domingo, 23 de maio de 2010

Constrangimento coletivo


Sábado, no local onde passo cerca de 1/3 da minha vida: o ônibus. Voltando para casa, vejo a Escola Americana se aproximando, estendo a mão e aperto o botão de parada. Nada. O ônibus segue como se nada tivesse acontecido. Confuso, imagino que talvez o aparelho não esteja funcionando. Melhor apelar para a antiga cordinha de parada, menos elegante, porém muito mais eficiente. Aproxima-se a parada seguinte, quase em frente à escola de inglês ELC. Puxo a corda, vejo a luz de aviso se acender em cima da porta, junto com o som característico que a acompanha. O ônibus continua em frente, sem nem ao menos diminuir a velocidade.
Enfurecido, grito com o motorista, o cobrador e com quem quer que esteja ao redor para que se abra a porta. Esmurro as paredes do ônibus, enlouquecido, diante do descaso do condutor. Vocifero obscenidades relacionadas às progenitoras de todos os profissionais envolvidos no transporte coletivo do Recife. Constrangidas, as pessoas desviam o olhar. Homens fingem que dormem, mulheres conversam baixinho entre si, mães cobrem os ouvidos dos filhos e crianças apontam assustadas para o louco do ônibus que grita com o vento e esbofeteia o veículo ao seu redor, espumando pelos cantos da boca contorcida em um pavoroso esgar de ódio inumano.
As portas finalmente se abrem, duas paradas depois daquela a qual eu havia pedido para descer. Os passageiros, aliviados, observam o louco descer do veículo. Por alguns momentos, chego a olhar ao meu redor a procura de uma pedra que possua a aerodinâmica correta para as minhas intenções. Não encontrando nenhuma, decido pela segunda melhor opção: anotar a placa do ônibus, denunciar o motorista e o cobrador para a empresa de transporte público e imaginar os dois homens sendo demitidos de seus mal-pagos empregos e conseqüentemente sendo abandonados por suas famílias, afundando em uma vida de banditismo, álcool em excesso, doenças crônicas, prostituição homoerótica e castigos sexuais em alguma das esquecidas prisões do estado. Tal perspectiva me trouxe lágrimas de felicidade aos olhos. Diligente, me encaminho à traseira do ônibus e, rindo maldosamente em antecipação, saco meu celular do bolso e bato uma foto da placa do veículo.
Essa que está aí embaixo.










Gostaria de poder dizer que essa massa rosa disforme capturada na imagem é uma visão intimista do reto do motorista, obtida no ápice da fúria. Mas é apenas meu dedo cobrindo a lente da câmera. Derrotado, guardo o celular e observo enquanto o ônibus se afasta, levando o motorista e o cobrador que, certamente, gargalham dos meus esforços infrutíferos. Seus empregos, famílias e, principalmente, integridade anal permaneceriam perfeitamente seguros.
Resignado, viro-me e começo a longa caminhada de volta para casa.

6 comentários:

  1. Nunca ri tanto às míseras 2 horas da tarde de uma véspera de segunda-feira. Parabéns!

    -Justin

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  2. Existe uma corrente entre os motoristas e cobradores dos coletivos no Grande Recife. Chama-se "Vamos fuder um(a) otário(a) hoje". Cada dupla (cobrador e motorista) escolhe, ao acaso, um(a) zé-ruela/lesa-maria pra tirar onda. Descobri essa ação anarquista por acaso, quando eu mesmo já deixei de descer na parada certa por causa desses infames.

    Ass: Mauro, o indefeso diante dos "Motô".

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  3. --


    Meu irmão, velho. Vc é O CARA! Esse texto tá hilário demais, véi! Eu ainda tow rindo aqui. hehehehehehe.


    --

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  4. Hehehe.Muito bom mesmo!A qualquer momento, sempre cai bem suas reclamaçõezinhas!Só que fiquei com dó de você voltando essas paradas todas :( . :*********

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  5. kkkkkkkkkk Com essa eu ri alto! kkkkkkkkkk

    Cheiro pra tu, visse!

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Vai, danado, reclama!