quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A presença




Estava chegando em casa com minha mãe e, ao abrirmos a porta da sala, escutamos barulhos estranhos dentro de casa. Coisas caindo no chão, se espatifando. Como se revirassem o apartamento furiosamente, a procura de algo ou de alguém. Assustado, mandei que minha mãe ficasse perto da porta, pronta para correr a qualquer sinal de perigo. Armado apenas de coragem e, talvez, um pouco de sentimento autodestrutivo, entrei e comecei a vasculhar os cômodos. A sala estava vazia, a cozinha e a área de serviço desertas. Intrigado, passei para os quartos. O que vi me gelou a boca do estômago.

Papéis espalhados, livros e canetas jogados no chão, uma confusão de pequenos objetos atapetando o piso dos quartos, caos. Conclui que algum assaltante devia ter invadido o apartamento, causando um pandemônio doméstico enquanto procurava por nossas economias inexistentes. Chamei minha mãe e, depois de confirmar que nenhuma das trancas de ambas as portas havia sido forçada, procedemos a arrumar a bagunça e tentar descobrir o que havia sido levado.

Não demos pela falta de absolutamente nada. Haviam coisas fora do lugar, mas nada havia desaparecido. Supersticiosa, minha mãe arregalou os olhos, enquanto o sangue fugia do seu rosto, e sussurrou, trêmula:

- Poltergeist.

Olhei para ela incrédulo, pronto para abrir um sorriso de escárnio filial, quando senti uma estranha sensação na minha pele. Como um toque, leve, gentil, acariciando meu braço, passeando pelas minhas costas e suspirando em minha nuca. Minha mãe, experimentando a mesma sensação sobrenatural, estacou repentinamente, emudecida por aquela presença inexplicável. Lentamente, virei-me para a direção daquela carícia gélida, que arrepiava todos os pelos do meu corpo desavergonhadamente. Me deparei com a janela aberta e finalmente identifiquei a fonte daquele mistério.

Vento.

Boquiabertos, eu e minha mãe nos olhamos, sem conseguir acreditar no que estava acontecendo. Nosso apartamento era conhecido por jamais deixar entrar uma mísera brisa e já até tínhamos esquecido qual era a sensação de ter ar em movimento dentro de casa. O vento, agora mais forte, invadia toda a casa, empurrando para fora o ar estagnado que havia se acumulado durante os anos. Maravilhados, observávamos a corrente de ar derrubando quadros, espatifando jarros e batendo portas, como crianças que observassem a neve caindo pela primeira vez em suas vidas e sentissem dificuldade em se adequar aquele estranho fenômeno. 

Chamamos os vizinhos para ver, ligamos para familiares distantes, tiramos fotografias sorrindo ao lado de porta-retratos voadores e de redemoinhos de papéis de carta multicoloridos. Por um dia, sentimos o que era ter o frescor do ar renovado percorrendo nossa casa, como um parente abusado que se mete em todos os cômodos sem a menor cerimônia. Nos acostumamos, nos adaptamos, nos sujeitamos àquela correnteza elemental e o nosso lar, finalmente, parecia estar completo.

O vento desapareceu no dia seguinte. Como se jamais houvesse nos visitado, foi-se e deixou em seu lugar apenas um abafado, um vazio sufocante que nos envolvia como um manto, pesado, oleoso. Desconsolados, minha mãe e eu permanecemos em silêncio, lembrando de quando havia brisa e a casa sorria, aliviada. Respiramos fundo o ar viciado e fomos dormir, buscando sonhar com o vento perdido e sem conseguir cair no sono por causa do calor.

O Verão havia chegado e não permitia contestações ao seu reinado.

2 comentários:

  1. Já tinha tirado minhas próprias conclusões no meio da história...ESPÍRITOS!!
    Nunca mais ia aparecer na tua casa...
    Ufa, foi só o vento!
    hehe

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Vai, danado, reclama!