sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Primeira vez, parte final





Francamente, a única coisa que eu sentia era uma sensação de ardência na garganta, uma espécie de azia constante no esôfago. As pessoas ao meu redor ficavam cada vez mais descontraídas a cada tragada, mas eu mesmo não percebia diferença nenhuma. Com todo mundo rindo, falando alto e argumentando coisas totalmente desconexas, comecei a me destacar do grupo pelo meu silêncio encabulado. Por sorte, sempre fui conhecido por conversar absurdos por derradeiro mesmo, então era simplesmente uma questão de dar vazão a todas as teorias sem sentido que eu, sabiamente, costumava guardar apenas para mim.

- Eu acho que os Ursinhos Carinhosos eram os X-Men da época deles. Tipo, cada um tinha um poder diferente, né? E eles agiam em equipe também. Às vezes, quando eu brigo com a minha mãe, eu chego pra ela e grito “CORAÇÃO” imaginando um arco-íris saindo do meu bucho e batendo na cara dela, tá ligado? Aí ela vem e me dá um cacete de eu ficar troncho. É assim quase todo dia. Vocês acham que isso é normal?

Em vez das risadas habituais que haviam me transformado em um pária na escola, me obrigando a passar a maior parte do recreio escondido entre o banheiro e a lixeira da quadra, meu discurso era respondido com olhares de solene estupefação e um profundo respeito. Talvez virar maconheiro não fosse assim tão complicado. Era tudo uma questão de prender a respiração na hora certa, proferir uma torrente quase inesgotável de desatinos e possuir pouca ou nenhuma noção de higiene pessoal. O bagulho ia passando de mão em mão e eu sentia que tudo ia acabar bem. Naquela época, além de virgem eu era muito ingênuo.

Vinda de lugar nenhum, uma viatura da Polícia Civil rodou lentamente pela rua onde estávamos. A função deles era mais prezar pela segurança nos arredores, procurando ladrões, arruaceiros, esse tipo de coisa. Fumar maconha não podia, claro, mas eles geralmente tinham mais o que fazer e não perdiam tempo com esse tipo de infração. Os policiais olharam para os maconheiros, os maconheiros olharam para os policiais, e estes últimos concluíram que o melhor era seguir em frente mesmo. E teriam feito isso, se um dos integrantes do grupo não tivesse tido uma reação um tanto exagerada quanto à presença da autoridade policial naquele momento.

- PUATAQUEPARIU! Os hômi! Os hômi! Fudeu tudo de vez!

- Mas eles não vão nem par...

- Me dá essa porra desse baseado aqui! – gritou ele, tomando o cigarro da boca de outro participante e o enterrando em uma imundície não identificável ao lado do seu pé e bem nas vistas dos policiais.

- Velho, para com iss...

- Eu não vou ser preso de novo, tá entendendo? EU NÃO VOU VOLTAR PRAQUELE LUGAR!

- Mas...

- Eu não vou voltar a ser a Gretchen do Aníbal Bruno! NUNCA MAIS!

- ...

- ...

- ...

- ...

- Seu policial, pode vir! Tá tudo limpeza aqui! Ninguém tava fumando maconha não, é rocha?

Estarrecido, o grupo observou enquanto os policiais, de cara feia, desciam do seu veículo, armados com escopetas de grosso calibre. O sargento, que comandava a operação, parecia extremamente desgostoso, provavelmente porque planejava chegar em casa cedo naquela noite e agora teria que parar e efetivamente fazer o seu trabalho, tudo por causa de um maconheiro histérico.

- Todo mundo de cara pra parede, bando de meliante safado!

Nos viramos para o muro às nossas costas, alguns com a desenvoltura adquirida através de anos de baculejos, outros, como eu, com as pernas trêmulas e no limite da incontinência urinária. Já imaginava as manchetes de jornal anunciando, no dia seguinte, o encarceramento de um menino de classe média de Boa Viagem, vergonhosamente consumindo tóxicos junto a um notório grupo de marginais. Pensava o quanto era injusto ir para a cadeia virgem, fato que sem dúvida seria remediado assim que meu companheiro de cela encarasse meus olhos verdes e carinha de bebê. Resignado, aceitei o meu destino e comecei a considerar nomes artísticos para a minha temporada na prisão. “Galega do Janga” era um apelido com evidente apelo comercial e sem dúvida eu venceria ao menos um Miss Mulherzinha da Penitenciária. Assaltado por esses pensamentos sombrios, eu observava, de esguelha, os policiais revistando meus comparsas. Um deles, provavelmente movido por puro terror, desatou a rir incontrolavelmente, para imensa irritação do policial que o abordara.

- HAHAHAHAHAHAHAHAHA!

- Tá achando engraçado, fela da puta?!

- HAHAHAHAHAHAHAHAHA, não, não, é que quando eu tô nervoso, eu começo a HAHAHAHAHAHAHAHA!

- A quê??

- HAHAHAHAHAHAHAHAHA! Foi mal, foi mal, eu não consigo me controlAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!

- Ah, consegue não? Quer tirar onda? Quer?? Então toma!

O policial, indignado, plantou um tabefe na orelha do rapaz, que automaticamente passou das risadas às lágrimas. Eu sentia que ia precisar de uma cueca limpa caso conseguisse voltar para casa vivo enquanto engolia em seco, na tentativa de fazer com que meu coração não escapasse pela boca. O sargento, baixinho e bigodudo, se posicionou atrás de mim e começou o procedimento, de forma dura, porém profissional. Por puro nervosismo, tentei me refugiar nos meus passatempos favoritos, tentando esquecer o terror daquela situação. Pensei nas minhas revistas de super heróis e senti uma inexplicável ereção se avolumando na minha calça. Horrorizado, mudei o foco dos meus pensamentos para outra paixão: comida. Lembrando do pudim de tapioca, percebi que a ereção aumentava ainda mais, justamente no momento em que o sargento encerrava a revista com a obrigatória apalpada pélvica.

- Não bastasse fumar maconha, ainda tem mais essa... – sentenciou o velho policial, o nojo patente na voz.

Envergonhado, procurei visualizar minha avó praticando ioga ou qualquer outra coisa que encerrasse minha paudurecência juvenil, sem sucesso. O sargento, constrangido, acabou por reunir os seus homens.

- Todos pra viatura. O vício desses aí é outro. Tá liberado, bando de frango!

O carro de polícia se afastou enquanto o grupo permanecia alguns minutos mudo, de cara para o muro, só para garantir. Quando finalmente conseguimos reunir coragem para começar a nos mover, o paranoico que havia começado aquilo tudo tirou o pé do monte de porcarias onde havia escondido o baseado, colocou o embrulho imundo na boca, sacou um isqueiro e sorriu.

- Meu irmão, quase, heim? Salvei a gente, bote fé.

Ensaiei outras tentativas depois desse dia, mas logo me convenci de que fumar maconha é coisa para quem tem talento. Em mim nunca fez efeito e a socialização do ritual nunca compensou o risco. Eventualmente, iniciei uma vida sexual ativa e normal, desprovida de super-heróis, pudins de tapioca e sargentos conservadores.

A Soparia fecharia algum tempo depois, deixando órfã uma quantidade considerável de artistas pernambucanos e maconheiros sem rumo.


4 comentários:

  1. uahuhauahuahuhauha

    acho que todo muleque de recife que se preze tem uma história de baculejo pra contar! =P

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  2. sem rumo nada..foi tudinho pro Recife Antigo!!

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  3. Mas o Recife Antigo, hoje em dia, está morto também.

    Ass: Mauro, o galhofeiro ainda saudoso dos tempos idos.

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Vai, danado, reclama!