terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Pernambuquês




Dia desses fui tomar uma cerveja com minha amiga Eva, dona do Blog Ladeira Chic (que aliás, anda meio parado. Evinha, olha o serviço, cacete!) e os colegas do trabalho dela, um pessoal muito gente boa e quase todos de fora de Pernambuco. Na misturada tinha carioca, gaúcho, paulista, baiano e outras nacionalidades que não lembro agora. Como é natural, em uma mesa onde há ao menos um pernambucano e pessoas de qualquer outro lugar que não seja Pernambuco, o tema da conversa logo passou para bairrismo, no caso, o do tipo extremado que se pratica por aqui. 

Deus me defenda de tentar mudar a imagem do pernambucano que, aliás, deve ser o único no Brasil que se sente totalmente confortável com seus estereótipos. Chame um baiano de preguiçoso, um paulista de chato ou um carioca de folgado e eles vão bater na mesa e berrar, cada um com seu sotaque particular “Peraí, meu rei/mano/maluco, não é assim não!”. Chame um pernambucano de bairrista extremado, chato e megalomaníaco e um sorriso insano de satisfação vai se espalhar pelo rosto dele, o que vai te forçar a acrescentar “doido de pedra” na sua lista de pré-conceitos. E com razão. 

Para mostrar que o pernambucano, apesar da má fama acima justificada, também pode ser legal, simpático, acolhedor, contido e, até certo ponto, mentalmente são, resolvi aproveitar a nova onda de desenvolvimento do estado, que vem atraindo cada vez mais gente de fora (“gente de fora”, olha o preconceito!) e bolar um pequeno dicionário de expressões de uso corrente em Pernambuco, tendo em vista facilitar a comunicação entre os daqui e os de lá (mais preconceito), evitando assim mal-entendidos, confusões, bate-bocas, confrontos físicos, desespero, morte. 

Lembrando que todas as expressões devem ser pensadas e praticadas com o sotaque típico daqui, então nada de “dji” ou “tchi”. Pernambuco é um dos poucos estados do Brasil que ainda resiste à sanha homogeneizante das novelas da Rede Globo (desculpem Bahia e Ceará), então por aqui ninguém fala “Você assistchiu o últchimo capítulo de Tchi Tchi Tchi?” e nem usa artigo definido antes de nome próprio. Com a parte fonética acertada, vamos às expressões. Não estão em ordem alfabética, deixe de ser chato e leia mesmo assim.


Tabacudo – Uma das minhas expressões locais favoritas. Tabacudo é aquele ser que fala besteira com uma frequência preocupante, mas geralmente não chega a ser muito ofensivo. Todos podemos ser tabacudos de tempos em tempos, especialmente quando o nível alcoólico no organismo começa a atingir níveis alarmantes.

Mamão – No caso, não é a fruta. Mamão equivale a tabacudo, sendo um pouco mais condescendente e, portanto, ofensivo. Geralmente vem com acompanhamento. Por exemplo “Cala a boca, mamão!”.

Zé – Versátil, equivale ao mané dos cariocas. É o otário, o ingênuo, o cara despreparado para a vida. Permite diversas complementações diferentes, com variados níveis de ofensa pessoal. Exemplos: Zé Mané, Zé Culé, Zézo e, preferido entre as massas, Zé Buceta. Esse último faz referência, claro, ao homem virgem, que por nunca ter comido ninguém, acaba sendo esculachado com um apelido que junta o Zé com aquilo que, supõe-se, ele nunca experimentou na vida. O maior sociólogo que o Brasil conheceu, o pernambucano (lógico) Gilberto Freyre, explica que na patriarcal sociedade açucareira de Pernambuco, só era homem quem conhecia as delícias dos favores femininos e quanto antes melhor. Daí os garotos dos seus doze ou onze anos, ainda na época da escravidão, já começarem a se esfregar nas mucamas e, pouco mais tarde, exibirem as cicatrizes da sífilis aos amigos, como uma espécie de medalha de honra e atestado de masculinidade.

Donzelo – Ver Zé Buceta.

Besta, abestalhado e alesado – Ver Tabacudo.

Véi – Corruptela de “velho”. Pronome de tratamento altamente informal e massificado, especialmente na capital, Recife. Costuma vir acompanhado de outra expressão, também muito popular, criando o absurdo, porém bastante difundido, "Meu irmão, véi”. 

Tás onde? – Essa é bem óbvia. Contudo, até onde eu sei, apenas por aqui se procura saber a localização de uma pessoa, geralmente ao celular, utilizando-se essa expressão. “Cadê tu, véi?” é uma variação completamente aceitável.

Doido – Ver Véi.

Carai – Corruptela de “caralho”. Serve para se referir ao órgão sexual masculino ou, como é mais comumente usado, para enfatizar uma colocação ou indicar intensidade. Por exemplo: “Meu irmão, véi, bicha feia do carai!”.

