quarta-feira, 3 de março de 2010

Na praia

 

Preciso confessar uma coisa. Como reclamador profissional, sou cheio de frescuras. Cheio mesmo. Uma delas é com coisas nojentas. Tem gente que passa mal vendo sangue, desmaia, bota os bofes pra fora, etc. Eu sou capaz de fazer isso se tiver alguém vomitando do meu lado, ou, pior, dando um cagão. Imagina. Não, deixa pra lá, não imagina. Então. Pode sangrar a vontade. Faço até o torniquete, recolho o membro amputado, junto os pedaços de miolo e boto num tupperware. Bronca zero. Mas as nojeiras...
Você pode até contar uma história nojenta pra mim. Não tem problema. Meu cérebro altamente treinado é capaz de interpretar histórias de vários níveis de sebosice, tomando o cuidado de não transformar nada do que está sendo dito em imagens. Certamente, uma salvaguarda mental visando proteger minha sanidade. Coisa de gente evoluída. Mas as vezes as coisas nojentas acontecem com você. Aí, velho, não tem reclamação nesse mundo que vá te salvar.
Por exemplo, não tem Lucy, minha amiga alemã? Tem sim. Já disse que tem. Então, aí ela morou aqui um tempo, cerca de seis meses. Gostou tanto que até trouxe os pais pra conhecer. Os alemães, de maneira geral, são um povo gente fina e sem frescura. As vezes sem frescura até demais. Mas aí, tá. Eu, bom anfitrião que sou, resolvi levar os coroas pra Calhetas. Quem já foi, sabe que lá é bonito pra caralho.  Daí, estacionei o carro, descemos aquele caminho Íngreme e chegamos à areia. Apoiei uma perna sobre umas das muitas pedras que parecem jogadas ao acaso na praia, fiz um gesto largo abrangendo a areia branquíssima, as formações rochosas irregulares, o céu límpido, o mar verde-azulado e comecei o seguinte diálogo:
Eu: E aí, o que acharam?
Lucy: Nossa, Fred, que lindo!
Pai de Lucy: Aqui é, realmente, o paraíso.
Mãe de Lucy: Eu acho que vi um menino fazendo cocô na água.
Eu: O que?!
Mãe de Lucy: Sim, mas um cocô bem pequeno. Não se preocupe.
Eu: Putaquepariu!
Lucy: Acontece, Fred.
Eu: Acontece no banheiro! Não era pra acontecer na praia, pô! Caralho, que nojo...e ai, vamos embora...?
Nisso, o pai de Lucy se metendo a escalar as rochas, a mãe de Lucy tranquilamente sentando numa cadeira e começando a reler seu livro e a própria Lucy tirando a roupa pra entrar na água, sob meu olhar horrorizado.
Eu: Lucy...Lucy, tem certeza? Pô, o menino acabou de dar uma barrigada na água, a bosta ainda deve estar boiando por aí e...
Lucy: Fred, o mar já tá cheio de merda mesmo. Deixa de frescura, pára de reclamar e entra na água.
E foi mergulhar.
Derrotado pela lógica cristalina da alemã, fiz a única coisa que me restava.
Respirei fundo, rezei um pai-nosso e entrei no mar cagado.


Um comentário:

  1. Ei, brigada Fred, agora seus amigos vão pensar que sou uma porquinha baaaaaah :P Naaaaada..
    Deixa-me juntar que sim que os alemâes têm frequentemente mais frescuras com isso. Cocô de cachorro na calçada por exemplo, no Brasil e na Espanha (nos lugares que eu conheço) não é algo com que o povo se enfada tanto. Na Alemanha é sim.

    E eu entrei no mar loooonge daquele lugar!
    Huahuahuaahahaa, minha mãe e eu morremos de rir, lembra?..mas sobre tudo por causa da tua frescura, porque tu ficou com cara de ter sido completamente desilusionado! :D
    Emfim.. em Calhetas parece um paraíso mesmo.. não.. combina.. mas.. acontece.. pois é!

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Vai, danado, reclama!