sexta-feira, 30 de abril de 2010

Vergonha automática




Banco do Brasil, tarde de uma quinta-feira, final de Abril. Agência calma, porém há uma fila considerável para os caixas automáticos. Aguardo impaciente minha vez de sacar minhas mixarias. Uma das máquinas finalmente é liberada. Me dirijo a ela, introduzo meu cartão e sigo os procedimentos de praxe na tela do computador. O monitor me informa que preciso retirar meu cartão. Estendo a mão para o pedaço de plástico e, distraidamente, dou um puxão.
Nada acontece.
Tento mais uma vez. Nada. Mais uma, com um pouco mais de força. O cartão permanece teimosamente ligado à máquina. Olho ao redor. Na fila, as pessoas lançam olhares impacientes para mim. Dou de ombros, mando todas se fuderem em pensamento e me concentro no problema que se apresenta diante de mim. Não posso ir embora sem meu cartão, obviamente. Se eu continuar puxando, posso acabar quebrando-o, junto com a máquina. Localizo um guarda um tanto afastado e gesticulo para que ele entenda o que está se passando. Ele compreende e avisa que vai trazer alguém para resolver a situação. Me viro para o caixa automático, aumento o volume do MP3 Player e começo a assassinar mentalmente todas as pessoas da fila que estão me olhando de cara feia. Alguém toca meu ombro de leve e eu me viro, pronto para saudar a pessoa que vai tentar resgatar meu cartão. Certamente, um daqueles técnicos mal-pagos e antipáticos, gordo e suado, com mais cabelos no rêgo do que na cabeça.
A pessoa diante de mim é uma mulher loira, alta, olhos azuis, cabelos longos e soltos. Veste um terno feminino preto impecável e deixa escapar, através dos dentes perfeitamente brancos, um “bom-djia” carregado de um inconfundível sotaque gaúcho. Mais ou menos assim:
Bancária gostosa: Bom-djia!
Eu: ...
Bancária gostosa: Bom-djia!
Eu: ...
Bancária gostosa: O senhor está bem?
Eu: Cartão...na máquina...
Bancária gostosa: Ah, sim! O cartão ficou preso, né? Posso tirar?
Eu: Oi?
Bancária gostosa: O cartão, senhor. Posso tirar?
Eu: Ah, foi, sim. Mas acho que vai precisar abrir a máquina, já botei força e nada...
Sempre sorrindo, a funcionária se aproxima do caixa automático, avalia o problema rapidamente e, segurando a ponta do cartão entre o polegar e indicador de unhas perfeitas, retira o pedacinho de plástico sem a menor dificuldade. Ainda mostrando a dentição milimetricamente alinhada, me estende à mão e entrega o cartão.
Bancária gostosa: Olha, senhor, como saiu fácil. E eu, pronta para fazer a maior força!
Eu: ...
Bancária gostosa: O senhor precisa de mais alguma coisa?
Eu: Não, não...
Bancária gostosa no auge do sorriso: Situação resolvida então?
Eu: Não, caralho! Resolveu pica nenhuma! As pessoas aqui da fila é que já tinham resolvido que eu era um bosta porque tava atrasando tudo! E agora, lógico, resolveram que eu sou um banana com um vácuo entre as pernas onde deveria estar minha masculinidade, já que nem uma merda dum cartão eu consigo tirar dessa máquina imbecil! Cadê o técnico grotesco que deveria ter me atendido? Por que mandaram você? Por que caralho você tinha que ser gostosa?!
Claro, essa foi a resposta que surgiu na minha mente. Felizmente, anos de treinamento psicológico e fortes amarras sociais filtraram meus pensamentos, originando uma resposta muito mais civilizada.
Eu: Foi, foi...tudo resolvido. Eu...hmmm...valeu aí. Tchau.
Recolho meu cartão de banco, meus trocados recém-sacados e vou embora. A minha dignidade eu deixo por lá mesmo, convivendo em harmonia com os sorrisos de escárnio das pessoas da fila. Não ouso olhar para trás, mas eu sei mesmo assim. Dá pra sentir na minha nuca. Na minha alma.
A desgraçada da gaúcha gostosa continua sorrindo.

Um comentário:

  1. Fred, meu irmão enrolado com cartões, acho que as coisas no Banco do Brasil melhoraram então. Na minha época de BB, aparentemente era proibido mulher bonita fazer concurso. Só tinha traste.
    Conselho: enrole-se na máquina mais vezes nesse mesmo horário, nessa mesma agência. Abraço.

    Saulo Toscano

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Vai, danado, reclama!