terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Minha avó, minha tia e minha bunda






No Brasil, sair de casa para morar só é um tópico tão polêmico que a família toda costuma dar pitaco. Tudo bem, a parentada vai se meter não importando o assunto, mas sendo esse, a intromissão vem com gosto, embora geralmente bem-intencionada. Eventualmente, minha avó e minha tia descobriram que eu estava morando em um quarto alugado no centro do Recife. Em uma movimentação que só poderia ser definida tecnicamente como “formação de quadrilha”, as duas se juntaram e me chamaram para uma conversa.


Vó: Meu filho! Que história é essa que você fugiu de casa?!

Eu: Vó, pelo amor de Deus! Eu não tenho mais 12 anos de idade! Eu não fugi, decidi não morar mais com meus pais, nada demais.

Tia: E cadê sua esposa? Casou e não avisou a gente? Sua avó e sua tia??

Eu: Tia, nem namorada eu tenho! E precisa casar pra sair de casa?

Vó: Precisa.

Tia: Precisa.

Eu: Certo...vejam bem...eu não sou um menino. Sou um homem. Até cabelo branco eu tenho e...

Vó: Ah, mas eu acho um charme! Né, Graça?

Tia: Ah, é! Muito! Parece aquele rapaz, o José Mayer.

Eu: ...ok. Brigado às duas. José Mayer. Rapaz. Tá bom. Sim, continuando. Eu preciso do meu espaço, entendem? Isso é natural.

Tia: Mas você precisava ir morar em um antro? E justo na Boa Vista?

Eu: Não é um antro, tia. É a casa de uma senhora, que aluga quartos a preços módicos. É temporário. E a Boa Vista é um bairro ótimo, central, ônibus para qualquer lugar, tem shopping, mercado público, parque e é um dos poucos lugares da cidade que vende kebab.

Vó: Meu Deus, já está se drogando! Graça, ligue para o pai dele!

Eu: Drog...vó, isso é uma comida árabe! Tia, dá pra colocar o fone de volta no gancho? Brigado. Olhem, não é tão ruim quanto parece. Tenho meu quarto, uma cama, um guarda-roupa de uma porta e...bem, basicamente é isso mesmo. Tem até uma janela. Pena que não abre. Só preciso lembrar de nunca acender nenhum tipo de fogo dentro do quarto. Tranquilo.

Tia: Meu filho, tem geladeira?

Eu: Tem. No quintal. É compartilhada. Mas tudo bem. Minha comida é toda etiquetada. Os vizinhos quase sempre respeitam. Só bebem meu achocolatado, mas aí também era pedir demais deles, né?

Vó: Sei. E o banheiro?

Eu: Também é compartilhado. Eu uso e mais uns 4 caras também e...

Vó: Jesus, Maria e José, banheiro compartilhado?!

Eu: Hmm. Vó, eu sei que não é o ideal, mas...

Vó: Você vai pegar alguma doença e MORRER! Graça, fale pra ele!


Minha tia Graça é médica e cuidou de absolutamente todos da família a vida toda. A abnegação em pessoa, de vez em quando ainda dava uma força para as mães da família colocando medo na pirralhada com fundamentações pseudo-clínicas. Até o começo da minha vida adulta eu ainda acreditava piamente que comer e ler ao mesmo tempo faria meus globos oculares caírem, que engolir chiclete faria meu estômago implodir e que deixar o chinelo virado de cabeça para baixo, especialmente no meio da sala, era amputação certa dos membros inferiores.


Tia: É verdade. Você não sabe a procedência do povo que usa esse banheiro.

Eu: Mas, tia. Que exagero, né? O que poderia acontecer?

Tia: Você pode pegar uma doença. Venérea.

Eu: Oi?

Tia: PELA BUNDA!

Eu: Gaaaaaaaaaaaaaaaah!


Agora a coisa tinha ficado séria. A perspectiva de contrair uma doença sexualmente transmissível, através de um homem desconhecido, pelo rabo ainda por cima, era mais do que eu podia suportar. Logo eu, que sempre me orgulhei de nunca ter adquirido nem mesmo uma irritação na virilha. Se minha tia estivesse falando a verdade e eu acabasse doente, quem ia acreditar que a culpa tinha sido de uma privada promíscua e de condições de higiene terceiro-mundistas?


Vó: Viu? Viu?! Não disse?

Tia: Meu filho, você tem que pensar bem nisso!

Eu: Eu penso! Penso na minha bunda todos os dias!

Vó: Pois é, sua tia e eu também!

Eu: Na minha bunda ou...esquece. Imagens horrendas na minha mente. Agora minha cabeça começou a doer. Acho que eu preciso deitar.

Vó: Tá passando mal?

Tia: Tá sentindo algo na bunda?


Minha bunda, felizmente, continuava intacta. Pouco tempo depois, consegui uma quitinete e pude sair do quarto.

Mas aí já é outra história.


6 comentários:

  1. AUHAUHAUAHUAHUAHUAHAUHAHA

    essa foi de cair o cu da bun... melhor não continuar com esse assunto =P

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  2. Oi Fred!Cara, vc tem um talento nato...tem noção de que ler um texto seu, sem rir, é praticamente impossível??É muito divertido!!fico sempre esperando o próximo texto...
    Gostei "que só"!
    Abraços!!

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  3. Owwwn, muito obrigado, Mirna!

    Continue sempre acompanhando e, por favor, divulgue! Acho que essa semana sai mais!

    :)

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  4. Minha gente!! Morri de rir agora com teu texto, Frederico! kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
    Mas você está morando em outro lugar mesmo? Tua bunda está salva dessas promiscuidades né!!???
    kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

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  5. Esse texto é MUITO bom! Hilário, com suas doses de exagero, mas bem real. Consegui imaginar você tendo essa conversa com sua avó e suas tias! ;)

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Vai, danado, reclama!