domingo, 9 de maio de 2010

Homenagem do Dia das Mães ou Como o ato de reclamar é, comprovadamente, uma característica genética




Acordo e espremo o lençol pra tirar o excesso de suor. Me levanto da cama e me encaminho ao banheiro. Uma voz conhecida, provavelmente a primeira que eu ouvi e aprendi a confiar, chega aos meus ouvidos:
- Vixemaria, que calor do cão.
Termino de escovar os dentes e me dirijo até a cozinha, em busca de comida e alguns segundos de ar frio. A voz, obstinada, me segue:
- Por que esse cachorro do vizinho não morre logo e pára de latir?
Passo pela sala e ligo a televisão, tentando escapar daquela voz incorpórea. Como sempre, é em vão.
- Mas só passa porcaria nessa TV, credo em cruz!
Desligo o aparelho, respiro fundo e volto ao meu quarto em busca de sossego. Prefiro pensar que sou ingênuo, não idiota.
- Quem botou esse copo aqui? O que esse copo tá fazendo aqui? Já falei que não quero copo aqui!
Conto até 10 em alemão, depois em japonês, percebo que esse é o limite do meu vocabulário numérico em ambas as línguas e ligo meu computador. A idéia é fugir da voz através do mundo virtual dos jogos eletrônicos. Nunca funciona.
- Esse vizinho é um imbecil! Eu odeio ele! Nem sei bem por quê, mas odeio!
Desisto, enfim, de qualquer tentativa de distração e vou até a fonte de tanta reclamação. Minha mãe está na janela do seu quarto, cenho franzido contra a luminosidade do sol da tarde, os olhos verdes que poderiam ser os meus próprios apertados em uma expressão de desgosto.
- Por que essas crianças da escola não param de gritar? Parece mais que estão morrendo!
Me encosto na porta do quarto e escuto, em silêncio, a torrente reclamativa que deságua dos seus lábios. Implacável, minha mãe não poupa quase nada nem ninguém de suas queixas e eu figuro entre um bom número delas. Chego a ensaiar, cuidadosamente e em silêncio, um discurso acerca dos males de se reclamar o tempo todo, sem parar, em relação a tudo.  Mas não chego a articular as palavras. Olhando pra minha mãe, compenetradamente envolvida no ato de se queixar da vida em geral, percebo que essa característica, mais do que qualquer outra, é hereditária. Reclamar está no sangue, é um traço genético que nos une tanto quanto afasta, mas que, no final das contas, prova que sou filho da minha mãe e somos mais parecidos do que eu, muita vezes, gosto de admitir. Se eu reclamo com mais graça e leveza em um blog de humor, isso demonstra apenas que tenho minha própria personalidade. Sou filho, mas ainda sou Fred. Vou até ela, dou um beijo em sua testa branca que mal demonstra as primeiras rugas a trair sua idade e lhe dou parabéns pelo Dia das Mães. Ela me dá um abraço meio sem jeito e agradece. Me viro pra sair do seu quarto e escuto aquela voz, inescapável:
- Mas veja se dava pra você ajeitar logo esse problema da Internet, não agüento mais!
Deixo o quarto em silêncio, resignado. Tenho a quem puxar, embora eu interiorize um pouco mais as minhas queixas, que também são muitas. Mas as mães, imagino, são assim mesmo. Exageram, fazem drama, tempestade em copo d’água e reclamam. Muito. Não é por mal. Geralmente. E elas, afinal de contas, já agüentaram bastante quando éramos crianças birrentas e adolescentes espinhentos. Por essas e outras mais, desejo a todas as mães um ótimo dia e, corajoso, ainda digo: reclamem bastante, que esse dia é de vocês!
Só não exagerem durante o resto do ano, pelamordejesuscristo.

Um comentário:

  1. Meus parabéns pelo dia das mães para:
    Dona Virgínia, Tia Socorro (a melhor sogra que qualquer pessoa pode querer), Dona Neusa, Dona Aureni, minhas irmãs (que eu chamava, quando criança, de mãe 02 e mãe 03) e demais parentes do sexo feminino (as que já são mães, é claro), amigas e conhecidas, e especialmente para minha querida mãe, Dona Leny, que me ensinou como levar a vida de uma maneira galhofeira (juntamente com meu pai. Quem conhece o véio sabe que o bicho é escroto demais!).

    Assinado: Mauro, the king of the black cocada.

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Vai, danado, reclama!