sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Sexta-Feira dos convidados: Cearês




Vida de quem escolheu se dedicar a passar em um concurso não é fácil. Disso todo mundo já sabe. O que acontece, no entanto, é que as pessoas normalmente associam a dificuldade da vida de concurseiro somente à fase anterior a aprovação. Muitos acham que, a partir daí, tá tudo resolvido: é só começar a juntar dinheiro, casar, fazer aquela viagem etc. Pra quem pensa desse jeito, sinto informar, mas não é bem assim. É verdade que a época que antecede o sucesso nos concursos é muito angustiante, cheia de incertezas e exige muita dedicação. Mas a fase pós-aprovação, predominantemente no início, pode se tornar um outro desafio, pois é preciso estar disposto a se adaptar. Especialmente se o candidato tiver que morar em outras cidades ou até em outros estados, como é o meu caso.
Foi assim que em abril deste ano vim morar na bela Fortaleza, no Ceará. A distância da família e dos amigos tem sido o meu maior problema de adaptação até aqui, apesar de Fortaleza e Recife estarem há apenas uma hora de vôo. Tenho encontrado, porém, um outro problema de adaptação que não esperava: a comida. Não a comida em si, mas a forma como as pessoas, aqui, se referem à comida. Logo nos primeiros dias fui a um restaurante meio fuleiro. Era um desses em que você apanha os acompanhamentos e depois escolhe um pedaço de carne. Enfim, dirigi-me direto pra fila e servi-me de arroz feijão etc. Quando cheguei na última etapa uma moça me perguntou:
-          O que o senhor quer para mistura?
-          Nada.
Veio na minha cabeça aquela gororoba de presídio. Não tinha perigo de eu comer qualquer mistura nesse restaurante.
-          O senhor não quer mistura?
-          Não quero, não.
-          Tem certeza?
-          Absoluta.
Pensei logo: isso provavelmente é uma mistura de comida que não vendeu, de ontem, batida no liquidificador e deve tá uma merda. Por isso que tão insistindo tanto. A moça me olhou com cara de estranheza e disse: - Então tá. Próximo!
Sentei na mesa esperei, esperei, e nada de passar a carne. Chamei o garçom e perguntei:
-          Amigo, como faço pra comer carne nesse restaurante?
-          A carne é ali, naquela moça.
-          Mas aquela moça só me ofereceu mistura e isso eu não quero!
-          Mas, Senhor, é isso mesmo que ela está oferecendo.
Conclusão n º 1: aqui no Ceará, carne e mistura são a mesma coisa. Voltei lá, com a cara de mané, e peguei a minha mistura: um pedaço de frango e um pedaço de maminha. Voltei pra mesa e pedi um refrigerante pro garçom:
-          O senhor pode me trazer uma coca?
-          KS?
-          Coca.
-          KS?
Pensei: ou esse cara é maluco, ou ele tá tirando uma onda com a minha cara ou, como eu achei que fosse, ele tá tentando me empurrar um desses refrigerantes escrotos aqui do Ceará, tipo Cajuína, Ypiocola etc 
-          Amigo, eu quero COCA-COLA! Tá me entendendo? COCA-COLA!
-          Entendi. Eu só quero saber se o senhor quer KS.
Já estava pra mandar o cara enfiar a KS no cu. Mas vai que ele era doido. Além do mais, estava em terra estranha. Enfim, admiti que perdi aquela batalha e, resignadamente, disse:
       -    Ok amigo, traga KS mesmo.
Pra meu espanto o cara me aparece com uma coca-cola geladinha na bandeja. Aí eu pensei: o doido na verdade era um escroto e tava tirando uma da minha cara. Não me conformei, agora era uma questão de honra, só saia dali se tomasse uma KS. Então, esbravejei:
-          Cadê a minha KS, cacete?
-          Olha aqui.
-          Tá pensando que eu sou doido meu amigo? Isso aqui é coca-cola, a bebida que eu queria desde o início, e o senhor insistindo em trazer KS...
-          Pois é. Se o senhor quisesse em lata, eu tinha trazido, mas disse que queria KS então eu trouxe KS.
Conclusão n º 2: no Ceará, KS e garrafa são a mesma coisa (mas só pra refrigerante, ok? Já tentei pra outras coisas e não funciona).
Finalmente, após terminar a minha refeição - acompanhamentos com misturas na brasa e Coca-Cola KS -, pedi a conta ao garçom.
-          Já vou trazer a conta, mas o senhor quer alguma coisa pra merendar mais tarde?
Conclusão n º 3: essa foi a mais fácil. Como todos sabemos, merendar é o mesmo que lanchar. Só que a última vez que fiz uma merenda ou que falei essa palavra foi na hora do recreio ou “hora da merenda”, na Escola Ativa, quando tinha uns seis anos. Achei engraçado, paguei a conta e fui embora. Depois vi que, aqui, ninguém lancha, merenda.

