quinta-feira, 1 de julho de 2010

Figuras folclóricas: Tom


Tom era uma pessoa peculiar. Fascinado por jogos eletrônicos desde os seus primórdios, começou sua paixão nos fliperamas da cidade, investindo sua magra mesada nas fichas que alimentavam tanto as máquinas quanto sua obsessão. Em casa, foi um dos primeiros a adquirir o velho Telejogo, na época uma maravilha tecnológica das mais invejadas. Assim como hoje em dia todos querem ser amigo do cara que possui um wii, lá pelos anos 1980 o dono do Telejogo era o mais popular da rua.

Na foto: Uma época mais simples.

Não bastasse a mania por jogos, Tom possuía uma aparência um tanto incomum. Tinha mais de dois metros de altura, cabelos encaracolados e ainda cultivava uma barba desgrenhada, tão cheia de falhas que praticamente se resumia a um bigode. Com físico avantajado, coberto de pêlos e eterna cara de poucos amigos, Tom era a cara do Haggar, personagem do jogo clássico dos arcades Final Fight. Não satisfeito, Deus fez com que Tom fosse gago.

Na foto: Tom indo para o trabalho.

Meu primeiro encontro com Tom foi, no mínimo, traumático. Caminhava tranquilamente pela rua quando escutei uma voz gutural gritando “Ei!”. Virei-me assustado e vi, do outro lado da calçada, Tom ajoelhado junto a cabeça de algum pobre coitado que se debatia debilmente. Na hora, pensei que fosse alguma nova modalidade de assalto. Levando-se em consideração que Tom, mesmo ajoelhado, chegava quase ao meu ombro, creio que minha apreensão era justificada. Como não tinha mesmo para onde correr e me encontrava semi-hipnotizado por aquela visão tão insólita, acabei me aproximando. E o seguinte diálogo teve lugar:
Eu: Hmm...tudo bem?
Tom: T-t-t-tudo b-bem uma p-porra!
Eu: Ah...bom...que pena, né? Então, valeu aí, vou nes...
Tom: F-f-f-ficaí! M-m-me ajuda!
Eu: Eu?
Tom: T-t-t-t-tu! E-e-esse c-c-cara t-t-tá tendo um ata-ata-ataque epi-epi-epi-epi-epi...
Eu: Epilético?
Tom: Isso! V-v-vai, m-me ajuda!
Eu: Tá, claro. Com certeza, o que eu tenho que fazer? Quer que eu ligue pro hospi...
Tom: S-s-s-s-segu-gu-ra a l-língua de-de-dele!
Eu: O quê? Eca, nem a pau!
Tom: E-e-ele v-v-vai en-en-engolir a l-l-l-língua e mo-mo-morrer!
Eu: Vai nada! Me disseram que isso aí é lenda e...
Tom: S-s-s-s-segu-gu-ra a l-língua de-de-dele!
Eu: Velho, olha só, ele tá todo babad...
Tom: S-s-s-s-segu-gu-ra a l-língua de-de-dele!
Eu: Peraí, a gente troca! Eu seguro a cabeça dele e voc...
Tom: S-S-S-S-SEGU-GU-RA A L-LÍNGUA DE-DE-DELE AGO-AGO-AGORA, PO-PO-PORRA!
Quem era eu para discutir com um Haggar gago, empenhado em salvar a vida de um transeunte epilético? Ainda mais quando ele tinha o tamanho de um guarda-roupa e me olhava como se estivesse prestes a arrancar minha mandíbula e usar como calço de porta. Morto de nojo, estendi a mão e segurei a língua do desgraçado aos pés dele. E assim permaneci até a ambulância chegar, mais de meia hora depois. Os para-médicos nos parabenizaram pelo bom trabalho, levaram o rapaz inconsciente para o hospital e me vi sozinho com Tom, parecendo muitíssimo satisfeito consigo mesmo. Voltou-se para mim, com um sorriso estampado em seu rosto cartunesco e se apresentou “T-t-t-tom”. “Fred”, respondi, fazendo questão de estender a mão babada para ele apertar.
Hoje em dia, Tom anda um pouco sumido. Mas ainda pode ser encontrado pelas calmas ruas de Setúbal, sua figura insólita bastante difícil de ignorar. É o protagonista de outras histórias bizarras, que vão ficar de fora do texto de hoje.
Mas um dia serão contadas.

3 comentários:

  1. Posso agraciá-los com alguns fatos sobre Tom, o sasquatch: a gente ía jogar bola em sua granja, e quando ele se irritava, pegava a bola e dizia "a-a-acabou essa m-m-merda. A b-b-bola é minha e ninguém v-v-vai jogar mais". Detalhe que nessa época ele já tinha seus 20 e tantos anos, e não 05 como aparenta o tipo de conversa. De outra feita, Tom aguardava sua vez pra jogar dominó e o cara que perdeu não quis ceder seu lugar. Simplesmente, Tom utilizou sua força descomunal para jogar o cara quase fora do bar, usando apenas os dedos das mãos pra levantar a cadeira do coitado. E tem muito mais...

    Ass: Mauro, o galhofeiro que conheceu Tom e saiu vivo pra contar essas histórias.

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  2. Deus permita que este texto seja ficcional!
    Déa.

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  3. Meu Deus, Chewbacca existe e é recifense!

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Vai, danado, reclama!