Visse? – Usado para se confirmar a compreensão de uma informação. Pode ser usado em praticamente qualquer situação e possui uma variação famosa, o “Tá ligado?”, que costuma irritar pais e pessoas mais velhas em geral. Muita gente simplesmente não consegue terminar uma frase sem disparar um “Tá ligado?” no final.

Virado – Significa transformado em algo, dando a entender que a pessoa em questão encontra-se, momentaneamente, fora do seu juízo perfeito. Variações comuns são “Virado na porra”, “Virado no carai” e o enigmático “Virado no mói de coentro”.

Te fode! – Variação local do popular “Foda-se”, praticado no resto do Brasil. Admite complementos, como “Te fode, doido” ou “Te fode, véi”.

Se garante – Alguém que é competente em alguma coisa, mesmo que seja uma coisa ruim. Por exemplo: “Ela se garante na chatice, visse?”.

Acochar – Significa, literalmente, apertar. Serve para descrever, em termos grosseiros, uma relação física entre duas pessoas, quando uma acocha a outra e, se tudo der certo, é acochado de volta.

Amolegar – Significar mexer em algo ou, dependendo do contexto, passar a mão no órgão sexual alheio, preferencialmente com concordância previamente estipulada.

Balaio-de-gato – Uma situação confusa. Não se sabe quem está certo e quem está errado, muito menos que é o dono dos gatos ou como eles foram parar naquele balaio, para início de conversa.

Pegar bigu – O mesmo que pegar carona, mais utilizado no interior do estado. Não há conotações sexuais nessa expressão.

Couro-de-pica – Algo que não se resolve, vai e volta, lembrando o movimento do órgão sexual masculino durante o ato.

Pegar ar – Ficar nervoso, perder a calma ou a paciência em relação a alguma coisa.

Fuleiro – Significa algo de baixa qualidade, inclusive amizades. O fuleiro é a pessoa com a qual não se pode contar para nada, seja para dar uma ajuda no trabalho ou mesmo para aparecer para uma cervejinha com os amigos. Dá origem ao verbo “fuleirar”.

Farrapar – Ver fuleirar.

Cair um baque – Tropeçar e cair no chão, geralmente de forma patética e com pessoas apontando e rindo de você.

Arrancar o samboque – Tropeçar e, no processo, perder a pontinha do dedo do pé.

Vou chegar – Vou embora. Ninguém sabe muito bem qual a origem dessa expressão, mas até eu admito que não faz o menor sentido. Aceita variações como “Vou chegar nessa” e “Vou lavrar”.


Além dessas existem muitas outras. Lembrando que há também aquelas que são comuns ao Nordeste como um todo, como "Eita", “Oxente”, “Ôxe”, “Vixe Maria”, “Galego” e outras mais. Muitas delas, apesar da resistência das mayaras da vida, se popularizaram por todo o Brasil. Difícil é encontrar alguém hoje em dia, mesmo na lonjura das fronteiras gaúchas ou no coração de São Paulo, que não fale o seu “Vish” ou “Afe”, corruptelas dos originais nordestinos. Seria impossível acrescentar todas em um único post e muitas não me vêm à cabeça no momento, por isso peço aos leitores, de Pernambuco ou não, que deixem na seção de comentários suas contribuições para esse dicionário, visando assim melhorar a comunicação entre o pernambucano e o resto do Brasil. E você, que é de fora, vá praticando. Pernambuco está de portas abertas para você.

Mas faz aí um esforçozinho para aprender a falar nossa língua antes de vir, vai.

10 comentários:

  1. Me falaram que nunca se deve pedir um frango assado ai!hehehe."Peça sempre um galeto".
    Valeu pelas dicas!:P
    :*

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  2. Acoitar = Acobertar algum fato.
    Agoniado = Uma pessoa apressada, exaltado ou ansioso (ex.: Ele está agoniado por dinheiro)
    Amostrado = Um apssoa exibia, que quer aparecer.
    Aperriar = Aflito, irritado (Ex.: Aperriar o juízo da mãe)
    Bascuio = Entulho. (Ex:A chuva deixou a rua cheira de bascuio)Refugo, coisa sem valor
    Cacete = Pênis ou Surra (Ex:Levar um cacete)
    Cangote = Pescoço (Ex:Dar um cheiro no cangote)
    Cheiro = Demonstração de afeto, encostando o nariz em uma pessoa e aspirando.
    Pereba ou perebento(a) = Uma pessoa cheia de feridas no corpo.
    Pirraia = Criança, pirralho
    Fuá = Cabelo assanhado. (Ex.: Cabelo de fuá)
    Gaieira = Mulher que trai o seu homem. (Ex: Ela é uma gaieira sem vergonha)
    Garapa = Refresco doce, Caldo de cana, mistura de água e açúcar que segundo a tradição, serve para acalmar as pessoas.
    Guenzo = Pessoa magra, esquelética.
    Jururu = Uma pessoa desconfiada ou uma pessoa cabisbaixa. (Ex: Eu estou um pouco jururu)
    Massa = Coisa boa. (Ex: O forró estva massa)
    Oiti = Ânus. (Ex: Ele gosta de dar o oiti)
    Peba = Coisa não original de baixa qualidade, ruim.
    Piolho-de-cu = Pessoa insistente, irritante.
    Suvaqueira = Odor desagradável de suor das axilas
    Tolete = Fezes
    Tuia = Porção.(Ex: Tenho uma tuia de roupa pra lavar}
    Vôte = Interjeição de espanto.(Ex: Vôte!É muito caro)
    Xanha = Coceira no púbis. (Ex: Ele está com xanha)

