sábado, 29 de maio de 2010

Sem limites para o crime II


Outra situação inusitada ocorreu com uma conhecida carioca. Acostumada a uma rotina diária de sobrevivência entre enchentes apocalípticas e chuvas de balas perdidas, a coitada decidiu passar um tempo no Recife, afastada da zona de guerra. Passeava com o cãozinho pelas plácidas ruas do bairro de Setúbal quando foi abordada por um indivíduo armado e visivelmente nervoso. A partir daí, ocorreu o seguinte diálogo:
Criminoso: Passa a bolsa, porra!
Garota carioca: Não tenho, maluco, só vim passear com o cachorro.
Criminoso: Então me dá o celular, caralho!
Garota carioca: Não trouxe, maluco, só desci pra andar com o cachorro.
Criminoso: Putaquepariu, doido! Pára de me chamar de maluco e me dá qualquer dinheiro que você tenha aí!
Garota carioca: Já falei que não tenho nada, maluco! Vim dar uma volta com a porra do cachorro!
Criminoso: Putamerda, não vou sair daqui de mão abanando não. Passa o cachorro!
Garota carioca: O quê?!
Cachorro: ?!
Criminoso: Já falei, porra! ENTREGA O POODLE AGORA!
E saltou para dentro da noite levando o pobre animal. Mal sabia o criminoso que o pai da menina era coronel da Polícia Militar, um veterano calejado pela rotina diária de combate nas ruas do Rio de Janeiro, e nem sempre quando estava trabalhando. Eficiente, o militar mobilizou todo o poderio da polícia local, deslocando tropas de choque, cães farejadores, atiradores de elite e helicópteros blindados no intuito de reaver o amado cachorrinho ou morrer tentando. Os moradores da favela pernambucana, desacostumados ao aparato de guerra que já nem impressiona mais os seus equivalentes cariocas, rapidamente entregaram o bandido, que havia se escondido dentro da comunidade cercada. O poodle foi recuperado, um tanto abalado emocionalmente, porém ileso.


Assim, fica evidente a situação periclitante em que se encontram os cidadãos do Recife, incapazes de saber como reagir a criminosos cada vez mais desprovidos de senso crítico. Violência urbana é uma coisa.
Roubar merda e cachorro é inaceitável.

Sem limites para o crime




Você já foi assaltado? Eu sim. E nem sempre no caminho da padaria, em busca do meu amado pão doce. Quem já passou por isso, sabe que é uma experiência das mais desagradáveis, para dizer o mínimo. Entre o medo de morrer, a vergonha de borrar as calças e o sentimento de impotência de ter que ver seu amado MP3 Player sendo levado por meliantes que nem sequer vão curtir as músicas que estão dentro dele, a vítima acaba presa numa encruzilhada de sentimentos contraditórios, muitas delas optando pela ação mais sensata de todas. Ou seja, colaborar com o assaltante como se tudo aquilo fosse a coisa mais normal do mundo, ao mesmo tempo em que se recolhe mentalmente ao seu lugar feliz, lá no fundo. Bem lá no fundo.
Mas isso durante assaltos normais, claro. A violência chegou num ponto em que não se sabe mais quem ou o quê são alvos potenciais da bandidagem. E aí fica difícil saber exatamente como reagir. Afinal, quando os marginais exigem a carteira, aqueles dotados de algum sangue-frio ainda conseguem juntar coragem para pedir os documentos de volta. Se levam o relógio, alguns ainda perguntam a hora, só de sacanagem. Tem gente por aí pedindo para fazer uma última ligação pelo celular que está em processo de ser desapropriado naquele mesmo instante. E por aí vai. Mas o que fazer nos casos em que o produto do roubo não se enquadra nas categorias nas quais estamos acostumados e até mesmo condicionados?
Foi o que aconteceu com a avó de um amigo meu. A idosa que se encaminhava a um laboratório de análises clínicas, teve a bolsa roubada no meio do caminho. A pobre senhora ainda tentou lutar, mas foi inútil contra um atacante pelo menos 30 vezes mais jovem do que ela. Chegando em casa desanimada, a aposentada se deu conta de que o criminoso havia levado, além de seu dinheiro, documentação e objetos pessoais, um bônus inesperado.
Dentro da bolsa furtada, estava o exame de fezes que a velha estava indo entregar.


Apesar do óbvio inconveniente da situação, não deixa de existir aí uma certa justiça divina. É impossível reprimir um sentimento de satisfação ao imaginar o assaltante analisando cuidadosamente o produto do roubo e encontrando, no meio de tudo, o presente especial da vovó. Sem dúvida, perdeu pontos importantes entre os bandidos da região, talvez até mesmo tendo que renunciar sua carreira de crimes.


