quinta-feira, 6 de maio de 2010

A porta


Me levantei da banca e deixei a sala de aula. Lá dentro, o professor explicava, com seu sotaque quase cômico, que os artigos, em alemão, simplesmente não possuíam regras. Me pareceu a hora perfeita para usar o banheiro, uma vez que, ausente de regras, uma explicação torna-se um mero exercício de memorização. E isso podia esperar até que eu voltasse do sanitário. Caminhei pela fileira homogênea de armários de metal, passando pela banheiro feminino, buscando chegar ao seu equivalente masculino, em direção diametralmente oposta.
Nada.
Um tanto confuso, refiz meus passos até o inicio da galeria de armários. Encontrei o banheiro feminino e voltei pela direção oposta, agora mais lentamente. Mais uma vez nada. Apenas fileiras intermináveis de armários metálicos perfeitamente simétricos. Estéreis.
O banheiro masculinho simplesmente não estava lá.
Fiquei em pé, confuso, meu cérebro tentando formular explicações racionais para uma situação tão bizarra. Nenhum som escapava das salas de aula do CAC agora. Não havia o ruído de estudantes conversando ou de pés se arrastando pelos corredores. Envolto pela penumbra criada pelas velhas lâmpadas que se esforçavam, quase em vão, para expulsar a noite daquele local, meus ouvidos começaram a registrar aquele inusitado silêncio. Havia uma estranha imobilidade no ar, uma calmaria expectante. O olho do furacão. Ansiosos, os armários me observavam com seus cegos olhos de metal. Foi então que percebi. Estava bem na minha frente, todo aquele tempo. Me esperando.

Um armário, como todos os outros, e atrás dele, uma porta. Intrigado, afastei a peça de mobiliário, que ofereceu pouca resistência aos meus esforços. Parecia querer se mover e revelar o que escondia atrás de si. Era, de fato,a entrada para o sanitário masculino. Estaquei, em dúvida. Por que a porta do banheiro masculino estaria oculta daquela forma? Quem faria tal coisa? O silêncio ao meu redor havia evoluído para um pulsar cadenciado, reverberando em meus ouvidos. Um ritmo surdo, que se espalhava pela minha pele, ossos, sangue e coração. Estendi a mão suada e abri a porta.

Dentro, escuridão total. Uma réstia de luz corajosa ousava invadir aquele negror, revelando uma parte dos lavabos e o espelho na parede em cima deles. Meu reflexo parecia estranho, pouco definido. Não natural. Fitei meus próprios olhos, buscando conforto e familiaridade e encontrei apenas escuridão. O pulsar tornava-se mais alto, me impelindo a avançar em direção as trevas. Dei um passo para dentro. Mais outro. Com os olhos adaptados à ausência de luz, consegui identificar, à minha direita, a fila de cabines individuais de sanitários, suas portas escancaradas. Menos uma.
O pulsar pára, repentinamente. Meu olhar é irresistivelmente atraído para aquela porta cerrada. Me aproximo, devagar. Ergo a mão e toco a superfície estranhamente fria da madeira. A luz atrás de mim parece morrer aos poucos, agonizando, desistindo de lutar. As trevas não aumentam, ficam apenas mais densas, quase palpáveis. Me envolvem como uma teia de escuridão, tecida por algo antigo, uma coisa sem explicação, grávida de malícia, uma mente dominada por propósitos por demais alienígenas para que a mente humana possa ao menos começar a compreender. Sinto o meu cérebro ser invadido por visões de horror indescritível, uma torturada existência afastada da luz e do calor, eternamente vagando por intermináveis corredores repletos de armários enferrujados, para sempre encontrando aquela porta oculta, revelando segredos sombrios que pessoa alguma jamais deveria conhecer.
Páro. Caminho lentamente para trás. O pulsar retorna, urgente. Chamando. Implorando por mim. A luz parece renovar-se, fazendo com que as sombras abandonem, apressadas, seus esconderijos infectos. Viro-me para a passagem e saio do banheiro. Lá dentro, ouço a cabine do sanitário se abrindo lentamente. Com as mãos trêmulas, fecho a porta do banheiro. O pulsar agora é um tambor, rufando no ritmo do meu coração descompassado. Por baixo da horrenda pulsação, um som de arrastar, bizarro e, ainda sim, estranhamente familiar, como que saído de alguma região primitiva do meu cérebro, dormente, porém jamais esquecido. Em pânico, tento recolocar o armário no lugar. O mobiliário, antes tão leve, agora encontra-se pesado, obstinadamente imóvel. O pulsar é insuportável. Sinto que a coisa está quase chegando à porta, sua presença imunda roubando a força das minhas pernas. Desesperado, jogo meu corpo contra o armário, sentindo uma dor aguda causada por suas protuberâncias metálicas.
A pulsação pára. O som de arrastar desapareceu. Olho ao redor e vejo que me encontro no início da fileira de armários. A luz, antes mortiça, agora se espalha saudavelmente por todo o local. Ao longe, escuto o tagarelar dos estudantes deixando suas salas de aula. Me afasto, cambaleando, daquele estranho lugar. Um tanto trêmulo, retorno à minha aula de Alemão, que já está se encerrando. Ao notar minha face pálida, um dos estudantes comenta, brincalhão:
- Meu irmão, velho, o que foi que tu comeu?
Forço um sorriso no canto dos lábios, murmuro um boa-noite para as pessoas e me retiro. Voltando para casa, faço a mim mesmo um juramento que jamais pretendo quebrar.
Nunca mais, na minha vida, vou no banheiro do CAC.

6 comentários:

  1. heuahuha
    Tem coisas que SÓ acontecem com vc, Fred!!

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  2. Resumindo: nem cagasse.

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    Mauro, o rei da galhofa.

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  3. ¬¬
    eu to achando que tu fumasse uma daquelas la no cac visse... a parte do armario do banheiro é verdade... mas eu tava lá, n foi assim n!!!
    MENTIROSOOOOOOOO!!

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Vai, danado, reclama!