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  3. Hahahahaha! Confirmando a alcunha de bairrista, vou twittar esse texto. Porque embolei de rir com o “Você assistchiu o últchimo capítulo de Tchi Tchi Tchi?”.

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  4. Dar o pipoco - dar trambique, passar calote.
    Doente - homossexual. Termo mais usado no interior do estado. (esse rapaz é meio doente)
    Púia (ou pulha) - brincadeiras para empulhar, envergonhar ou pregar uma peça (ex: Comprei aquele queijo tipo reino redondo; vou pro culto orar etc)
    fí de rapariga (ou filho de rapariga) - o mesmo que filho da puta.

    Ass: Mauro, o galhofeiro

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  5. Tirinete - às vezes tenho a impressão que quem inventou isso foram as Quincas... mas vamos lá: confusão, balbúrdia. Sabe aquele momento que alguém dá um tiro pro alto e todo mundo sai correndo (rec beat feelings)? ou quando começa a falar todo mundo ao mesmo tempo (isso nunca acontece lá em casa né Fred?)? Pronto! você já sabe o que é um tirinete...

    bruguelo - é criança, normalmente as pequeninas, buchechudas...

    Pirráia (ou pirralha, ou pirra) - pode ser só o seu irmão (irmã) mais novo, mesmo que ele tenha 17 anos. ou pode ser um grande amigo: - faláí meu pirráia!

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  6. Uma boa dica: livro Minidicionário de Pernambuquês, facilmente encontrado em livrarias. Se não me falha a memória, o autor chama-se Bertrando Bernardino.

    Ass: Mauro, o galhofeiro de volta dos mortos.

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  7. Pai- pronome de tratamento. Usado para os "mais chegados". Aceita aplicações como "Ei pai", e "Bora pai!".

    Mim- pronome de tratamento, mas que pode ser usado para qualquer pessoa. "Ei mim, tu quere?"

    Guere-guere - O mesmo que frescura. "Ei mim, deixa de guere-guere!"

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  8. Fred.. achei que era bairrista, mas conhecendo você ... não, é foda véi..
    Bom , é engraçado ler essas coisa de PE, quando fico conversando com os amigos de outros Estados do Brasil percebo o vocabulário MASSA que temos aqui..
    Como tenho um amor peculiar pela Zona da Mata , senti falta das palavras Pantin e Pitis rsrsrsr

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  9. Salve salve Fred,

    Apenas hoje a nossa colega Erva me repassou o endereço do teu blog. Dei uma bela navegada em tuas publicações, impossível não dar muitas gargalhadas, você possui uma hilária redação camarada. Pode ter certeza que frequentarei este blog em meus momentos de ociosidade laboral.

    Escolhi este post para comentar, por me sentir parte dele, porém expresso minha indignação por você ter deixado de lado menção ao povo Potiguar!

    Parabéns pelo blog. Um forte abraço e até a próxima cerveja!

    Augusto César

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  10. "fechou com chave de badoque"~rsrs...
    Fred ótima essa sua postagem.Sou comissária de voo e PERNAMBUCANA. Ontem fiz um voo e escutei o seguinte comentário de outra colega de trabalho:
    "Esses dias, durante o serviço de bordo,uma mulher disse pra mim que queria obrar e eu, pensando que obrar significava fazer uma oração ou coisa parecida, disse pra ela que ela podia ficar à vontade. Daí ela disse que queria cagar. Foi quando eu me dei conta de que o que a senhora estava querendo era que eu afastasse o carrinho do corredor para que ela pudesse passar para o banheiro
    KKKKK...Meu Deus! Usar "obrar" pra "defecar"
    Engraçado "né"?! O desconhecimento dessa minha colega a fez pensar que a expressão "preciso obrar" usada pela senhorinha estava equivocada. Expliquei pra ela e pra alguns que ouviam que "obrar" é uma expressão muito usada por pessoas de mais idade e que além do regionalismo, o verbo obrar também é um verbo intransitivo e nesse sentido o seu significado é justamente: evacuar;defecar.
    É incrível o quanto precisamos estar abertos para essas diferenças na oralidade, porque todas as expressoes possuem suas raízes.
    Existem outras pérolas, mas ficam pro's próximos capítulos:)

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Vai, danado, reclama!