sexta-feira, 4 de novembro de 2011

O louco




Hoje no ônibus havia um louco. Desses loucos que são loucos de verdade. Que cheiram a doidice e a falta de banho. Tinha os cabelos mal pintados de amarelo e vestia o padrão esportivo de três times diferentes, combinados em uma miscelânea futebolística sem o menor sentido. A boca se mexia sem parar, dialogando com algo invisível aos olhos das pessoas sãs, arengando e arengando sem parar, os olhos arregalados, os gestos largos, insistentes, urgentes. Seus olhos pousavam ocasionalmente sobre um passageiro aparentemente aleatório, que se tornava o objeto de suas palestras ininteligíveis. Era o suficiente para a pessoa entrar em um profundo estado de concentração no que estava a sua frente, tentando em vão ignorar as palavras do homem que batiam e rebatiam pelos assentos do coletivo, provocando mais desconforto do que os buracos das ruas ou as lombadas negligenciadas pelo motorista. As pessoas olhavam para o louco e, em silêncio, desejavam. Desejavam que ele sumisse, desaparecesse dali. Desejavam com aquela vontade eugênica de conformidade, que homogeneíza as sociedades, que transforma tudo o que é diferente em uma agressão, um grito no pé do ouvido, um tabefe na cara. Tinham medo de respirar o mesmo ar do louco, de encontrar sentido em suas palavras. Tinham medo, sobretudo, dos seus olhos.

Eu também queria que ele fosse embora. Não suportava mais os murmúrios inarticulados do louco, as risadas mal abafadas dos passageiros, minha própria repulsa pela loucura alheia. Eu o encarava com raiva por ele existir ali, naquele espaço e naquele momento, uma parte desencaixada da realidade, saliente, protuberante, uma ponta partida no tecido da vida, incômoda, evidente. Aguda. Queria gritar para que ele fosse embora dali, que descesse em qualquer lugar, pois qualquer lugar é de serventia para os que não têm mais juízo. Olhei com ódio para a pele curtida de incontáveis dias de sol, sulcos profundos como vales esquecidos em uma pele de pergaminho, cujas palavras não faziam mais sentido. E foi então que ele me encarou. Eu já havia visto aquele olhar antes. Havia me acompanhando por toda a minha vida. Estava ali, a cada fracasso, a cada decepção, cada pequena derrota. Toda vez que meu coração foi partido, os cacos afiados se acumulando dentro do peito, cortando e recortando a minha alma. E cada vez que a vida me esmurrava, eu procurava os hematomas no espelho, encontrando apenas aqueles olhos. Olhos tristes, injetados, raivosos, míopes, verdes, loucos. Loucos. Então eu compreendi. O louco então encerrou sua ladainha. Desceu do ônibus, me lançando um último olhar, um misto de pena e solidariedade. Um olhar quase fraterno. Ele sabia.

E eu jamais poderia esquecer.

14 comentários:

  1. varios, varios palavroes passaram pela minha cabeca qnd acabei de ler teu texto, pq essa eh sempre a minha forma de expressar surpresa, estupefacao. Qnd uma coisa eh boa ou ruim... E teu texto tah foda! Foda de bom! Foda de otimo, na verdade! :-)

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  2. Poxaaa! Sem palavras pra expressar... Incrível! Tu realmente devia escrever um livro! Sério! Tá fantástico!

    Isadora ^^ (Natha)

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  3. Brigado, Isa. E eu sei que é tu, não precisa colocar tua irmã de referencia.

    :P

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Mariana Cristina da Silva7 de novembro de 2011 às 00:49

    Você escreve muito bem, Frederico. Nossa... me senti dentro daquele ônibus agora a olhar o louco. Pensei até que eu também tivesse "olhos tristes, injetados, raivosos, míopes, verdes, loucos. Loucos" e que, de repente, achasse a compreensão. Às vezes, eu sinto esse mesmo medo encontrado no texto acima, o de respirar o mesmo ar do que a nós parece louco. O medo faz desejarmos o não enfrentamento das coisas que nos incomodam, por isso o desejo de o homem ir embora. E esse homem representa tanta coisa que o coerente mesmo é sentir primeiramente o medo. Mas só primeiramente.

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  6. O louco é antes de tudo, um espelho. Só que um que aponta para a alma, uma parte nossa que evitamos enxergar com clareza, por medo do que vamos encontrar. Sinto constantemente esse medo da loucura, muito mais presente do que da morte. Se a morte pode ser, para alguns, libertação, a insanidade é como uma prisão sem muros, talvez inescapável.

    Mas uma a qual todos tememos vislumbrar.

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  7. Acabei de descobrir seu blog e fiquei realmente fascinada com a sua percepção do mundo a seu redor. Passo frequentemente por situações similares dentro do ônibus, nas quais o simples olhar de um estranho é capaz de modificar meu dia e me fazer refletir sobre zilhões de sentimentos.
    Parabéns pelo blog, é maravilhoso.

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  8. O que é ser louco? O que uma pessoa considerada sã sente momentos antes de "enlouquecer"? Qual é o gatilho que ativa a loucura de cada um? Eu não sei.

    Valeu, Fred.
    Ass: Mauro, o galhofeiro são(?).

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  9. Adoreii mesmo seu texto!
    Apoio a ideia de isa de escrever um livro :)

    ;* sabrina (amiga de isadora)

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  10. Obrigado pessoal! Talvez saiam mais textos como esse, mais sérios! Vamos ver!

    ;)

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  11. "A insanidade é como uma prisão sem muros." É realmente assim que sinto isso. Escreve sim mais textos desse tipo, Frederico. Gostaria de ler mais textos seus nesse estilo, embora adore os que nos fazem rir também.

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  12. Excelente texto!
    Parabéns. Ganhou um leitor :-)

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    1. muito bom, Fred. ainda és meu conterrâneo? desculpe a demora. passado o concurso, ando meio louco - isso é um trocadilho - com alguns contos. abraço!

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Vai, danado, reclama!