domingo, 25 de setembro de 2011

No meu tempo... Parte Final





No recife dos anos 80 e começo de 90, a pior coisa que poderia acontecer com uma criança era ser desmoralizada junto ao resto da meninada. E a forma mais rápida de garantir que seu melhor amigo perdesse sua dignidade, assim como o respeito dos seus pares, possivelmente para todo o sempre, era levando-o ao limite, provocando-o ao ponto em que ele iria partir para a briga, se jogar no canal mais próximo ou entrar em curto, colocando-se em posição fetal enquanto tentava, aos berros, calar as vozes que insistiam que ele deveria matar a própria família vestido de hipopocaré enquanto usava um pogobol como arma. 



Geralmente acompanhado pelo espectro maldito do Palhaço Chocolate.



Em suma, transformar o infeliz em um estilão, um pária desgraçado, incapaz de aguentar uma brincadeira e, portanto, inadequado para se relacionar com o resto da humanidade. A molecada calejada costumava ser dura na queda e não perdia a cabeça por qualquer coisa. Na tentativa de se quebrar o espírito dos coleguinhas, muitas vezes se recorria à arma definitiva, aquela que separava garotinhos mijões de homens de verdade, capazes de sobreviver em uma sociedade composta por cruéis duelos de pipa, injustas rapas de bolas de gude e sensuais jogos de salada mista. Uma bomba psicológica que apenas os mais fortes conseguiam sobreviver. Xingar a mãe.

Enquanto hoje em dia as mães dos amigos são amadas como verdadeiras tias, que mimam os coleguinhas dos filhos com lanches e passeios ao cinema, naquele tempo a coisa era um tanto diferente. As crianças não conheciam limites e faziam todo o possível para escrotizar a progenitora alheia.


- Diz, véi, beleza? Cadê tua mãe, aquela gostosa?

- Tá bem e mandou um recado pra tua mãe. É pra ela deixar de ir lá em casa de madrugada dar pro meu pai. Tá pegando mal já.

- Limpeza, eu aviso a ela. Aproveito e mando ela devolver a calcinha da tua véia, que ela esqueceu lá no meu quarto.

- Era uma fio-dental, marca Cordão Cheiroso? Se foi, é a que eu dei de presente pra tua mãe, aquela véia safada, no dia do aniversário dela. Diz pra ela guardar com carinho e lembrar de mim quando for enfiar ela no rêgo.

- Ei! Não fale do aniversário dela não! Até pra festinha tu foi, puto safado! Ainda ganhou bolo!

- Ôxe. Ganhei bolo e uma amolegada dela lá na cozinha. Visse não? Agora na próxima, manda ela tirar aquela aliança, que tava machucando a minha pomba.

- ...

- E diga pro teu pai, aquele corno manso, dar dinheiro pra tua véia comprar gilete. Matagal da porra, véi.

- ...

- Vai estilar? Vai?? Ahh, estilou! Se Fudeu! Vou dizer pra todo mundo! Eu...péra...larga esse xêxo...deixa de ser estilãAAAAAAAARRRGGGHHH!



"Mamãe disse pra te dar um lanchinho. Lá no porão."



Algumas mães eram tão sacaneadas pelos amigos dos filhos que se tornavam verdadeiras instituições. Lembro de uma, chamada Teresa, que era a mais amada do Colégio Nóbrega, no centro do Recife. Em uma ocasião particularmente apoteótica, dezenas de crianças, meninas inclusas, marcharam espontaneamente pelos corredores da distinta e tradicional instituição de ensino religioso, aos gritos de “TERESA, GOSTOSA!”. Alguns improvisaram instrumentos musicas enquanto outros se dedicavam a coreografias que fariam uma dançarina de forró universitário de hoje em dia ficar corada de vergonha. Eu participava daquela proto-flashmob, observando os olhos marejados de lágrimas do filho de Teresa, cujo nome eu não conseguiria lembrar nem para salvar a minha vida, ao mesmo tempo em que agradecia a Deus e a todos os santos por nunca terem descoberto o nome da minha mãe.

Pelo menos não naquela escola.