quarta-feira, 2 de março de 2011

Naptime






O professor de inglês piscou os olhos mais uma vez. Sentia as veias protuberantes cobrindo toda a extensão dos seus globos oculares, como uma malha de arame farpado raspando em suas pálpebras. Devido a uma festa de formatura, duas prévias de carnaval e uma insana rotina de trabalho, encontrava-se há mais de 48 horas sem dormir. Havia emendado a farra da noite anterior com a primeira aula da manhã e sentia-se como um figurante de filme de zumbi. Tudo parecia estar em câmera lenta. Os alunos à sua frente, suas próprias mãos enquanto gesticulava algo totalmente desconectado ao assunto que estava sendo explicado naquele momento, um pequeno mosquito, provavelmente um arauto da dengue, que insistia em testar os reflexos debilitados do professor. 

Até aquele momento, tinha quase certeza de que os estudantes não haviam percebido o estado deprimente em que se encontrava. O cansaço era de tal magnitude, contudo, que o instrutor não estava tão certo de que continuava falando inglês na aula. Como era uma turma de nível básico, era bastante provável que não fossem entender absolutamente nada do que ele falasse de qualquer forma. Assim, seguiu balbuciando sílabas desconexas em algum idioma fictício e possivelmente profano enquanto os alunos anotavam tudo, atentamente.
Piscou os olhos mais uma vez.

Seu campo visual permaneceu em total negror pelo que pareceu ser um tempo ligeiramente mais longo do que o necessário para uma simples piscadela. Olhou ao redor, para os alunos que o observavam um tanto apreensivos.


- Teacher...tá tudo bem?

- Oi? Me? Ok, no problema, guys. Problema nenhum, alright? Why do you pergunta?

- Bom...é que o senhor tá aí parado, olhando pro nada, já faz quase uns 5 minutos. A gente tava começando a ficar preocupado, sabe?

- Ah, yes. Eu estava...hmm...me concentrando. Yes. No próximo exercício.

- O senhor babou e roncou também.

- ...I see. Veja bem, é que...lunchtime. Yes. Hora do almoço. Vai chegando perto, o teacher fica hungry. Os roncos foram meu estômago. Isso é normal.

- São 9 da manhã, teacher.

- FOR CHRIST SAKE, SHUT UP FOR A SECOND, MOTHERFUCKER!

- Teacher?! O que foi isso?

- Nada! Nada. Hmm. Uma expressão nova. Significa...ahn... “Como vai você e sua mãe, aquela linda?”. Muito comum no sudoeste da Austrália. Podem anotar.


Os estudantes começaram a escrever diligentemente em seus cadernos e o professor chegou a pensar que iria sobreviver aquele dia. Checou o relógio. Nove e cinco. Só precisava aguentar mais duas horas. Tudo ficaria bem. Foi então que ele piscou novamente. E mais uma vez.

Abriu os olhos, alarmado. Conseguiu focalizar seu pulso. Nove e dezessete. Havia apagado por cerca de doze minutos. Em pé. Olhou para os alunos, que o encaravam boquiabertos. Horrorizado, voltou seu olhar para baixo e constatou que sua mão direita encontrava-se dentro da sua roupa de baixo. Suas calças, por algum motivo, estavam arriadas na altura dos calcanhares. Rapidamente chegou à conclusão de que havia caído no sono e, em um estado de semi-sonambulismo, tentado urinar sem remover a cueca antes. Ou se dirigir a um banheiro.

Silêncio total. Uma aluna de idade avançada parecia a ponto de sofrer um ataque apoplético. Um estudante alto e musculoso tirava fotos com a câmera de seu celular, com um sorriso afetado no canto dos lábios. O professor estremeceu. Precisava pensar rápido. Respirou fundo. Pigarreou e, ainda com o braço enfiado dentro das ceroulas, começou a falar em tom explicativo.


- ...e é assim que se elogia a comida de alguém na região de Saskatchewan, no Canadá. Alguma dúvida? Doubts? No? Anotem e...e...pratiquem em casa. Isso. Em casa.


Lentamente, os alunos começaram a escrever em seus cadernos. Esgotado, mas bastante satisfeito consigo próprio, o professor sentou-se em sua cadeira e se permitiu relaxar um pouco. Acordou à noite, do lado de fora da escola, aninhado no colo de Lourival, o mendigo local. Ficaria sabendo depois que havia sido carregado para fora pelo coordenador e mais dois colegas. Lourival o informou, pesaroso, que ele havia sido demitido. O professor levantou-se, se espreguiçou, sorriu para o homem maltrapilho aos seus pés e lhe deixou uma nota de dez reais, antes de sair caminhando alegremente pela rua em direção à sua casa.

Havia sido o melhor cochilo da sua vida.