Mas essa, caros reclamenautas, não foi a história de assalto mais bizarra de todas.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Dá pra comemorar?



Pernambuco é a nova locomotiva do Brasil, puxando a economia do país principalmente através dos seus investimentos no estaleiro e no Porto de Suape, junto com as indústrias ao redor. Tem índices de desenvolvimento comparáveis aos da China, só que sem empregar criancinhas na linha de montagem para baratear os custos. Pelo menos, até agora não se achou nenhuma. Talvez porque elas já tinham sido processadas e viraram argamassa para alguma construção indefinida. Mas enfim, eu divago, inescapavelmente. O crescimento. Este crescimento acelerado que é motivo de orgulho para os pernambucanos e de esperança para os brasileiros em geral, já que simboliza uma economia madura e capaz de absorver, gradualmente, uma força de trabalho cada vez maior. Tudo isso é muito supimpa, né?


Não, não é.

Pelo menos, não da forma como a coisa está sendo feita. Não me levem a mal. Bairrista que sou, quero mais é ver Pernambuco no topo da economia nacional e todo mundo muito bem empregado. Até porque, só assim vou parar de ser assaltado toda vez que vou comprar pão doce na padaria. É vício. Enfim, o problema é que, no meio dessa empolgação toda acerca do renascimento da indústria do estado, andam passando por cima de umas besteirinhas que poderiam atrasar um pouco a coisa. Tipo, um estudo do impacto ambiental desses projetos todos. Suape fica em uma área de mangue essencial para a manutenção do ecossistema local, além das populações de pescadores que há gerações vivem do que se pesca naquela área. E já se prevê o desmatamento de uma área de mangue equivalente a...


...calma. Deixa eu verificar aqui, deve ter algum erro. Hmm. Hmmmmhmmm. Não. É isso mesmo, tá tudo certo.

Equivalente a 508 campos de futebol. O setor de Engenharia Ambiental daqui do Blog da reclamação, em colaboração com o de Esportes, realizou esse estudo e confirmou o número. Eu sei, porque eles levaram a única trena que tinha aqui no escritório. Mas você não precisa acreditar na gente.

Já faz tempo que Suape está em falta com o meio-ambiente, até mesmo legalmente falando. Infelizmente, por mais que a expansão do porto e arredores acelere a economia local, a verdade é que a natureza, no final das contas, fica parecendo mais as plantinhas da minha mãe.




E se você não quer ver os manguezais da região iguais a essa foto aí em cima, cobre maior responsabilidade ambiental, não apenas de Suape, mas de qualquer empresa ou indústria que se instale na sua cidade.
E agora, se me dão licença, vou comprar meu pão doce.
Reclamação sugerida pelo leitor, irmão e presidente do fã-clube de Fortaleza, Saulo Toscano. Aquele da apnéia selvagem. Valeu, Saulinho!

quarta-feira, 26 de maio de 2010

O melhor do terror



Pois é, pessoal. E o meu conto de terror publicado lá no Assomblog já é um dos mais vistos e comentados de lá, quem diria? Claro que por isso eu tenho que agradecer, e muito, a todos os fãs e amigos do Blog da Reclamação, além daqueles que adoram uma história de terror! Muito obrigado, pessoal e continuem acessando e comentando!

Tá, você já leu o conto 317 vezes e nem dá medo mais, mas ao menos clica aqui e dá uma olhada nos comentários, né?

Então é isso, pessoal. Continuem aqui para a programação reclamativa normal.

Reclamação da Dona Lourdes

Quem acompanha o Blog há algum tempo, já conhece minha teoria de que a reclamação é um fator genético, que passa pelo lado feminino da família. Sabe, que nem a calvície. Esse dom, herdado da minha mãe e praticado diariamente por ela, pode se manifestar de formas mais serenas ou não. Mas no final, é tudo reclamação mesmo. Claro que existem níveis. Eu me considero um reclamador de nível 6, já que fiz até um blog só pra isso. Minha mãe seria um nível 8, facinho.
Já a Dona Lourdes...ah, pra ela seria necessário se criar um novo sistema de mérito reclamativo. Vejam se não tenho razão:







Pois é. Um doce de coco, essa Dona Lourdes. Dá vontade de morder.