Por isso, se quiserem visitar Fortaleza, vão treinando o seu Cearês.


Por Saulo Toscano

31 comentários:

  1. kkkkkkkkkkkkkkk
    É bem isso mesmo...mas a cajuína era cajuína mesmo ou refrigerante de caju (São Geraldo)?
    E alguém já te pediu pra rebolar alguma coisa no mato?
    hehehehe
    :P

    ResponderExcluir
  2. Ahhh!!E compra o dicionário de cearês...vai te ajudar bastante!:P

    ResponderExcluir
  3. kkkkkkkk
    parabéns adorei o texto, otimas tiradas e muito bem escrito.
    Obrigada pela gentileza com essa nossa terra tão pitoresca.
    Bjsssss

    ResponderExcluir
  4. Gostei muito da colocação, vai aprendendo e quem sabe um dia você consiga conversar na boa com uma cearense gata. Marco Antonio

    ResponderExcluir
  5. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
    Muito bom, chorei de tanto rir.
    Mas vc se acostuma, o povo aqui é gente boa!!!

    ;***

    ResponderExcluir
  6. viuge dei moh valor!
    Cearês além de uma linguagem diferenciada é cultura É ARTE!!!!

    Ass: Quem pratica o cearês.

    ResponderExcluir
  7. kkkk, realmente... gostei muito do texto. Estou morando em Fortaleza mas vim do MT e também passei por várias situações pareceidas, mas a melhor foi quando eu fui mandar lavar a minha roupa e a mulher pediu se queria que "engomasse", logo veio na minha cabeça que a mulher ia tacar maizena de deixar minha roupa dura, pq na minha terra se diz passar a roupa e engomar significa deixar os trilhos de mesa ou paninhos durinhos... enfim, não me aguentei e pedi o que era engomar e ela me disse que era a mesma coisa que passar roupa, então foi um alívio...
    Então se vier para o ce e quiser passar sua roupa com ferro peça para engomar.Claudia

    ResponderExcluir
  8. Oi, Saulo. Me identifiquei muito com o seu texto. Eu também sou de fora e não sabia o que eram mistura e KS. Aliás, passei 15 anos sem saber o que era esse KS. Acabei de aprender. Mais um vocábulo para eu enriquecer meu cearês! Merendar para mim também me remete à minha infância, quando levava o LANCHE de casa dentro da merendeira. Boa sorte na terrinha! E viva o Ceará!!!

    ResponderExcluir
  9. Nathalie amiga da Henna13 de agosto de 2010 às 11:07

    menino tu num viu foi nada!!! Tu tem que ir pra mundiça do caça e pesca, botar boneco com o canelau de lá, só não vá se embrenhar na água pq ela carrega! A dica: peça um sarrabulho!!!
    Cuidado: não bula com a mulher alêa, pq é capaz de tu levar uma chulipa do papel de enrolar prego do namorado dela. Mas convenhamos, aqui é uma comédia!!
    Falou meu fiiii!!!

    ResponderExcluir
  10. Muito legal!!Isso mostra a independência lingüistica do estado do Ceará!:P

    ResponderExcluir
  11. hihihi
    eu que sou cearense só aprendi ano passado o que era mistura, quando uma moça que tava cozinhando aqui em casa perguntou o que era pra fazer pra "mistura"... perguntei "como assim?" =]
    E "Ks" cheguei até a pesquisar o significado uma vez... dizem que no site da Coca-cola vem dizendo que é "king size", mas é estranho pq é pequena comparada a uma 2L, 3L... outros dizem que é "kasco"... ^^ vai saber...

    ResponderExcluir
  12. É verdade...mas aqui no Ceará, você pode pedir um frango assado sem se preocupar com as risadinhas...hehehe

    ResponderExcluir
  13. Kkkkkkkkkkkkkk
    Também passei por umas parecidas!
    Sou paraense e já paguei uns micos por aqui.
    Texto muito bem escrito! Parabéns, quase me
    explodo de rir da KS!!

    ResponderExcluir
  14. Hahahahahaha...
    Imagino que deva ser difícil de se adaptar a 'nossa linguagem' pq eu mesma falo desse jeito e até hj EU MERENDO!!!!!

    ResponderExcluir
  15. eu moro a quase 12 anos, e tb nao sabia dessa parada de mistura :P hehehe. Agora ks e merenda isso eu ja sabia :P

    ResponderExcluir
  16. Sou de Maceió, moro aqui há 22 anos, mas quando cheguei aqui, eu achava muito estranho algumas expressões: "rebolando no mato", "menino, não estrua a comida!", "deixe de botar boneco...fulano é bonequeiro!!". Muito bom o seu texto!Parabéns!:P

    ResponderExcluir
  17. Caro Saulo!!!
    Isso mostra o quanto no estado é rico na fala.
    Tenho um experiência por ter morado 5 anos em outro estado e também sofri um monte pra entender a linguagem deles.
    Deixo esse comentário e digo pra você conheçer o forró das pilotos de fugão, fazer uma fuleragem com as catirobas e ainda macho véi ver o canelauuuu bebo......hehehe, VISSE!

