Essa é uma injustiça que a História vai me fazer, provavelmente, até o fim da minha vida. Ao visitar Japaratinga, uma praia do estado de Alagoas, com uma ex-namorada, decidimos conferir as histórias de que havia um peixe-boi rondando aquelas águas. Sem pensar muito, fomos nadando em direção a um barco de pescador ancorado a uma boa distância da areia. Quase chegando lá e já achando que o tal bicho era algum tipo de lenda local, eis que surge uma sombra gigantesca embaixo das ondas. O troço era muito, muito grande mesmo, maior que o barco que, aliás, ainda não tínhamos alcançado. Você pode até pensar “E daí? É só um peixe-boi. Eles não fazem nada com ninguém”. Mas você estaria enganado. Peixes-boi, ao contrário do que o grande público possa pensar, são animais de inteligência perversa e astúcia sobrenatural.
Embora uns sejam mais espertos do que outros.
Essas criaturas maleficamente matreiras se aproveitam de sua aparência enganosamente estúpida para atacar banhistas desavisados, envolvendo-os em brincadeiras perigosas e, frequentemente, mortais. Gostam de arrastar suas vítimas para as profundezas onde habitam, além de possuírem o estranho hábito de desatar lacinhos de biquíni, o que pode indicar um raciocínio quase humano (e masculino) por trás de seus atos aparentemente aleatórios de terrorismo aquático.
Foi pensando nisso que resolvi, ao perceber a coisa se aproximando cada vez mais, me adiantar à minha ex-namorada e subir logo no barco, no claro intuito de ajuda-la a sair do alcance da fera submarina, içando-a para a segurança do bote. E daí se, em minha pressa, acabei nadando por cima dela, quase afogando-a no processo? O que importa se, movido por excesso de zelo, usei a cabeça dela como plataforma para alcançar o barco? Admito que demorei um pouco para puxá-la para cima devido as minhas mãos trêmulas, evidentemente uma consequência do esforço sobre-humano em superar a velocidade vertiginosa pela qual os peixes-boi são amplamente conhecidos. E se eu ignorei os berros desesperados dela por alguns minutos, foi apenas porque eu desejava ter certeza de que o barco era perfeitamente seguro e a prova de monstros marinhos.
Meu plano, obviamente, deu certo. Entediado, o animal endemoniado eventualmente se afastou, em busca de vítimas menos perspicazes e uma maior oferta de laços de biquíni. Contudo, por motivos que até hoje desafiam minha compreensão, a grande maioria das pessoas não consegue enxergar o que aconteceu através do meu ponto de vista. A família da minha ex-namorada cortou relações comigo e a própria, depois de anos de terapia, ainda se joga no chão em posição fetal toda vez que vê um peixe em um aquário ou um boi na estrada, provando que a mente humana ainda guarda muitos desafios para os psicólogos. E ainda tem gente que tem medo de tomar banho de mar na praia de Boa Viagem.
Elas não sabem de nada.