E agora dá licença, que depois dessa, eu vou ali pedir desculpas à minha mãe e dizer que, na verdade, ela até que reclama pouquinho.

terça-feira, 25 de maio de 2010

A multidão II


Manhã de sábado. Cruzo a Avenida Conselheiro Aguiar, trafegando livremente até que algo inusitado surge à esquerda. Um aglomerado de pessoas se encontra em um pequeno terreno em frente a um conjunto de clínicas, geralmente fechado nos finais de semana. A multidão cresce cada vez mais, com pessoas atravessando a avenida desvairadamente, surgidas de todas as direções. A massa humana atinge a via dos carros, que são obrigados, inicialmente, a diminuir a velocidade, depois a parar completamente. Assustado, ergo o vidro da janela do veículo, minha única e frágil proteção contra o quer que estivesse acontecendo ali. Olhando ao redor, percebo os outros motoristas fazendo o mesmo, olhares assustados nos rostos cobertos de suor e medo. 



A multidão cresce cada vez mais, uma espécie de vírus urbano, um câncer se espalhando a partir do ponto zero de contágio. E era justamente onde eu me encontrava. Através da distorção ótica causada pelo calor no asfalto, era possível perceber vultos disformes cambaleando cegamente para o mesmo local, braços estendidos para frente, tentando pateticamente chegar mais perto. Alguns gemiam, emitindo sons inumanos que se espalhavam por todos os indivíduos, um assustador coral de lamentações que se tornava cada vez mais alto. Do meu lado direito, um dos motoristas finalmente cede à tensão e, em pânico, abandona seu veículo, numa tentativa vã de escapar da multidão crescente. Desaparece no aglomerado de miseráveis para nunca mais ser visto. Outro tenta partir com seu veículo, mas é inútil. São pessoas demais, uma muralha de carne e sangue que se interpõe entre os carros aprisionados e a liberdade. 
Desesperado, olho ao redor, já não mais buscando uma saída, mas apenas uma explicação para o fenômeno que ameaçava tomar a cidade. De repente, do centro da multidão surge um grito horrendo, como unhas quebradas arranhando um velho quadro-negro. Da massa de infelizes, surgem voando centenas de milhares de pequenas formas coloridas, se espalhando entre os desgraçados que tentam alcançá-las a todo custo, famintas, desesperadas, urrando de angústia e antecipação. Os farrapos humanos lutam entre si ferozmente, esganando, arranhando, mordendo e cuspindo, tingindo de vermelho-vivo os pára-brisas dos carros. Meu cérebro é tomado por um terror abjeto. Estou prestes a desistir, abrir a porta e me juntar àquela multidão desesperada, inescapável, quando uma das pequenas entidades coloridas voa até a janela do meu carro. Em um movimento rápido, abro e fecho o vidro, capturando a coisa entre os dedos polegar e indicador da mão esquerda. É apenas então que minha mente fica clara o bastante para raciocinar e, principalmente, para odiar. Nas minhas mãos, eu possuía a resposta para toda aquela insanidade. E ela não poderia ser mais revoltante.













Enfurecido, engato a primeira marcha e disparo com o veículo pela massa de imbecis desocupados. Como pinos de boliche, seus corpos são jogados para os lados, para o alto, por cima do capô. Alguns são pegos debaixo das rodas do carro e servem apenas como quebra-molas para minha fúria justificada. Abro um corredor de sangue no meio da massa de cretinos e, não satisfeito, faço o carro voltar de ré a toda velocidade, atingindo mais alguns que se achavam a salvo da minha vingança. Amassando a fatídica figurinha enquanto murmurava pragas diversas, apenas um pensamento me vinha à cabeça.
Putamerda, odeio multidão.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

A multidão


Eu, que sou chato, arisco e anti-social, não sou fã de aglomerações humanas. Tem gente que adora. Nada contra. Bom pra essas pessoas que vivemos em um país onde, basta que se comece a bater uma panela na esquina que logo se forma um maracatu cheio de gente que não tem nada melhor pra fazer. Ou até tem, mas afinal, cada um tem suas prioridades. A verdade é que o povo adora exercitar seu direito à coletividade, tentando assim experimentar um sentimento de pertencimento maior. Prova disso está na foto abaixo:



Acidente na Av. Recife. Provavelmente um motoqueiro. Ao redor do homem que agoniza, uma multidão de pessoas que não faz absolutamente nada pra ajudar, possivelmente porque nem sequer saberiam como fazê-lo. Não importa. Eles precisam estar lá, fazendo parte do acontecimento. Cada detalhe da cena é avidamente sorvido como um gole de cachaça barata, registrado na memória para depois virar assunto em casa, no trabalho, no bar. Os enfermeiros pedem espaço pro moribundo poder respirar, mas a verdade é que eles tentam, inutilmente, afastar os abutres que se alimentam da desgraça alheia, um coletivo de sanguessugas que só consegue se sentir vivo roubando um pedacinho da vida do próximo. O homem finalmente é embarcado na ambulância, que se afasta zunindo do aglomerado de vampiros diurnos. Eles se dispersam, temporariamente satisfeitos. Um pouco mais vivos do que ontem, um pouco mais mortos a cada dia que passa. E esse havia sido um dia bom, pois algo havia acontecido. Algo que quebrasse a miséria da rotina diária que impiedosamente esmaga seus espíritos.
E a vida continua, independente de si mesma.