    ResponderExcluir
  18. Booooa!!!
    Adorei a historia... muito bem indicado por uma amiga ali.... hehehe
    "No ceará eh assim..." vai se acostumando "meu chapa"!!
    Grande abraço.

    ResponderExcluir
  19. dá proxima vez, meu querido, tu pergunta o significa o vacabulo "pitoresco" que voce não entendeu, e evita passar vergonha!
    Afinal, quem tem boca vai a Roma!~Quando eu fui pra Recife e não sabia o que significava "Frango", por exemplo, eles me disseram e eu evitei a terrivel vergonha de dizer q queria comer um!
    Abre essa tua boca, da proxima vez, e vê se escolhe um restaurante melhor, pq um q oferece "mistura" nem eu, que sou Cearense de corpo e alma, costumo frequentar
    Boa Sorte

    ResponderExcluir
  20. Muito bom!
    Aqui no blog as vzs me perco pra entender as mensagens que mandam pra gente, imagine mudando pra outra cidade?

    aqui no rio se vc pedir uma "coca" é a lata, se for a garrafinha o garçom avisa.

    farol=sinal, breja=cerveja, mah=macho=cara=meu=mano, abestado=besta=idiota, bengala=bisnaga, .... e mão de vaca pra mim não é uma comida, mas sim um cara pao duro! =p

    ResponderExcluir
  21. Mas que texto engraçado da bixiga, visse, como vc teve tanta dificuldade de entender o ceares, visse, nem parece um cão por dentro do mato, visse, comeu brocha para entender o que era KS, visse. Agora danou-se, visse. Parece que estar com a molestia, visse.

    Grande abraço, mas será se os amigos cearenses vão enteder a mensagem?

    ResponderExcluir
  22. Só uma dica, quando te oferecerem uma mistura, recorra ao pernambuquês e mande botar uma graxinha a mode lubrificar o peritônio, hehehehehe.

    ResponderExcluir
  23. "kkkkkkkk o cearês eh bemm dificilll mesmo! mas agnt gosta neh...vcs tb num tem visse??! kkkk agoraa cuidado com o gato véiiii...corraaaaaaaaaaaa viu! kkkkkk ah boaa sorte!!!"

    ResponderExcluir
  24. Puro sucesso esse post, Saulinho. Quase fiquei com vergonha de comentar, por causa da grande quantidade de comentários. Mas é isso, o negócio é se adaptar. Tomara que eu passe num concurso pra poder ter histórias parecidas!!! Um abração do amigo que continua em Recife, terra dos mangueboys.

    Ass: Mauro, pés na lama e cabeça no infinito.

    ResponderExcluir
  25. Arre égua! Hahahahaha....rapaz, tô me abrindo aqui...muito legal esse post, que, vou nem mentir, foi Henna quem me mostrou. É muito comum as pessoas ficarem ariadas aqui no Ceará....mas você se acostuma...vai conhecendo novas palavras do cearês...hahahaha....E vou te contar, tu é cagado, viu?! Passar em concurso pra cá...Vixe! Beijo!

    ResponderExcluir
  26. eita...uma ruma de presepeiro comentando...ô marmota!:P

    ResponderExcluir
  27. o termo ks aparece na nota fiscal dos refrigerantes em garrafa e pra cadastrar nos softwares eh melhor colocar ks do q garrafa ;P

    ResponderExcluir
  28. Olha, como sou cearense e nunca me desvinculei daqui, acho até estranho vc não saber o significado de tais palavras. Achei bem engraçado seu post! ;D Mas também já passei por momentos parecidos como o seu até mesmo no seu estado. Ahhh... só pra esclarecer... "KS" é a abreviação de KaSco, mas somente para aquela medida (290mL), por esse motivo só se refere à refrigerante. Seja bem vindo à terrinha!

    ResponderExcluir
  29. kkkkkkkkkkkkkk
    Muito legal esse seu texto!Mas pra evitar qualquer coisa, realmente pergunte do que se trata.Você pode perguntar à nossa maneira, tipo: Garçom: "Você quer KS?". aí você responde: "Que diabéisso?".kkkkkkkkkk.
    Tudo de bom.

    ResponderExcluir
  30. Que bom haver diferenças linguisticas,e graças a Deus o meu ceará é cheio dessas palavras digamos "engraçadas"! da proxima vez dar uma perguntadinha meu fio, hahahaha

    ResponderExcluir

Vai, danado, reclama!