar, à minha direita, a fila de cabines individuais de sanitários, suas portas escancaradas. Menos uma.
O pulsar pára, repentinamente. Meu olhar é irresistivelmente atraído para aquela porta cerrada. Me aproximo, devagar. Ergo a mão e toco a superfície estranhamente fria da madeira. A luz atrás de mim parece morrer aos poucos, agonizando, desistindo de lutar. As trevas não aumentam, ficam apenas mais densas, quase palpáveis. Me envolvem como uma teia de escuridão, tecida por algo antigo, uma coisa sem explicação, grávida de malícia, uma mente dominada por propósitos por demais alienígenas para que a mente humana possa ao menos começar a compreender. Sinto o meu cérebro ser invadido por visões de horror indescritível, uma torturada existência afastada da luz e do calor, eternamente vagando por intermináveis corredores repletos de armários enferrujados, para sempre encontrando aquela porta oculta, revelando segredos sombrios que pessoa alguma jamais deveria conhecer.
Páro. Caminho lentamente para trás. O pulsar retorna, urgente. Chamando. Implorando por mim. A luz parece renovar-se, fazendo com que as sombras abandonem, apressadas, seus esconderijos infectos. Viro-me para a passagem e saio do banheiro. Lá dentro, ouço a cabine do sanitário se abrindo lentamente. Com as mãos trêmulas, fecho a porta do banheiro. O pulsar agora é um tambor, rufando no ritmo do meu coração descompassado. Por baixo da horrenda pulsação, um som de arrastar, bizarro e, ainda sim, estranhamente familiar, como que saído de alguma região primitiva do meu cérebro, dormente, porém jamais esquecido. Em pânico, tento recolocar o armário no lugar. O mobiliário, antes tão leve, agora encontra-se pesado, obstinadamente imóvel. O pulsar é insuportável. Sinto que a coisa está quase chegando à porta, sua presença imunda roubando a força das minhas pernas. Desesperado, jogo meu corpo contra o armário, sentindo uma dor aguda causada por suas protuberâncias metálicas.
A pulsação pára. O som de arrastar desapareceu. Olho ao redor e vejo que me encontro no início da fileira de armários. A luz, antes mortiça, agora se espalha saudavelmente por todo o local. Ao longe, escuto o tagarelar dos estudantes deixando suas salas de aula. Me afasto, cambaleando, daquele estranho lugar. Um tanto trêmulo, retorno à minha aula de Alemão, que já está se encerrando. Ao notar minha face pálida, um dos estudantes comenta, brincalhão:
- Meu irmão, velho, o que foi que tu comeu?
Forço um sorriso no canto dos lábios, murmuro um boa-noite para as pessoas e me retiro. Voltando para casa, faço a mim mesmo um juramento que jamais pretendo quebrar.
Nunca mais, na minha vida, vou no banheiro do CAC.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Cleycianne




Chegou a hora de tirar o chapéu pra quem entende de verdade de reclamação. Apresento a vocês Cleycianne, auto-proclamada “modelo fotográfica e Cristã batizada”. Cleycianne, que tem um nome tão escroto que meu Word 2007 se recusa a aceitar como sendo uma palavra verdadeira, leva as reclamações a um patamar muito mais elevado, soltando o verbo contra os homossexuais passivos, as lésbicas masculinas, Lady Gaga, Justin Bieber, BBBs, ensaios devassos da Playboy, sexo anal e outras claras manifestações do demônio. Cleycianne sabe bem do que fala e é ungida em Cristo, lavra pomba-gira!
Por enquanto, este continua sendo um blog anáquico-pagão-democrático, mas confesso que a irmã Cleycianne estremeceu as bases da minha (falta de) fé. Não se espantem se, qualquer dia desses, vocês abrirem o Blog da Reclamação e encontrarem posts ungidos em Cristo e amarrados 3 vezes pelo Senhor! Cleycianne, nós te amamos e queremos ser salvos por você, não desista de nós, reclamenautas!
Mas, enquanto a salvação não chega, diz aí...alguém viu a Playboy daquela gostosa do BBB?

Agradecimentos ao jornalista em Cristo Diego Gouveia por me mostrar a salvação. Como ele costuma dizer, fica a dica de Cleycianne!


Veneza brasileira


Recife, pra quem não sabe, é conhecida como a “Veneza brasileira”. O motivo pra isso é a presença marcante de seus dois grandes rios, o Beberibe e o Capibaribe, que cortam a cidade em diversos pontos, suas pontes muito antigas e o casario clássico que pode ser encontrado ainda em muitos desses locais. Claro, essa é a visão romântica da coisa. Quem já enfrentou as chuvas de Verão no Recife, sabe que a cidade leva esse apelido por outros motivos.
Veja abaixo no que resulta um passeio pela cidade depois de uma manhã de chuva forte e acompanhem cenas diversas de transtorno causadas pelo alagamento de ruas e pelo descaso da Prefeitura.


Corrida de barcos.

Regando a árvore.

Parada submersa.

Estacionando.

Passeio pela calçada.

Divertido, né? Nem tanto para os protagonistas das fotos. E embora possa parecer uma boa idéia, nessa época de chuvas, finalmente investir naquele jet-ski que você sempre quis, a verdade é que a Prefeitura deixa de fazer uma grana, quando já poderia ter autorizado passeios de gôndola pelas ruas. Nada como navegar em um barquinho precário por vias inundadas por uma mistura nociva de lixo acumulado, esgoto e água de chuva. Para distrair os turistas, poderia ser organizado uma espécie de safári, onde os animais caçados seriam os gabirus que infestam as ruas. Alguns torcedores do Náutico poderiam sair feridos, mas o saldo final seria positivo, com tanto rato morto depois de um dia de navegação.  
Por isso você, recifense orgulhoso, bata no peito e declare o amor que você sente pela sua cidade. Mostre seu amor pelo Recife, não apenas dentro de casa. Saia às ruas, cantando o hino de Pernambuco e vestindo a camisa do seu time do coração. Só não esqueça do colete salva-vidas.
Aposto que os cariocas vão adorar esse post.

domingo, 2 de maio de 2010

Meu cardápio favorito




Não vou reclamar da falta de ação por parte dos jogadores do Sport no primeiro tempo.
Também não vou falar nada em relação à apatia de Givanildo Oliveira durante toda a partida, incapaz de interferir no jogo de forma positiva.
Muito menos comentarei o segundo gol do Náutico, claramente um lance de impedimento.
O que me incomodou muito, de verdade, foi ver a vitória adiada em mais uma partida, quando já poderia ter resolvido tudo num dia só. Mas tudo bem. Clássico que é clássico tem que ser decidido na Ilha. Do caldeirão ninguém escapa. E o menu do próximo jogo já foi definido:
Gallo ensopado em lágrimas alvirrubras.
Traga a vasilha.