domingo, 16 de maio de 2010

Programa de avó




Passar o dia com a avó pode significar, para alguns, uma viagem emocional pelas avenidas da memória, através de velhas fotografias amareladas, guardadas ciumentamente pela matriarca da família. Para outros, é um festival de pratos culinários com gosto de infância, sempre em porções generosas e irrecusáveis.
Para mim, passar o dia com a avó significa uma coisa: maratona de novelas.
Bom, na verdade também significa vitamina de abacate, mas esse tema eu já abordei. As novelas então. Ela adora. Sério, ela adora de com força. Todas elas, sem exceção. Tirando malhação, claro. Minha avó não é uma adolescente paulista. Também não gosta do Fábio Jr. E tá pouco se fudendo pro filho dele. Nisso eu admiro minha avó. Na questão da tara pelos folhetins da Globo, nem tanto. Mas tudo bem, acompanhar as novelas com a velhinha de vez em quando não vai me matar. Imediatamente. E ao menos, enquanto ela assiste, esquece do mundo e dos abacates da vida. Mas o que ela não consegue deixar de fazer, é me dar a ficha completa de absolutamente todos os personagens que aparecem em cena e um resumo de tudo o que aconteceu desde o primeiro capítulo. Se eu quero ouvir é outra história.
Minha avó: Meu filho, você não tá entendendo nada do que tá se passando, né?
Eu: Oi? É, vó, eu não acompanho a novela, não.
Minha avó: Ah, tem problema não, eu explico pra você.
Eu: Não! Não prec...
Minha avó: Essa menina aí era apaixonada por aquele rapaz lá. Mas aí, descobriram que eram irmãos. Quem veio com essa história foi a galega, pense numa bicha ruim. Aí, eles se separam, mas eles não eram irmãos de verdade. O pai é que tinha tido um caso com a mãe da menina, mas aí ele deixou a esposa pra virar tocador de realejo em Caicó. Quando voltou, se envolveu com essa morena aí, toda bem-feita, que era dançarina do clube onde trabalhava o primo do cientista lá do começo...
Eu: Vovó, eu não me importo, já falei! Pode par...
Minha avó: ...aí o tal cientista fez um clone do pai da menina, só que o clone era ruim, sabe? Então o clone do mal seduz a mãe da menina e eles acabam tendo um filho, aquele do começo. Mas aí, o original morre e vai pro céu, transformado em fantasma. É novela espírita. O cientista toca fogo no laboratório e quem acaba morrendo é o vigia, que na verdade era amante daquela morena bem-feita...
Eu: Putaquepariu!
Minha avó: ...que já tinha deixado de dançar no clube fazia tempo e tinha virado enfermeira. Por coincidência, acaba fazendo o parto da menina, aquela do começo. Só que ela nasce hermafrodita, coitada. Sabe o que é hermafrodita? Pronto, aí elesseconhecemesecasammesmoelasendohermafroditaporqueelessegostavammuitomasotempotodooclonedomaltavaobservandoeleseoscoitadosnãoconseguemterpazporqueagalegaruimquerficarcomomeninoetrabalhaproclonequequeracabarcomavidadosdois...
E ela assim continua, mais interessada em desfiar a vida dos personagens da TV do que em realmente acompanhar a trama. Alheia ao neto soluçando em posição fetal ao seu lado, minha vó exibe uma memória sem dúvida invejável, ainda que um tanto seletiva. Personagem algum escapa do seu escrutínio e todos possuem suas vidas devassadas pelos comentários certeiros da velhinha. Resignado, faço o que posso para emitir pequenos sons de concordância nos momentos corretos ao mesmo tempo em que amaldiçôo toda teledramaturgia brasileira, especialmente a da Globo.
Mas pelo menos escapei da vitamina de abacate.

5 comentários:

  1. Nossas avós são impossíveis mesmo...elas exageram em muitas coisas...mas são pedacinhos de nosso elo com o passado...lembro-me bem que a minha adorava me dar um tal de mingau de carimã, que eu nunca suportei nem o cheiro...quem gostava era o cachorrinho que tinha lá, porque eu colocava embaixo da mesa e ele bebia tudo gentilmente... sempre!

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  2. Aê,

    Eu não tenho mais avós - nem avôs - mas queria que uma delas ainda estivesse por aqui. Era divertida e eu não percebia. Podia ter aprendido com ela a levar a vida mais na boa. Em tempo: ela detestava novela. Uma de suas tiradas, quando estava irritada: "o diabo é um corno, mesmo".

    Ah, e foi bom te ver de castigo. Ótimo texto.

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  3. Pois é. Nesse quesito de vó eu não tenho lá muita experiência. Minha vó materna era uma figura, mas quando eu era maiorzinho ela já não estava, digamos, com seu juízo perfeito, e daí não pude aproveitar os momentos que tivemos juntos. Minha vó por parte de pai morreu quando o meu velho tinha 05 anos. Daí ele foi criado por uns parentes que não tinham lá muita consideração. Por isso eu digo, vocês que têm avós, aproveitem os véios.

    Ass: Mauro, o rei da galhofa comovido.

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  4. E aí, já aprendeu o que é hermafrodita? kkkkkkkkkkk
    Nossa a explicação dela é ótima. Como ela é fofa!
    Da minha Voínha, paterna, eu só consigo lembrar de alguns momentos com total nitidez, infelizmente. Pois, naquela época, eu ainda usava calcinha bunda-rica.
    Uma delas, era o maravilhoso mingau que fazia. Era tão arrebatador, que um tempo atrás, eu quase invadi uma casa em decorrência do magnífico cheiro que espalhava-se na vizinhança, totalmente idêntico e hipnótico ao mingau de Vóinha. Mas como eu sou moça educada, me contive e assim, consegui saciar meu paladar através de um belo acordo. kkkkkkkkkkkkkkkk
    Os únicos momentos Putaquepariu que tive com Vóinha eram, da hora do meu banho. Mas isso eu contarei quando você reclamar, novamente, da vitamina de abacate. E vale citar que, desse momento eu nunca consegui escapar. kkkkkkkkkkkk

    cheiro pra tu, visse!

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  5. Eu pediria uma vitamina de abacate na hora da novela, embora tb deteste...
    \Déa

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Vai, danado, reclama!