domingo, 18 de abril de 2010

Em prol do direito ao assassinato justificado




O jantar foi tranqüilo. O apartamento, quente como sempre. Assistimos ao jogo do Sport, que perdeu para o Atlético Mineiro, mas tudo bem, foi fora de casa, dá pra recuperar. Perto da meia-noite, me despeço da minha mãe e do meu irmão mais velho, subo na bicicleta e vou pedalando pelas ruas vazias de Setúbal, atravessando rapidamente a noite abafada do Recife. Dobro a esquina e entro na rua que se liga à via que vai me levar até minha casa. É então que, vinda de lugar nenhum, surge uma porta de carro justamente na minha frente. Ao colidir com ela e ser arremessado ao asfalto áspero da pista, lembro que ainda tive tempo de pensar, enquanto o chão se aproximava lentamente do meu rosto, como num sonho:
“Putaquepariu, isso é jeito de terminar minha noite de aniversário?!”
Mais preocupado em identificar possíveis ossos fraturados ou órgãos internos hemorrágicos, preferi deixar para depois esse questionamento dirigido a Deus. O motorista, que havia aberto a porta do carro sem prestar atenção, se desculpou e até me ajudou a levantar. Quando, um tanto frustrado por ganhar uma portada de carro de presente de aniversário, eu expressei que ele deveria olhar pelo retrovisor antes de sair do veículo, a resposta que recebi foi:
“O errado era você, a pista é para os carros.”
Pois é.
E é nesse ponto que me pergunto: o assassinato, em um momento como esses, é ou não justificado? Estaria eu errado se decidisse tentar enfiar um pouco de bom-senso na cabeça do motorista usando um paralelepípedo? Talvez através de seguidos golpes, enquanto berrava, ensandecido, “Onde você espera que as bicicletas trafeguem, seu dejeto humano? Em cima dos muros?!”.
Mas não fiz nada disso, claro. Na selva urbana, vence o mais arrogante. Carro importado, roupas caras, bons advogados. Essas são as armas da cidade. O que vale um paralelepípedo contra tudo isso, ainda que empregado de maneira justa e coerente? Acho, então, que tenho mais é que agradecer a Deus por, na hora da colisão, estar carregando o presente que meu irmão havia me dado, além de estar com um pneu murcho, fatores que diminuíram sensivelmente minha velocidade, se não salvando minha vida, ao menos me poupando de ferimentos mais sérios. Tirando o pior de todos claro, o do orgulho. Esse era inescapável e demora bastante a sarar. E no meio dessa merda toda, só me resta um único consolo, já que não pude fazer uso do argumento de assassinato justificado para fazer a justiça prevalecer naquela noite.
Pelo menos, tenho quase certeza de que eu fudi a porta do carro daquele filho da puta.

Um comentário:

  1. Poxa Fred, de onde tu pegou aquela foto?? hehehe..

    "A pista é para os carros.".. ahan..
    O mais gordo sempre ganha, uma das idéias básicas daquele Vollidiot retardado devia ser isto.

    Agora quero ver ele involvido num accidente com um ônibus.. aí a pista seria para quem então, exatemente? :P

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Vai, danado, reclama!