sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Sexta-feira dos convidados: O almoço e a não moça



[Não sou de reclamar muito. Por isso entendo que para equilibrar o universo algumas pessoas façam isso demasiadamente.]








Dia desses fui almoçar e, como de costume, cheguei faltando minutinhos para o self-service fechar.
Enquanto lavava as mãos aparece uma senhora, com aproximadamente 70 anos, paradinha ao meu lado, só aguardando eu terminar.
Mesmo havendo outras três pias livres, limpinhas, com água corrente e sabão líquido. … ela fica ao meu lado. E puxa assunto.

- Quase não dá tempo hoje, né, meu filho?

(Antes de continuar é importante dizer que tive uma ótima educação doméstica. Respeitar e tratar bem os idosos tornou-se uma ação natural para mim.)

Respondo com um sorriso e um leve balançar positivo de cabeça.

- Quase mesmo.

Ela, metralhadoramente, continua:

- Eu quase que não chego. Tive que acompanhar minha sobrinha num exame de vesícula. Aí sabe que atrasa sempre, né? Eles dizem pra chegar numa hora, mas nunca adianta. Nunca é na hora. A gente devia nem ir por causa disso. Mas precisa, né?

Nesse momento me arrependi de ter respondido. Deveria ter dado uma de surdo, fazendo gestos que simulassem libras. Certeza que ela iria embora.
Mas dirigindo-me aos pratos, falei:

- É verdade.

Ela, com bandeja e prato em mãos e já nas saladas, continua:

- Outra vez foi o menino dela. Ficou doente e ela não tinha com quem deixar. Deixou lá em casa, né? Porque a vó mora longe. Lá em Abreu e Lima. Aí sobra pra tia. Bem dizer que eu é quem crio o filho dela. Só vive lá em casa. Olha! Beterraba! Você bota um pouquinho aqui, meu filho?

Bom. Eu já estava colocando pra mim mesmo. Fiz o que ela pediu e ainda continuei a conversa.

- Claro. Beterraba faz bem, num é verdade?

Putaquepariu! Por qual diabo de motivo eu quis continuar a conversa? Essa era a hora certa pra eu cair fora. Mas não consegui. E já esperei a continuação dela.

- É. Deixa o sangue forte. Os meninos de hoje em dia não comem mais isso não. Por isso ficam tudo doente. Comida tem que ter fibra. Tem que comer arroz, feijão, cuscuz, ovo. Brigada, meu filho. Olha aí no seu prato … tomate, beterraba, verdurinha. Isso é que é bom. Mas os menino jovem num querem isso não. Só quer comer doce, hambúrguer … tudo que não presta.

Caminhando para os acompanhamentos ela não para.

- Tinha uma época que eu não tava comendo carne. Porque dizem que faz mal, né? Mas agora eu como. Porque se eu não comer dá logo fome. Mas num é toda carne não. Porco me dá uma azia danada. Uma queimação aqui dentro quando arrota. Sabe?

Pensei em dizer "Não, minha senhora. Como caralhos vou saber?", mas não. Respirei e respondi.

- Humrum.

- Repare se eu tenho idade pra tá me preocupando com comida. Tem que comer o que gosta. Você que é jovem, não. Tem que se preocupar com essas coisas.Veja se eu, com 68 anos vou me preocupar com isso. Eu gosto é de feijoada. … Hoje nem tem, né? … Você tá vendo feijoada ali?

- Não, senhora.

- Mas tem na sexta. É bom chegar mais cedo, viu? Aqui fica cheio demais quando tem feijoada e dobradinha. Porque não tem um lugar que preste pra comer aqui por perto … Você gosta? … Eita! Eu nem peguei garfo e faca. Onde você pegou?

Esse foi um momento tenso. Normalmente a minha reação seria ir até o lugar dos talheres e pegar um pra ela. Mas não consegui. Sem pensar muito respondi.

- Logo ali. Cuidado pra senhora não esquecer, viu?

Pronto. Feito. Em seguida, quando ela começou a se virar pra buscar o talher, tive que agir. Coloquei pimenta do reino em todas as carnes, no peixe, no frango, nas almôndegas … em todas as outras comidas que ela poderia colocar no prato e … brincadeira. Não fiz isso. Apenas passei rapidamente por tudo, pesei e achei o melhor lugar pra sentar.

A única cadeira vazia de uma mesa bem distante.


Por @Lucas_Emanuel

5 comentários:

  1. Santo Lucas! Hahahahha a foto que ilustra o post tá muito boa!
    Eu sou péssima pra isso, não dou corda e principalmente com fome - o mau humor me pega de jeito! Me faço de doida hahahah

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  2. Lucas é simpático com quem é chato com ele, como é isso hein?! Acho isso incrível!!
    Muitas vezes me faço de doida²!

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  3. Hahaha, gostei! Às vezes, eu também continuo a conversa sem querer =P
    Dia desses, uma senhora perguntou se eu acreditava em Deus, disse que não e a senhora quase tem um ataque nervoso. Já aprendi ;)

    Pior seria se a senhora te acompanhasse até a mesa. Seria insuportável conversar e comer...

    ;)

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  4. Eu também sou ímã para velhinhas tagarelas. O truque é dar aquele sorrisinho amarelo e não falar sob hipótese nenhuma.

    Muito bom o texto, Lucas.

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  5. Adorei o texto!

    Uma vez estava numa praça esperando uma amiga que estava atrasadíssima e eu estressadíssima e sentou-se uma senhora ao meu lado e começou a puxar conversa...eu que não sou nada social só balançava a cabeça e coloquei meu fone de ouvido pra ver se ela se tocava, mas diz aí que ela pediu um dos fones pra ouvir a música também!!Aí eu disse que iria guardá-lo porque a bateria do celular estava descarregando e eu precisava me comunicar com minha amiga...aí ela viu minha agenda "cute cute" e pediu pra ver e antes mesmo que eu dissesse não, ela começou a folheá-la e a me perguntar coisas...enfim...foram os 20 minutos mais longos da minha vida...:P

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Vai, danado, reclama!