quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Um dia bom





Estava contrariado. Havia chegado ao Shopping, na Zona Sul, depois de mais uma vez ter sido quase atropelado por um motorista que não considera os ciclistas como membros integrantes da raça humana. Saíra de casa após outra das frequentes brigas que costumo ter com minha mãe. Havia ido ao banco, na tentativa de sacar uma quantia muito necessária naquele momento, apenas para passar mais de uma hora na fila e descobrir que, afinal, havia algo errado com o meu cartão e eu não poderia ter acesso ao meu dinheiro naquele dia. Meu MP3 Player jazia morto no bolso da minha calça surrada, me abandonando ao convívio entre sons e ruídos que invadiam meus ouvidos e tinha, então, todos os meus sentidos agredidos pela balbúrdia civilizada dos centros de compras, a tagarelice das pessoas ao meu redor se acumulando à minha volta, substituindo o oxigênio necessário à vida e me sufocando em um mar de palavras vazias e frases desconexas.

Olhava ao redor em uma fúria muda, um câncer que crescia a partir da boca do estômago e forçava minhas artérias, fazendo com que meu coração batesse louco, espalhando os tentáculos da ira por todo o meu corpo. Crispei as mãos, enfiando as unhas na carne das palmas, sentindo a dor aguda ser abafada pela revolta. Queria gritar. Queria avançar nas pessoas, ensandecido, cuspindo impropérios, agredindo, causando dor. Queria tirar a raiva de dentro de mim e entrega-la às pessoas que falavam e falavam sem parar dentro do Shopping.

- Psiu.

Virei-me, raivoso, disposto a descontar em quer que fosse os sentimentos que me tomavam o raciocínio naquele momento. Na minha frente, segura atrás de um cercado colorido, uma menininha se agarrava à grade que separava a creche das pessoas que passavam pelo corredor, apressadas. 

- Psiu. Moço! Ei, moço!

Me aproximei, carrancudo, da garotinha trepada na cerca, ignorando as outras crianças e sendo por elas ignorada, concentradas que estavam em suas brincadeiras infantis.

- O que é? – Perguntei, grosseiro. Devia ter cerca de seis ou sete anos de díade. Tinha longos cabelos castanhos e enormes olhos amendoados. O narizinho era marcado por manchas de sardas. Ela me olhou compenetrada, quase adulta e respondeu:

- Moço. Se o senhor quiser, quando eu crescer, eu namoro com o senhor.

Ela sorriu um sorriso banguela e me soprou um beijo através da grade de metal. E então, como se já tivesse descartado do pensamento aquele homem rude e mal-educado à sua frente, virou-se e correu a brincar entre as outras crianças, perdendo-se em uma floresta de brinquedos coloridos e risadas agudas.

E subitamente, a raiva que crescia dentro de mim parou seu avanço. Retrocedeu e resumiu-se em nada, como se jamais houvesse existido e nunca pudesse retornar. Retornou, muitas e muitas vezes depois, mas naquele momento, aquela oferta inocente feita pela garotinha desconhecida pareceu anular todos os absurdos, todas as injustiças mesquinhas as quais me sentia submetido todos os dias e naquele mais do que todos os outros. Atordoado por aquele beijo efêmero, soprado à minha bochecha através do cercado da creche, me dirigi à saída, não mais preocupado com os motoristas homicidas ou com os caixas eletrônicos reticentes. A vida, afinal, devia ter lá o seu sentido. Não sabia bem qual, mas devia ter. Em um instante, fugidio, cheguei muito perto de descobrir. 

Sorri. Um sorriso besta, atarantado, ilógico. Sorri para mim mesmo, sorri para quem precisava e sorri até para quem não merecia. Sorri apenas. Aquilo me bastava e bastava ao mundo.

Uma semana depois, voltei ao Shopping e procurei a creche, buscando ouvir a zoada das crianças e suas risadas infantis. Mas não havia mais nada. O cercado colorido havia desaparecido e se retirado do espaço que anteriormente ocupava, levando consigo a alegria das crianças e um pedaço do meu sorriso.

Esse pedaço eu nunca mais recuperei.


7 comentários:

  1. A gente nunca sabe aonde vai encontrar algo que nos faça tão bem, né?Conseguiu me emocionar.
    Não vou chorar, mas a lágrima está bem no cantinho aqui...
    :****

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  2. AL Fredo tão sentimental..que bonitinho

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  3. rapaz ainda bem que vc não encontrou nada, depois o povo fica achando que vc é pedófilo. Sim, pq atualmente homem nenhum pode gostar de criança ou sorri pra uma que é acusado de pedofilia.

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  4. que bonitinhoo... ele tem um lado sentimental.

    INACREDITAVEL! ^^

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  5. Caralho! Fazia tempo que eu não entrava no blog (estou sem internet). Belo texto, mas acredite, uma hora ou outra você não iria mais aguentar o barulho da gurizada. Bom, quem me conhece sabe que estou brincando.

    Ass: Mauro, o rei da galhofa!!!!!
    P.S.: Aparecerei quando der.

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Vai, danado, reclama!