segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Intolerável intolerância





Não é fácil se esquivar das polêmicas que surgem na Internet, por mais que se tente. Essa característica de terra de ninguém, de anonimato, de espaço livre para se dizer o que pensa, não importa o tamanho da bobagem que seja, acaba fazendo com que o mundo virtual se torne um reduto para aqueles que, provavelmente, terias suas ideias e ideais rechaçados por seres humanos de carne e osso. E aí a Internet vira uma bagunça, com gente falando o que quer e muito mais pessoas escutando o que não quer, sem nenhuma consequência, regulamentação ou punição.

Pois é. Lá pelos idos dos anos 90 do século passado. Hoje as coisas estão bem diferentes.

Terra de ninguém? Mais para terra de todos. A inclusão digital já é uma realidade, inclusive no brasil. Cada vez mais a população menos favorecida consegue acessar a rede mundial, com todos os benefícios e também, claro, prejuízos que tal exposição pode trazer. Anonimato? Dificilmente. Com uma infinidade de redes sociais disponíveis e uma obsessão crescente entre os internautas, especialmente os mais jovens, de expor a própria vida na web, fica muito difícil ser um cidadão virtual invisível nos dias de hoje. Espaço livre para se dizer o que pensa? Aí é que as coisas começam a se complicar. A Internet é, de fato, um ambiente altamente democrático, com pessoas de diversas origens, defendendo suas opiniões com unhas e dentes, escudadas pela sensação de segurança criada pelo cenário virtual e a aparente distância física entre os interlocutores. Contudo, nos dias de hoje, é cada vez mais difícil lançar opiniões impensadas, infundadas, intolerantes, preconceituosas ou simplesmente estúpidas na rede sem que haja consequências. E elas chegam com cada vez mais rapidez.

Agora existem leis regulamentando o uso da Internet e, com as leis, vêm as punições para os que as desrespeitam. Que fique claro que legislação nenhuma pode mudar a mentalidade um individuo. As regras existem para coibir o comportamento daqueles que tencionem ferir os direitos do próximo. Mas não alteram a cabeça de ninguém. Racistas continuarão racistas, homóbos seguirão homófobos e todo aquele que trouxer, marcado em seu coração ou em sua alma, a mancha do preconceito, qualquer que seja ele, continuará a nutrir as mesmas opiniões pré-concebidas, independente da legislação vigente, seja no Brasil ou em qualquer outro país. Os intolerantes jamais perderão o direito de ter pensamentos intolerantes.

Mas não podem expô-los. Jamais. É feio. É desprezível. É crime. Sim, crime. E sim, você, eu e todas as pessoas perdemos o direito de expressarmos nossa intolerância, nossa estupidez e nossa ignorância. Aos preconceituosos resta apenas o ostracismo, a lepra social, esconder a própria imbecilidade em guetos pseudo-intelectuais, como ratos chafurdando em uma lama viscosa, viciada, um lodo formado pela burrice e pela recusa em aceitar o que é diferente. E que não se use a divergência de opiniões para se justificar atitudes preconceituosas. Existe uma maneira muito fácil de descobrir se a sua opinião sobre determinado assunto é simplesmente polêmica ou definitivamente preconceituosa. Declare-a em voz alta em praça pública, que é o espaço mais democrático pertencente ao povo. Se as pessoas olharem para você com ódio, te agredirem com palavras e atos e você acabar indo parar na delegacia mais próxima, é muito provável que você esteja professando uma opinião intolerante e, portanto, inaceitável. Faça o teste. Vá até o centro da sua cidade e grite que detesta nazistas. Berre que odeia políticos corruptos. Esbraveje contra os pedófilos e molestadores de mulheres. Ninguém vai te olhar feio e muita gente pode até se juntar à sua arenga.

Agora experimente fazer o mesmo em relação a negros. Ou a idosos. Ou mulheres. Ou nordestinos. É muito provável que você acabe em uma situação de linchamento e talvez só a intervenção da polícia possa salvar a sua vida. Isso porque sua opinião feriu o bom-senso geral, aquela homogeneidade de ideias que permeia a mentalidade do coletivo e que nos permite viver em sociedade, com regras e civilidade, onde as pessoas possuem, ainda que de forma rudimentar, uma noção de certo e errado. Em inglês, isso se chama common sense, ou senso comum, o que faz ainda mais sentido do que a expressão em português. Comum porque pertence a todos. Existe alguma lei que me impeça de contar piadas em um funeral? Não faço ideia, mas não preciso realmente saber, pois o meu bom-senso, construído através das minhas interações no meio social ao qual estou inserido me dizem que essa não é uma boa ideia.

Ninguém é preconceituoso por ingenuidade ou pura falta de traquejo social. A intolerância tem o propósito muito específico de ferir, de destruir, de humilhar, de deixar cicatrizes. E quem a perpetua sabe bem o que está fazendo. Pode até não acreditar naquilo que está falando, por saber que são absurdos infundados. Mas teve a intenção, que se transformou em ato e que acabou repercutindo, talvez muito mais do que o autor imaginou que fosse possível, esquecendo-se da abrangência da Internet e da vigilância cada vez maior daqueles que decidiram não mais tolerar esse tipo de atitude. E que o vigilantismo continue. 

Que não haja espaço na Internet ou e qualquer outro ambiente, real ou virtual, para aqueles que sofrem das doenças do racismo, da homofobia e da xenofobia. Que tais indivíduos sejam separados da sociedade, por não a merecerem, e que aqueles que escaparem dessa quarentena sejam obrigados a ocultarem seus pensamentos para todo o sempre, vivendo uma mentira e vestindo uma máscara de civilidade, até que aprendam a amá-la e não saibam mais viver sem ela. Que se curem desses males ou sofram os horríveis sintomas dessas enfermidades sociais, destruindo suas próprias vidas, mas jamais ferindo a dignidade do próximo. Que o ódio irracional que sentem se renove em amor ou que se destile em veneno, apodrecendo suas almas além de qualquer salvação. Que se arrependam de seus pecados ou aceitem as consequências dos seus atos. 

Chega de tolerar a intolerância.

3 comentários:

  1. Err...disse tudo.

    "Triste época!É mais fácil desintegrar um átomo que um preconceito- Albert Einstein"

    Olha esse blog, não sei se você já o viu...ou leu esse texto.

    http://www.blogdogabrieldiniz.com/2010/11/resposta-ao-cala-boca-nordestinos.html

    Aproveita e diz pra ele que o link do seu blog tem um "H" a mais no http.

    :)

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  2. É isso, velho. Ou se enquadra e cala a boca, ou aprende a insultar todo mundo e ganhar aplausos (tem comediante, político e rede de televisão que conseguem...). E desculpa aí, mas já contei piada em um funeral. Espalha não... Parabéns por abordar o tema além do previsível.

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  3. "você, eu e todas as pessoas perdemos o direito de expressarmos nossa intolerância, nossa estupidez e nossa ignorância."

    Perdemos. Porque, se eu posso tolerar um preconceito mudo, lido dos olhos da pessoa, ela também vai tolerar a minha existência e proximidade calada.

    Muito bom o texto, Frederico. Mas só sou lacônica no blog e no twitter. Nem sempre consigo escrever pouco. Hehehe!

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Vai, danado, reclama!