domingo, 23 de maio de 2010

Rádio Gastronomia



Se alguém se deu o trabalho de ler o meu perfil aqui no Blogger, viu que, além de reclamão, sou gastrônomo por formação. Ou seja, adoro comer e gosto sempre de me informar sobre qualquer coisa relacionada ao tema. Pena que nem sempre a gente tem muita opção. Livro de receita e programa de culinária (coisa que eu detesto) tem aos montes. Mas quem aí já ouviu falar de um programa verdadeiramente gastronômico? Onde a comida é abordada dentro de todos os aspectos que fazem parte de sua formação, como o histórico, o cultural, o antropológico e o social?
Pois é, eu também não. E já ia deixar aqui essa reclamação, não fosse a solução para esse problema ter se apresentado esses dias. O amigo Alberto Penaforte, radialista, gastrônomo, escritor, pesquisador e, nas horas vagas, pai de primeira viagem, está com um programa na Rádio Universitária FM, na frequência 99.9. Vai ao ar de segunda a sexta-feira, pontualmente entre 12:00 e 12:30.

Gostou da novidade? Então aproveita e dá uma passada no blog e dá uma olhada no que rola por lá.

Nada como apresentar uma reclamação junto com uma solução. Aproveito para desejar a Alberto boa sorte nessa empreitada e deixar, claro, uma reclamação de leve.

Programa na Rádio ainda é pouco. Queremos mais conteúdo verdadeiramente gastronômico, em todas as mídias. Esperemos que a Rádio Gastronomia se expanda para saciar nossa fome de informação!

Constrangimento coletivo


Sábado, no local onde passo cerca de 1/3 da minha vida: o ônibus. Voltando para casa, vejo a Escola Americana se aproximando, estendo a mão e aperto o botão de parada. Nada. O ônibus segue como se nada tivesse acontecido. Confuso, imagino que talvez o aparelho não esteja funcionando. Melhor apelar para a antiga cordinha de parada, menos elegante, porém muito mais eficiente. Aproxima-se a parada seguinte, quase em frente à escola de inglês ELC. Puxo a corda, vejo a luz de aviso se acender em cima da porta, junto com o som característico que a acompanha. O ônibus continua em frente, sem nem ao menos diminuir a velocidade.
Enfurecido, grito com o motorista, o cobrador e com quem quer que esteja ao redor para que se abra a porta. Esmurro as paredes do ônibus, enlouquecido, diante do descaso do condutor. Vocifero obscenidades relacionadas às progenitoras de todos os profissionais envolvidos no transporte coletivo do Recife. Constrangidas, as pessoas desviam o olhar. Homens fingem que dormem, mulheres conversam baixinho entre si, mães cobrem os ouvidos dos filhos e crianças apontam assustadas para o louco do ônibus que grita com o vento e esbofeteia o veículo ao seu redor, espumando pelos cantos da boca contorcida em um pavoroso esgar de ódio inumano.
As portas finalmente se abrem, duas paradas depois daquela a qual eu havia pedido para descer. Os passageiros, aliviados, observam o louco descer do veículo. Por alguns momentos, chego a olhar ao meu redor a procura de uma pedra que possua a aerodinâmica correta para as minhas intenções. Não encontrando nenhuma, decido pela segunda melhor opção: anotar a placa do ônibus, denunciar o motorista e o cobrador para a empresa de transporte público e imaginar os dois homens sendo demitidos de seus mal-pagos empregos e conseqüentemente sendo abandonados por suas famílias, afundando em uma vida de banditismo, álcool em excesso, doenças crônicas, prostituição homoerótica e castigos sexuais em alguma das esquecidas prisões do estado. Tal perspectiva me trouxe lágrimas de felicidade aos olhos. Diligente, me encaminho à traseira do ônibus e, rindo maldosamente em antecipação, saco meu celular do bolso e bato uma foto da placa do veículo.
Essa que está aí embaixo.










Gostaria de poder dizer que essa massa rosa disforme capturada na imagem é uma visão intimista do reto do motorista, obtida no ápice da fúria. Mas é apenas meu dedo cobrindo a lente da câmera. Derrotado, guardo o celular e observo enquanto o ônibus se afasta, levando o motorista e o cobrador que, certamente, gargalham dos meus esforços infrutíferos. Seus empregos, famílias e, principalmente, integridade anal permaneceriam perfeitamente seguros.
Resignado, viro-me e começo a longa caminhada de volta para casa.