sexta-feira, 30 de julho de 2010

Sexta-Feira dos convidados: A construção




Ela começou de mansinho, por volta de 2007, na esquina da Rua Dhália com a Cons. Aguiar. A sua chegada foi inclusive comemorada pelos moradores das redondezas. A construção iria ocupar o terreno baldio que abrigava vários menores, moradores de rua, que ocasionalmente cheiravam cola e incomodavam a vizinhança.
Além disso, provavelmente a kombi do teto verde não teria mais lugar. Eu explico. Convivíamos com a tal kombi do teto verde há um bom tempo. O veículo se instalava todas as noites na mesma esquina ocupada hoje pela construção. Ao cair da noite lá estava ele, com sua lona verde, protegendo seus clientes de uma possível chuva e vendendo Deus sabe o quê para os consumidores das madrugadas. Estes desocupados por sua vez, achavam interessante colocar suas bandas clássicas preferidas (Gatinha Manhosa, Kelvins Duran etc.) às alturas na madrugada de uma quarta-feira, assim chamavam a atenção e animavam os trabalhadores noturnos da região e evitavam as freqüentes brigas entre as prostitutas e travestis que partilhavam também a esquina. Era tudo com boa intenção, e percebe-se como vivíamos em harmonia.
Mas voltando, eis que chegou a construção. Sob a insígnia da Construtora Santo Antônio, celebramos então a sua vinda! Que ótimo, finalmente um edifício residencial para ocupar aquele reprodutor de miséria social sob as nossas janelas. Perderíamos mais uma parcela da parca vista para o mar, mas tudo bem, valeria a pena recuperar nossas noites de sono, mesmo que um pouco mais quentes.
Creio que desde que começou, de fato a kombi sumiu e também os moradores que haviam se apropriado do terreno. Começaram então os trabalhos nos primeiros meses de 2007. Perfurações, água mal cheirosa, proliferação de mosquitos da dengue, mas duraria pouco, tínhamos aquela certeza e esperança de que sofreríamos por 1 ano ou 2 no máximo e enfim a paz. As perfurações duraram todo o ano. Não esperei o réveillon para ver as comemorações sobre a construção, estava fora do país durante 2008, mas com saudades deste ambiente social caloroso, retornei em julho e pude admirar os avanços. Estavam batendo as estacas. Que férias pacíficas tive eu na minha querida cidade. Acordava com o batidão às 8h da manhã. E claro, dormia com ele que continuava na minha cabeça depois de um dia inteiro de batidas ritmadas.
Saí do país novamente. Um ano depois, estava eu de volta, esperando para ver aquele magnífico prédio, com famílias simpáticas habitando a minha rua. De fato, encontrei pessoas no prédio. Ele era habitado agora por uma dúzia de pedreiros cantores que faziam seu show pendurados por cabos de segurança, enquanto outros lá embaixo batiam em tonéis de concreto, no melhor estilo STOMP para completar a cadência ritmada. Era uma maravilha que começava, claro, às 8h da manhã. Além disso, eu tinha a oportunidade de compartilhar meus momentos íntimos com aquelas simpáticas pessoas que tinham acesso visual à janela do quarto e ao caminho que eu era obrigada a fazer quando saía do banho. Como isso me trazia felicidade.

Estamos em meados de 2010 e a construção continua...a construção. Ela, que deveria ocupar o terreno baldio, ocupa hoje, por vezes, a rua inteira, com seus exuberantes caminhões de descarga que fazem, geralmente em horário de pico, um ângulo perpendicular à Rua Dhália, interrompendo assim o trânsito, para que todos possam admirar sua magnitude.
Claro, para que apreciemos ainda mais a sua chegada (e permanência), ela começa seus trabalhos mais cedo, às 7h da manhã com o fabuloso show dos pedreiros cantores e sua orquestra inspirada no STOMP. O melhor de tudo é o repertório.

Evinha, feliz moradora da rua Dhália.

4 comentários:

  1. oxe... tem uma obra na frente do meu prédio desde 2005!! Esse semana eles resolveram acelerar o ritmo (não sei por que...) e funcionaram até 1h da manhã!! Beleza,né?
    Beijos!
    Déa

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  2. Acho que morar em prédio e não ter uma obra por perto é estar "out". Tem que ter. A minha era em Piedade. Era só uma reforma, mas durou uma eternidade. Pra mim que trabalhava em casa, uma maravilha. Barulho, poeira, palavrões o tempo todo. Ah, e um operário despencou do décimo quarto andar.

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  3. Ah, o ser humano... Eterno insatisfeito.

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  4. Evinha reclama agora, mas aposto que gostava quando passava na frente da construção e recebia elogios graciosos, educados e de alto nível dos pedreiros.

    Ass: Mauro, o galhofeiro quase ajudante de pedreiro.

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Vai, danado, reclama!