sexta-feira, 9 de setembro de 2011

No meu tempo... Parte II






De fato, as crianças locais possuíam um profundo, ainda que horrivelmente deturpado, senso de honra. Duvidar da palavra empenhada era praticamente um convite a uma pisa bem dada. Se o amiguinho jurava de pé junto que não apenas encontrou com o espírito da Galega do Banheiro, como também convenceu a entidade a mostrar sua calcinha, o melhor que se tinha a fazer era acreditar, ou ao menos tentar ser um mentiroso razoável. Ocasionalmente, uma das crianças, movida por ousadia sobrenatural ou simplesmente um intenso desejo de autodestruição, acabava por duvidar do colega. Na frente da turma toda.

- Oxe. Mentira do carai doido!

Tensão. As outras crianças, farejando a futura matança no ar, se aglomeram como aves de rapina.

- É o quê, doido?! Tá duvidando de mim?

O outro garoto hesita. Olha ao redor, os rostos dos companheiros ávidos por sangue. Tarde demais para voltar atrás.

- Duvido sim!

O colega, ferido em seu orgulho de mentiroso, parece prestes a ter uma síncope. Seu corpo treme, as unhas se enterram em seus punhos cerrados. Tudo que é necessário para liberar de vez essa fúria assassina é o estímulo apropriado.

- E digo mais. DUVIDEODÓ!

 Os garotos se atracam selvagemente, para o deleite da criançada, sempre gritando frases de encorajamento e sugestões úteis para a situação.

- Chuta os ovo, doido!

- Dá-lhe na caixa dos peito, pro catarro sair!

- Vai no nariz, que o frango chora!

- TIRA MEL!

Tirar mel dos amigos (ou dos temporariamente inimigos) era a maior humilhação que podia ser imposta a outro ser humano. Em uma brincadeira normal, era indigno. Numa briga, era o equivalente a finalizar o adversário em uma luta de Vale-Tudo, só que a desonra era bem maior, além de duradoura. Consistia, basicamente, de passar os dedos indicador e médio pela racha a bunda do amigo, gritando alucinadamente “Tirei o mel!”, enquanto a outra criança, ridicularizada, corria para casa e pedia aos pais para se mudarem para outro estado. Não é raro, no Recife, velhos colegas de escola, já homens feitos, se encontrarem por acaso e relembrarem os bons tempos de escola.

- Afrânio! Fala, velho, tudo limpeza?

- Opa, Marcondes...tudo tranquilo...olha, tenho que ir nes...

- Afrânio, peraí, bora relembrar os velhos tempos!

- Eu acho melhor n...

- Tá ligado aquele recreio que tu levou um cacete de Romildo? Lembra?

- É, Marcondes...lembro sim...

- E tu lembra como terminou a briga?

- Marcondes, eu não quero pensar nis...

- Ele tirou teu mel! TIROU TEU MEL!

- ...

- TABACUDO, TABAREL, VIRA O CU QUE EU TIRO MEL! HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA! Lembra? Ah, muito bom, viu...

- ...

 - A gente cantava isso pra tu todo recreio, a turma toda, até o vestibular...pense na arriação que...pera...pra que essa faca? Afrânio, pelamordedeus, não faça nenhuma loucura! AFRÂNIO! NÃÃÃÃRRRRRGGGHHHHH!


Algumas feridas demoram mais a cicatrizar do que outras.



Continua...

5 comentários:

  1. Outro incentivo importante na hora de uma briga era dizer: "aperta que ele peida!"

    Ass: Mauro, o galhofeiro saudoso, que cantava "Gererê, Gererê"

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  2. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    Meu Deus do céu! Gargalhei aqui! Além de qualquer coisa, tu tem uma memória boa demais! Só tem uma coisa... Concordo com Mauro. Faltaram algumas brincadeiras na parte I. Pular carniça era massa! :-D

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  3. Diabos, Priscila já colocou uma resposta a altura. Com a maloqueragem de Candeias não se brinca.

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  4. Isso tudo é bangue bangue, vira o c* que eu tiro sangue!

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  5. Isso não é resposta, vira o c* que eu tiro bosta!

    Ass: Mauro, o galhofeiro maloca.

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Vai, danado, reclama!