segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Vida difícil





Havia estudado toda a sua vida no Colégio Militar do Recife, sob uma disciplina rigorosíssima. Um dia, porém, seu pai decidiu que ela, apesar de suas excelentes notas, deveria obter um melhor preparo para o vestibular, de forma que no último ano antes da grande prova, passou a estudar em uma escola civil, menos voltada para a formação do indivíduo e muito mais para dicas e bizús que garantissem ao candidato uma boa colocação no exame nacional.
Primeiro dia de aula, sem conhecer ninguém da turma. Todos muito a vontade, conversando, sentados por cima das bancas, usando as mesmas roupas que vestiam quando iam ao shopping center. Ela sentada em uma cadeira na primeira fila, compenetrada, costas retas, braços por cima da mesa, dedos entrelaçados, pernas cruzadas e se sentindo muito pouco a vontade naquela calça jeans comprada especialmente para aquele dia. De repente, a porta da sala de aula se abre e o professor entra, dirigindo-se para seu birô e murmurando um “bom dia” apressado, sem esperar resposta.
- Bom dia, professor! – responde a menina, em voz altíssima, pondo-se imediatamente de pé e batendo uma elegante continência.
Silêncio.
Todos os olhares se voltam para ela. Os outros alunos parecem petrificados em seus lugares. O professor, boquiaberto, não sabe bem como reagir. Olhando timidamente ao redor, a garota nota que é a única de pé e só então percebe que havia sido vítima de anos de condicionamento militar. Lentamente, afasta a mão da direita da testa e afunda em sua banca.

 - Hmm. Bom dia pra você...er...aluna nova. Anh, pode sentar. Vocês todos, podem sentar – acrescenta o professor.
Mortificada, a menina percebe cochichos e risinhos atrás de si. Passa toda a aula emudecida, sem ousar olhar para os lados. No intervalo, é a primeira a retirar-se da sala e vai se refugiar no banheiro feminino. Respira profundamente, reúne suas forças e sai para enfrentar o recreio.
Por onde passa, recebe continências, de alunos de ambos os sexos e até de alunos mais jovens ou novatos como ela. Apelidada de “sargenta”, passa o resto do ano sendo cumprimentada ao estilo militar por praticamente todos os meninos e meninas da escola. Presta o vestibular e fica bem abaixo da nota esperada para passar no curso dos seus sonhos. É finalmente reprovada de ano, para desgosto dos pais, que a mandam de volta para o Colégio Militar. Lá chegando, os colegas perguntam por que ela havia voltado para a rigidez daquela instituição, odiada por tantos alunos.
- É que a escola civil – responde ela, com lágrimas nos olhos - é muito difícil.

Um comentário:

  1. Se fosse comigo, depois da primeira brincadeirinha eu nunca mais teria aparecido por lá...

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Vai, danado, reclama!