terça-feira, 25 de maio de 2010

A multidão II


Manhã de sábado. Cruzo a Avenida Conselheiro Aguiar, trafegando livremente até que algo inusitado surge à esquerda. Um aglomerado de pessoas se encontra em um pequeno terreno em frente a um conjunto de clínicas, geralmente fechado nos finais de semana. A multidão cresce cada vez mais, com pessoas atravessando a avenida desvairadamente, surgidas de todas as direções. A massa humana atinge a via dos carros, que são obrigados, inicialmente, a diminuir a velocidade, depois a parar completamente. Assustado, ergo o vidro da janela do veículo, minha única e frágil proteção contra o quer que estivesse acontecendo ali. Olhando ao redor, percebo os outros motoristas fazendo o mesmo, olhares assustados nos rostos cobertos de suor e medo. 



A multidão cresce cada vez mais, uma espécie de vírus urbano, um câncer se espalhando a partir do ponto zero de contágio. E era justamente onde eu me encontrava. Através da distorção ótica causada pelo calor no asfalto, era possível perceber vultos disformes cambaleando cegamente para o mesmo local, braços estendidos para frente, tentando pateticamente chegar mais perto. Alguns gemiam, emitindo sons inumanos que se espalhavam por todos os indivíduos, um assustador coral de lamentações que se tornava cada vez mais alto. Do meu lado direito, um dos motoristas finalmente cede à tensão e, em pânico, abandona seu veículo, numa tentativa vã de escapar da multidão crescente. Desaparece no aglomerado de miseráveis para nunca mais ser visto. Outro tenta partir com seu veículo, mas é inútil. São pessoas demais, uma muralha de carne e sangue que se interpõe entre os carros aprisionados e a liberdade. 
Desesperado, olho ao redor, já não mais buscando uma saída, mas apenas uma explicação para o fenômeno que ameaçava tomar a cidade. De repente, do centro da multidão surge um grito horrendo, como unhas quebradas arranhando um velho quadro-negro. Da massa de infelizes, surgem voando centenas de milhares de pequenas formas coloridas, se espalhando entre os desgraçados que tentam alcançá-las a todo custo, famintas, desesperadas, urrando de angústia e antecipação. Os farrapos humanos lutam entre si ferozmente, esganando, arranhando, mordendo e cuspindo, tingindo de vermelho-vivo os pára-brisas dos carros. Meu cérebro é tomado por um terror abjeto. Estou prestes a desistir, abrir a porta e me juntar àquela multidão desesperada, inescapável, quando uma das pequenas entidades coloridas voa até a janela do meu carro. Em um movimento rápido, abro e fecho o vidro, capturando a coisa entre os dedos polegar e indicador da mão esquerda. É apenas então que minha mente fica clara o bastante para raciocinar e, principalmente, para odiar. Nas minhas mãos, eu possuía a resposta para toda aquela insanidade. E ela não poderia ser mais revoltante.













Enfurecido, engato a primeira marcha e disparo com o veículo pela massa de imbecis desocupados. Como pinos de boliche, seus corpos são jogados para os lados, para o alto, por cima do capô. Alguns são pegos debaixo das rodas do carro e servem apenas como quebra-molas para minha fúria justificada. Abro um corredor de sangue no meio da massa de cretinos e, não satisfeito, faço o carro voltar de ré a toda velocidade, atingindo mais alguns que se achavam a salvo da minha vingança. Amassando a fatídica figurinha enquanto murmurava pragas diversas, apenas um pensamento me vinha à cabeça.
Putamerda, odeio multidão.

3 comentários:

  1. E esse negócio de copa do mundo só vai piorar... Pro cara brigar por uma foto de ronaldinho...Quem souber de programação alternativa na copa, me avise. Fred, tu tava bem à vontade no carnaval de Olinda, de Bezerros, etc. E não tinha pouquinha gente não...

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  2. É. Basta ter mulher e cachaça e qualquer multidão fica agradável e qualquer lugar cheio se torna aprazível. Esse Fred é um safadão mesmo.
    E sobre o troca-troca DE FIGURINHAS, quero ver quando os seus filhos começarem a colecionar álbuns e quiserem completar os mesmos, fazendo com que todos vocês façam parte da massa disforme e insandecida da foto.

    Ass: Mauro, o que quer ser pai.

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  3. Falem a verdade. Qual homem não suportaria estar no meio da multidão com mulher e cachaça? kkkkkkkkk
    Só se for a mesma mulher de anos de convivência. No mais meus queridos, todos são iguais.

    Quanto ao troca-troca. É uma pena não haver este ponto na época em que eu colecionava figurinhas da copa.


    Cheiro pra tu, visse!

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Vai, danado, reclama!