sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Calor, ônibus e chuva.

 

Imagine que você tá no ônibus. Lotado, porque tu mora no Recife. Digamos que Deus simplesmente não vai com a tua cara e determinou que você tinha que pegar, todo santo dia, uma linha tipo Candeias\Dois Irmãos ou Piedade\Rio Doce, ônibus que, como diria meu amigo Alex, andam mais que a má notícia. É meio-dia. Estranhos involuntariamente se esfregam em você, ao tentar trafegar seus corpos suados dentro do espaço mínimo do veículo. A não ser aquele gordo careca passando a língua pelos lábios, te encarando desde que tu subiu no ônibus. Esse daí se esfrega querendo mesmo. Sentiu um calafrio de horror? Ótimo. Daí, do nada, apesar do calor fortíssimo, no auge do Verão pernambucano, começa uma chuva fininha, que você sabe que vai parar daqui a alguns minutos e que serviria até pra refrescar um pouco. Você olha ao seu redor, entre a confusão de cotovelos e suvacos pingantes que formam a maior parte da sua passagem imediata e busca as janelas dos ônibus. Lentamente constata que a maior parte delas foi dominada por veias de aspecto doentio. Quase que imediatamente, você sente um terror primitivo se apossando do seu ser. Penosamente, em movimentos sincronizados, todas as veias de levantam e começam metodicamente a fechar TODAS as janelas do ônibus. Ninguém diz nada, primeiro porque quem está junto da janela tem a primazia sobre seu uso. Tá na lei. Não, essa lei não, aquela outra. Segundo, porque faltam estudos conclusivos acerca dos efeitos causados pela chuva sobre veias decrépitas. Mentira, até tem, mas ninguém quer arriscar, muito menos as veias. Afinal, depois de uma certa idade, tudo mata. Chuva mata. Frio mata. Maresia mata. Corrente de ar mata. Sereno mata. Facada no pâncreas mata. Frescura do caralho!
E ai, uma rotineira andada de ônibus lotado num calor do cacete, passa a ser uma viagem ao inferno, com você preso numa sauna ambulante, as veias tossindo e botando pra fora todo aquele catarro acumulado desde que Lima Duarte tinha a orelha pequena. Não existe oxigênio disponível para todos. Inconscientemente, você passa a respirar mais fundo, tentando roubar a cota de ar do vizinho que, aliás, está fazendo o mesmo. O ar não se renova, rapidamente se transformando num miasma carregado de bactérias, uma névoa pútrida em que você quase consegue enxergar as doenças pairando e escolhendo preguiçosamente suas vítimas. Ao tentar colocar um pouco mais de oxigênio pra dentro de si, você age como um aspirador de pó de moléstias, que se acumulam dentro de você e se revezam em te transformar em um viveiro de germes das mais diferentes e variadas espécies, todas convivendo em harmonia dentro de você. Suas pernas fraquejam, suas costelas ardem, a garganta fecha, a visão escurece e, antes de sucumbir de vez ao seu destino, você ainda consegue vislumbrar a hora no seu relógio embaçado.
Ainda falta uma hora pra chegar ao seu destino.
Bem-vindo à estufa de satanás, meu velho.


5 comentários:

  1. Muito muito bom isso, tu realmente sabe escrever sobre essas coisas. Pois todos esses assuntos agora têm um lado divertido.. :) Pena que ninguém dos meus amigos aqui sabe português..

    Parabéns!
    PS: Adorei o trecho do texto com a lei, haha, vai procurar!
    :-*

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  2. O título do texto poderia ser "Memórias de um germófobo"! Hahahahaha... Beijos!

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  3. bom, posso dizer que compartilho sua angústia:
    por que fechar TODAS as janelas COMPLETAMENTE???
    :*
    DEA

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  4. O pior é passar por tudo isso e ter um filho da mãe sentado vendo vc cheia d livros e bolsas e simplesmente fingir q nada ver!

    FILHO DA MÃE!
    =P

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Vai, danado, reclama!